Envelhecer com dignidade

Ontem tive meu dia um pouco estragado. Mas a vida é assim, ora rosa, ora um cinza sujo. N auseante. Infelizmente não sou lá muito otimista para achar que o ser humano é virtuosíssimo, maravilhoso. Há um ponto de oscilação, muitas vezes ficando um pouco abaixo do esperado. E tal decepção deve acontecer aos montes.
Segundo Darwin, embora tenhamos a capacidade de amar, somos selvagens. Basta ver o que acontece no nosso país, na nossa cidade, no prédio onde moramos, nas famílias e no mundo virtual – onde a exposição é grande. Atrocidades por minuto. Todos os humanos se matando.
E para se viver num clima desses, oscilando entre alegrias e tristezas, amores e ódios, mesquinhez e calúnias é preciso ter sangue de barata, pois o contraste entre o bem e o mal é alucinante, faz perder o ânimo e a crença nos homens de boa vontade .
Minha náusea se deu quando saí para comprar um presente. Entrei numa loja, que há anos compro, e a filha dos proprietários (ele com 95 e ela com 92 anos) veio ao meu encontro. Conversa vai, conversa vem, acabou contando-me que há dois meses seus  pais estão numa casa geriátrica, tipo meia-boca, sem jardim, sem médicos, sem fisioterapeutas. O quartinho mal cabe a cama do casal, que até então moravam no seu apartamento de um andar inteiro. A filha, que me recebeu, descreveu a tal casa de idosos como muito precária. E falou da vida triste dos pais, inclusive sem plano de saúde, que os próprios filhos suspenderam. Pois é...
O casal passa o dia inteiro no quarto, já que não podem mais andar sozinhos. Os velhinhos, até há pouco, viviam andando pelo bairro, acompanhados pela cuidadora. Paravam sempre para conversarmos.
Lá pelas tantas perguntei como estava o pai , com toda essa situação, já que a mãe está mais debilitada.
– Olha… o pai usa de um mecanismo para fugir da realidade, não quer sofrer mais com a situação atual. Ele se nega a falar.
Juro que custei a entender aquele horror. Os filhos, todos com curso superior, bem de vida, suspenderam o plano de saúde que o casal pagou a vida inteira para ter uma velhice digna. Tiraram os pais do apartamento alegando que não podiam cuidar deles; que os remédios custavam muito caro, o plano de saúde, a faxineira, a cuidadora... Mas caramba, o casal tem vários apartamentos, tem bens, tem dinheiro! A velhinha sentia-se feliz rodeada dos bisnetos.
Como os conheço  há muitos anos, o coração apertou; meus olhos revelaram o que eu senti. E até hoje não consegui entender as explicações. Ou melhor, entendi tudo. Com certo esforço, entendi.
Os velhinhos choram. Mas não há mais forças para tocarem o coração dos filhos. Eles já deram o que tinham de dar, agora estaria na hora da colheita, não por obrigação, mas por amor.
Essa é uma das tantas histórias tristes da vida, cujos personagens pertencem a uma classe social privilegiada. Eu tenho pena de velhinhos. Eles sentem, pressentem, choram. E tentam esconder... Mas quem de nós está preparado para lidar com tanta decepção e mágoas?
Acho que fui uma testemunha ocular... Nem o mordomo faz falta nessa história, já que ingratidão, desamor e mesquinhez não tem mordomo que supere.
Mas os humanos são assim, uns com suas virtudes e outros canalhas, cheios de trampas e esquemas. E desses, esperar o quê? Sou mais uma a aumentar a fila dos descrentes. Mas todos envelhecem… É só esperar.

Tais Luso de Carvalho

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