ATORMENTADA

Como ela está atormentada!...
Não tanto pela idade - tantos há que com 75 anos estão lúcidos, ativos, felizes!
Muito mais pela doença depressiva, que, ao longo de sua vida, foi se instalando, variando em aspectos, durabilidade e freqüência.
Infelizmente, nos últimos anos, tendo sido a mais constante característica de seu existir.
E como acarreta sofrimentos! Para ela própria e para todos que convivem com ela no seu dia-a-dia.
Na juventude, já mãe, era a típica do lar.
Depois, viúva, teve que arcar, sozinha, com a educação de duas filhas, ainda, crianças. Dedicada, embora não soubesse demonstrar a afetividade através de gestos e carinhos.
Na maturidade, começam a aparecer as primeiras manisfestações da depressão, com mudanças bruscas de humor, cada vez mais frequentes.
O tempo vai passando numa sucessão contínua de dias, meses e anos, que, vivenciado se materializa, se torna palpável, sofrível.
Agora, na velhice, mamãe já não sonha. Vive atormentada por pesadelos imaginários, que agitam e entristecem seu cotidiano.

ELA É PERNAMBUCANA

Para madrinha Gertrudes Vieira de Souza, nascida em Paudalho/PE, em 26/08/1926

Ela é pernambucana, portanto brasileira.
E brasileira bem típica: Mulher.
Pobre.
Idosa.
Aposentada.
Nunca frequentou escola. Lê muito pouco e escreve desenhando o próprio nome. Nascida no interior - Paudalho - numa época em que as escolas rurais eram raridade, em que meninas pobres não tinham direitos defendidos e que a própria família não valorizava os estudos - saber ler era coisa de ricos.
Ela é pernambucana, portanto brasileira.
E brasileira bem típica: Mulher.
Pobre.
Idosa.
Aposentada.
Adolescente, ainda, migrou para a cidade grande - Recife - a capital pernambucana. Sem qualificação foi trabalhar na casa dos outros. Cozinhar. Lavar. Arrumar. Tomar conta de crianças. Uma maratona diária, mal paga, sem prestígio e sem status.
Ela é pernambucana, portanto brasileira.
E brasileira bem típica: Mulher.
Pobre.
Idosa.
Aposentada.
Há mais de cinqënta anos está ligada a uma mesma família. Sentiu na pele, por décadas, os tabus e preconceitos de ser doméstica. Mas quatro gerações aprenderam a amá-la e respeitá-la pela sabedoria que tira do dia-a-dia e da própria experiência, pois a vida lhe ensinou quase tudo o que sabe.
Ela é pernambucana, portanto brasileira.
E brasileira bem típica: Mulher.
Pobre.
Idosa.
Aposentada.
E que ainda sonha. Com mais que o salário-mínimo na aposentadoria. Com uma casinha. Com a saúde e possibiidades de comprar remédios. Com o respeito a direitos elementares, como por exemplo, subir no ônibus, ao dar, ela própria, sinal de parada.
Ela é pernambucana, portanto brasiliera.
E brasileira bem típica: Mulher.
Pobre.
Idosa.
Aposentada.
E, ainda: Madrinha.
Mãe de criação.
Avó de coração.
Obrigada, Dinha!
E que Deus a abençoe, eternamente!

Thelma Regina Siqueira Linhares

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