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  Direitos Autorais  
     
 

Desobediência civil eletrônica
http://docedeletra.com.br/dl/foradoar/index.html

Dorme, meu pequenininho
Dorme, que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho
De tanto amor que ele tem.

O filho que eu quero ter.
In: A arca de Noé, Cia. das Letras, 1991

Tudo começou quando O Globo e o JB noticiaram o veto da VM Produções, Publicidade e Promoção Ltda. à página em que uma estudante pernambucana homenageava desinteressadamente Vinícius de Moraes. VM é a face comercial de alguns adultos que, muitos anos atrás, teriam levado Vinícius a escrever O filho que eu quero ter.

Ao obrigar Micheline Carvalho a tirar sua página do ar, os herdeiros demonstraram duplo desconhecimento do que seja a rede.

Primeiro porque um dos hábitos mais caros aos internautas é o de prestar homenagens eletrônicas. E não se trata de puro exibicionismo por tabela. Um dos princípios da rede é a liberdade de informação. Internauta que se preze tem a compulsão de socializar tudo o que sabe e gosta.

Segundo porque o site de Micheline era apenas um dentre os muitos dedicados ao poeta. Uma rápida pesquisa no Alta Vista, por exemplo, lista cerca de 3.000 entradas com o nome de Vinícius de Moraes.

A antipática atitude da VM Ltdíssima. gerou uma onda de indignação eletrônica, cujo fruto mais visível é a ViníciusNet, movimento que procura produzir o maior número possível de páginas dedicadas ao poeta. Além disso, gente do mundo todo se manifestou.

A página proibida de Micheline transformou-se em fórum. Das muitas manisfestações de apoio, 107 autorizaram explicitamente a divulgação. Em Portugal, Tiago criou uma página fazendo o que impediram Micheline de fazer, e o zine da Top 5% Portugal trouxe um bombástico artigo de Sarah Adamopoulos. Além disso, duas listas de discussão foram criadas: a LI-BR-DADE, criadora do logotipo que já circula pela rede, e a Libertas.

Herdar literatura

Assim como ninguém revela o que acontece nos contos de fada depois que o príncipe casa com a princesa, as biografias de escritores não registram o que ocorre com a obra depois da morte de seu autor.

De acordo com a lei, a obra duramente produzida - muitas vezes concebida nos momentos roubados ao ganha-pão ou aos cuidados com a prole - não difere em nada de qualquer obra humana que renda frutos monetários - seja ela indústria, botequim, agência funerária ou sex-shop.

Segundo Danilo Doneda, especialista em Direito de Família, «os direitos autorais têm uma parte pecuniária, que são os direitos de utilização econômica da obra, que são como um bem qualquer: estão no comércio». Transformada em negócio, a obra passa a ser gerida da maneira como os herdeiros bem entenderem.

Passada adiante a titularidade da obra, os herdeiros podem fazer o que quiserem. Botá-la na gaveta e nunca mais permitir reimpressões, cobrar uma exorbitância pela sua utilização, condicionar sua publicação à contratação de um ilustrador ou capista que eles acham o máximo, etc. É como se a obra fosse deles.

Se o autor tiver filhos - ou ex-maridos ou ex-mulheres - que o odeiam ou excessivamente mercenários, e temer pelo tratamento que a posteridade pode dar a suas obras, estará em maus lençóis. Não é possível determinar que suas obras entrem em domínio público logo após sua morte. Por, pelo menos, 70 anos, a publicação vai depender da boa vontade de seus herdeiros.

Mas nem tudo está perdido para quem se preocupa com a posteridade. Doneda informa que é possível limitar, em testamento, o poder dos herdeiros sobre alguns aspectos comerciais. Pode-se, por exemplo, determinar que a obra seja livremente utilizada para fins não-lucrativos.

Se Vinícius tivesse tido essa preocupação, Micheline não estaria, hoje, ameaçada de processo criminal!

Direitos na rede

Procure um advogado especializado em direito autoral. Leve qualquer questão a ele: direitos sobre venda de livros, veiculação de música em rádio, utilização de videocassete, produção de CD-ROM. A resposta virá rápida e exata. Agora, pergunte alguma coisa relativa a direitos na Internet. Ele vai coçar a cabeça, olhar de lado e suspirar: «Essa questão é muito complicada».

Petrus Barreto, advogado da Globosat, é um dos profissionais que joga a toalha quando a questão cai na rede. Segundo ele, a legislação ainda não responde a todas as questões postas pela chegada da Internet e, o que é pior, no dia em que responder, ninguém garante que existam condições tecnológicas para fiscalizar quem descumpre a lei.

Nesse sentido, o caso Vinícius é exemplar. Uma rápida procura no Alta Vista revela a existência de 3.000 sítios, espalhados pelo mundo, que mencionam o nome do poeta. Isto inclui desde pessoas e empresas cujo endereço é a rua Vinícius de Moraes, em Ipanema, até home pages inteiramente dedicadas ao poeta.

Segundo o advogado, quando se chega a esse ponto, os instrumentos legais viram letra morta. Embora quase todos os países sejam signatários da Convenção de Berna, cada um tem seu próprio código civil e penal que trata da violação de direitos de modo diferente.

Os Estados Unidos, por exemplo, adotam a figura do fairy use, o uso legal, o uso justo, aplicado a inúmeras situações de utilização de obra sem finalidade de lucro. No Brasil, as poucas brechas da lei estão no artigo 49 da Lei de Direitos Autorais, que limita os direitos em prol do bem comum.

A verdade é que leis existem. Embora nenhuma trate especificamente da web, sítios e home pages são perfeitamente enquadráveis. E, no Brasil, a pena para quem transgride a lei é pesada. De acordo com os artigos 184 e 185 do Código Penal, quem viola direitos autoriais, mesmo sem finalidade lucrativa, pode pegar de três meses a um ano de prisão, mais multa. Se lucrar com a brincadeira, pior ainda: pode pegar até quatro anos.

A questão trazida pela rede não é, portanto, legal, e sim operacional. Segundo Petrus Barreto, o que dificulta a aplicação da lei na web não é a inexistência de leis específicas e sim a relação custo/benefício de mover uma ação, principalmente quando se trata de ação judicial além fronteiras.

Imagine que, dos 3.000 sítios que tratam de Vinícius, apenas cinco realmente violem a lei, sugere ele. Agora imagine que um está hospedado no Brasil, outro na França, outro em El Salvador, outro no Japão e o último na Hungria. Processar apenas os cinco responsáveis por esses sítios sairia tão caro que não compensaria.

Até mesmo mover um processo no Brasil não chega a ser compensador. Os herdeiros de Vinícius poderiam chegar a botar Micheline Carvalho na cadeia. Mas, caso ela seja uma estudante, sem bens em seu nome e sem condições de pagar indenização, a única coisa que os herdeiros do poeta receberiam, depois de ter gasto uma fortuna com advogados, seria a duvidosa satisfação de mandar para o xadrez quem teve a petulância de prestar uma homenagem não-autorizada ao pai delas.

ViníciusNet
Que rede é essa?

Return-Path: <mcb@recife.di.ufpe.br>
Date: Wed, 24 Jul 1996 16:12:31 -0300 (EST)
From: Micheline Carvalho Barroso <mcb@di.ufpe.br>
X-Sender: mcb@goiana
To: Doce de Letra <strausz@imagelink.com.br>
Subject: Que rede é essa?

Sou analista de sistemas, graduada em Ciência da Computação pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente, moro em Recife, onde faço mestrado em Ciência da Computação na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, especificamente, na área de Banco de Dados Distribuídos. Antes de vir morar em Recife, meu conhecimento sobre Internet se resumia a leves comentários ocasionais. Considero o ano passado o estouro da Internet Brasil. Mesmo aqui, na UFPE, intensificamos seu uso naquela época.

Foi quando surgiu uma página dedicada ao poeta Vinícius de Moraes.

Eu participava, então, de uma lista de poesias, mantida em nosso Departamento de Informática. Os membros desta lista resolveram divulgar as obras de alguns poetas através de homepages individuais, que seriam posteriormente organizadas em uma página global. Entre tantas páginas propostas, apenas uma foi concluída: a página que desenvolvi em homenagem a Vinícius de Moraes, modesta a princípio, mas que, aos poucos, foi crescendo devido ao intenso acesso dos fãs que não poupavam elogios e pediam, cada vez mais, a renovação da página.

Esta página, realmente, ultrapassou as fronteiras das minhas expectativas, seguiu seus próprios rumos (guiada pelo meu amor tão fortemente alimentado pelo carinho de pessoas incomuns com as quais eu conversava diariamente). Sempre digo que a página foi criada por todos nós, para todos nós e por causa de todos nós, simplesmente, porque existimos e precisamos gritar para o mundo que ainda acreditamos em sentimentos puros...

Terminei a primeira versão da página de Vinícius de Moraes no dia 04/12/95. Desde a sua criação, a página sofreu várias modificações e, hoje, se ainda estivesse no ar, seria composta de:

aproximadamente 90 (noventa) letras de poemas/músicas/crônicas;
quatro composições digitais no formato .MID para áudio;
dados biográficos de Vinícius de Moraes;
algumas fotos do poeta (uma ainda bebê, com um ano de idade; outra na idade adulta; e outras duas do poeta acompanhado por Toquinho);
várias cartas de admiradores (quase 70), do Brasil e do exterior, que escreveram elogiando a minha iniciativa em divulgar a cultura brasileira na web.

Desde o ano passado, ou seja, desde a sua criação, a página de Vinícius encontrava-se entre as três páginas mais acessadas no provedor do Departamento de Informática da Universidade Federal de Pernambuco. No dia 06/02/96, ela foi escolhida, pelo JB On-Line, como uma das sete melhores páginas da Internet Brasileira, oportunidade em que lhe foi conferido um selo de recomendação do Jornal do Brasil , por intermédio do jornalista Sérgio Charlab. Esta premiação também foi divulgada no primeiro número do Boletim do Comitê Gestor da Internet Brasil, em Brasília, denominado Net@Net, em uma reportagem feita pelo, também jornalista, Mauro Malin. Além disso, a página foi divulgada em várias outras páginas da rede, no Brasil e no exterior. Seu endereço apareceu em catálogos de páginas, como o catálogo de páginas da revista Internet World e na Folha de S. Paulo, entre outros.

A mídia dizia: a Internet veio para criar um mundo sem fronteiras, sem preconceitos, sem censura ... Imaginem que maravilha! Tudo é permitido. Que grande revolução social! Estamos no caminho da unificação mundial!

Eu acreditava cada vez mais nestas palavras e me considerava a mais fervorosa adepta desta rede revolucionária. Eu estava vivendo um momento talvez único em minha vida. Enfim, tinha a oportunidade de contribuir na construção deste tão falado mundo-sem-fronteiras, levando às pessoas um pouco de amizade e amor, através da sensibilidade de Vinícius de Moraes. E como eu gostava disso...

No dia 31/05/96, recebi um fax dos advogados dos herdeiros de V. de M. exigindo a retirada da homepage que dediquei a Vinícius de Moraes em 48 horas, sob a ameaça de serem aplicadas as penalidades previstas pela Lei de Direitos Autorais - 5.988/73. Eles alegaram que, dez anos atrás, os herdeiros de V. de M. constituíram uma sociedade, denominada VM Produções, responsável, então, pela divulgação de imagem e obra do poeta, e, conseqüentemente, eu havia infrigido a Lei 5.988/73, uma vez que divulguei imagem e obra do poeta sem autorização prévia. Retirei, então, a página imediatamente e tentei entrar em contato com os advogados. Depois de algumas tentativas frustradas, finalmente, os herdeiros responderam à minha carta. Nela, eu explicava os motivos que me levaram a dedicar uma página a V. de M. - SEM FINS LUCRATIVOS - e pedia para que eles me informassem como proceder para obter tal permissão legal. Os herdeiros, muito educadamente, não demostraram interesse em permitir a existência de outra página que não fosse a oficial (que eles estão desenvolvendo e da qual tomei conhecimento já no primeiro fax que me foi enviado...).

Já se passaram quase dois meses que este fato aconteceu e, depois de tanta divulgação, confesso que é muito difícil assumir alguma posição. Tenho recebido muitas cartas, opiniões diversas... Além dos jornais, que se prontificaram em divulgar o fato, o mesmo já foi lançado como tema em duas listas de discussão e várias pessoas já divulgaram algum texto de protesto em suas homepages.

Nunca imaginei que o poder da solidariedade fosse tão grande e, apesar de tudo isso, me sinto incapaz de dimensionar o tamanho da POLÊMICA!!!

Em momento algum questiono o direito dos advogados (e herdeiros) de Vinícius de Moraes. Eles estão apenas cumprindo o seu dever, a sua obrigação como profissionais que são.

A Lei de Direitos Autorais existe ?! E-X-I-S-T-E.

Ninguém sente mais a presença viva desta lei do que eu. Respeito tanto a existência dela que, no exato momento em que recebi o famoso fax dos advogados, retirei a página de V. de M. do ar IMEDIATAMENTE. Sei também que esta mesma lei, que está protegendo o direito dos herdeiros, algum dia poderá ser usada em meu próprio benefício, ou de qualquer outra pessoa. Mesmo sem ser advogada (confesso a MINHA QUASE TOTAL IGNORÂNCIA no que diz respeito à área jurídica), atrevo-me a dizer que as leis existem para quem MELHOR SOUBER USÁ-LAS, por isso, acredito que existam os julgamentos. Os herdeiros têm todo o direito de reivindicar o que é seu por legado: o poder sobre a divulgação de imagem e obras de seu pai (vide artigo 42 da Lei de Direitos Autorais). De acordo com este artigo, eu realmente seria condenada: NUNCA TIVE AUTORIZAÇÃO LEGAL para veicular algo sobre V. de M. em qualquer um dos meios de comunicação! Mas, para que serve o seguinte artigo desta mesma Lei?

Art. 49 Não constitui ofensa aos direitos do autor: I - a reprodução;

a) de trechos de obras já publicadas, ou ainda que integral, de pequenas composições alheias no contexto de obra maior, desde que esta apresente caráter CIENTÍFICO, DIDÁTICO OU religioso, e haja a indicação da origem e o autor;

Esta colocação não indica nenhum desejo de entrar em um processo judicial. - afirmo. Eu não entraria em um processo judicial, porque, AINDA QUE SEJA DIFÍCIL DE ACREDITAR, eu nunca pensei em utilizar a imagem do poeta para me "promover na mídia". E, como todos já devem saber, nunca obtive espécie alguma de lucro financeiro através desta página. Digo tudo isto, apenas com o objetivo de JUSTIFICAR o nosso DIREITO de QUESTIONAR...

A única coisa que fiz foi uma *HOMENAGEM*. Eu só não imaginava que ela fosse ficar tão bem feita (se é que ela obteve MESMO este mérito) ao ponto de ser PROIBÍDA (obviamente, a proibição teve motivos, NÃO necessariamente ESTE, e que pertencem APENAS aos veiculadores daquela). Mas, será que, em pleno auge da Internet, eu não poderia dedicar algumas horas livres de meu tempo para expressar a minha admiração por V. de M.?! Infelizmente, este tipo de argumento - a admiração - NÃO SERIA LEVADO EM CONSIDERAÇÃO EM TRIBUNAL ALGUM DO PLANETA (pelo menos, hoje em dia).

...continuo esperando pacientemente pela SENSIBILIDADE dos herdeiros. Aquela mesma sensibilidade que me fez dedicar uma página ao pai deles. Embora isto seja uma GRANDE UTOPIA, não tenho medo de confessar a minha mania de sonhar com uma vida diferente. Acho que foi EXATAMENTE por isso que comecei a divulgar o amor através de V. de M..

Hoje em dia, depois de ouvir tantas opiniões, arrisco um ligeiro palpite. O destino da Internet fugiu do controle daqueles que a conceberam como um meio EXTRAORDINÁRIO de TROCA de informações entre os vários habitantes do mundo. De acordo com a filosofia inicial, seriamos todos habitantes de um mundo novo e sabe qual era a moeda dele? $AMIZADE$.

Erramos apenas em uma coisa... Enfeitiçados pelo NOSSO MARAVILHOSO MUNDO, esquecemos de vê-lo crescer... E ELE CRESCEU!!! Cresceu tanto que interesses diversos e antagônicos passaram a co-existir... Entre tantos interesses, podemos observar os DOIS LADOS DA MOEDA

Existem pessoas que desejam obter LUCRO FINACEIRO a partir da Internet, E POR QUE NÃO?! Afinal, GRANDE PARTE do sucesso desta rede deve-se ao fato das incalculáveis oportunidades de lucro;

Outras pessoas, entretanto, permaneceram na Idade da Pedra, na qual se falava de amizade, liberdade de expressão, mundo-sem-fronteiras, etc, etc, etc... E POR QUE NÃO?! Afinal, estas pessoas tem o direito de desejar um mundo melhor, AINDA QUE SEJA NA TELA DE UM COMPUTADOR.

É isso... O NOSSO MUNDO VIRTUAL CRESCEU! Porem, não queremos, e nem devemos, nos revoltar com interesses contrários aos nossos. Tudo isto aconteceu MESMO por falta de leis REAIS que regulem o nosso mundo VIRTUAL. A Lei de Direitos Autorais existe sim, mas não acho que ela seja adequada para ser aplicada na Internet, um meio dito NOVO e REVOLUCIONÁRIO. Além de ser absolutamente IMPOSSÍVEL aplicar este tipo de lei na rede (os herdeiros de V. de M. teriam que vasculhar a rede 48 horas por dia para mover processos contra pessoas que publicasem algo sobre Vinícius de Moraes. Sorte dos advogados. Esta prática é ALTAMANTE INCOERENTE. Se continuarmos aplicando este tipo de lei na Internet, então, deveremos jogar fora todos os livros, revistas e jornais, que nos falam de seu ESPANTOSO poder de "criar um mundo-sem-fronteiras" e nos CONFORMARMOS com o fato desta rede tornar-se MAIS UM meio de comunicação de massa.

Será a INTERNET a TELEVISÃO do século 21 ?!

Há quem AFIRME : SIM !!!

Então, SORRIAM! Afinal, somos PRIVILEGIADOS : tivemos o indescritível prazer de participar desta deliciosa liberdade.

COITADAS DAS PRÓXIMAS GERAÇÕES...

Micheline.