QUE FAÇA AGORA

Dia desses, vi uma reportagem na televisão com Guilherme de Brito e fiquei muito triste. Guilherme está com mais de 80 anos. Ainda passeia pelo bairro de Bonsucesso, no Rio de Janeiro, toma sua cervejinha e canta melancolicamente "Quando eu me chamar saudade" para as câmeras. O problema não é esse.

O problema é que vi no Guilherme o retrato do que se vê em milhões de idosos no Brasil. Aquela sensação de abandono e a necessidade, geralmente não atendida, de compartilhar algumas emoções incontidas.

O tempo todo somos preparados para lutar e para conquistar. Lutas pressupõem adversários. Os elementos que estão dentro da sociedade em que vivemos e que ambicionam as mesmas coisas que nós costumam ser nossos principais adversários. Quando não se trata de um ente querido, de um aliado ou de um adversário, trata-se de um ser neutro e é para esses que reservamos a indiferença. Os idosos recebem uma boa carga dessa indiferença social e sabemos muito bem por quê.

O Guilherme é muito conhecido pelas suas parcerias com Nélson Cavaquinho. No entanto ele tem uma vasta obra independente, iniciada muito antes dessa relação. Começou a compor em 1938, mas só em 1955 a sua composição "Meu dilema" foi gravada pelo cantor Augusto Calheiros, juntamente com outra canção também de sua autoria, "Audiência divina". Conheceu Nélson Cavaquinho em Ramos, subúrbio do Rio de Janeiro, quando este tocava nos botequins do bairro. Em 1957, Raul Moreno gravou "A flor e o espinho", parceria sua com Nelson Cavaquinho e Alcides Caminha, mais tarde também gravada por Elizeth Cardoso. Daí para frente, vários cantores e diversos documentários registraram suas obras.

Insisto em ter o Guilherme como referência, porque ele é um exemplo de pessoa que chegou à velhice sendo bem-sucedida naquilo que é sua vocação, mas que, mesmo assim, transmite um ar de abandono e de muito sofrimento quando estampa sua face numa tela de TV. Se com ele acontece isto, imaginem, então, com aqueles que não obtiveram nenhuma resposta satisfatória do tempo? Pobre Guilherme! A reportagem mostrava-o caminhando pelas ruas de seu bairro, conversando com os camelôs e comprando um quilo de carne fresca, mas tudo aquilo ficou muito artificial, na minha opinião.

Encerremos, então, esta crônica com o máximo de sinceridade possível. E não me vem outra coisa à cabeça, senão a letra de "Quando me chamar saudade", como símbolo dessa expressão desejada.

QUANDO EU ME CHAMAR SAUDADE
(Nélson Cavaquinho e Guilherme de Brito)

Sei que amanhã
Quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora
Me dê as flores em vida
O carinho
A mão amiga
Para aliviar meus ais
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais

Felipe Cerquize

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