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DE
PLÁGIOS & ADJACÊNCIAS
Em uma de suas crônicas, o saudoso Rubem
Braga nos fala de plágio. Mas precisamos, do (quase) plágio
por ele co-metido repetidas vezes, em São Paulo, contra o
seu doce amigo Carlos Drummond de Andrade.
Esquivo-me de recontar a história, mesmo
porque jamais fui íntimo do cronista capixaba para usar da
liberdade de incorrer no mesmo delito. Mas tenho experiências
na matéria. E o relembrá-las me basta.
Em 1956, eu secretariava uma revista, no Rio. Certo
dia, chegou à redação um jornalzinho - até
bem impresso, bem diagramado - editado em Caxias, baixada fluminense.
Logo na primeira ou segunda página, estampava-se artigo sobre
assunto de minha predileção. Interessou-me logo no
título, e... verifiquei tratar-se cópia textual de
trabalho de minha autoria. O plagiário se limitou a eliminar
o primeiro parágrafo e a adicionar à matéria
o seu belo nome. Escrevi-lhe sobre a perplexidade causada pela assombrosa
"coincidência", tanta que até os seus pontos
e as suas vírgulas pousaram exatamente onde eu colocara os
meus e as minhas. Perguntei ao "colega" o que ele pensava
da Parapsicologia, de certos fenômenos da mente: indaguei
se lhe parecia realmente possível a transmissão de
pensamento. Quis saber, por fim, se tinha ciência de que havia
"captado", ipsis literis, o meu artigo. De nada valeu
a ironia, porém, porquanto o destinatário reservou-lhe
o mais pétreo silêncio.
Mais recentemente, em um tablóide também
no Rio, encheu-se uma página com trabalhinho de minha lavra,
mas assinado por um cidadão residente no Belenzinho, na capital
de São Paulo. Ele usou técnica semelhante à
do aludido caxiense: escreve dois parágrafos introdutórios,
e se apropriou dos outros, escritos em 1988, e publicados em revistas
do Rio e de Lisboa, e até em livro. Em carta que o periódico
divulgou, entre outras considerações eu observava
que, em se tratando de "professor de teologia", como o
apresentaram ao pé da página, o meu indesejado parceiro
incorria em gravíssimo pecado. (Ficou apenas implícito
ser de sua obrigação lembrar-se de que lá está
escrito: "Não furtarás").
Mas, para que eu não me envaideça
e nem me reconheça em condições de atirar pedras,
cumpre-se revelar ao paciente leitor - se, por acaso, o tenho -
que, embora involuntariamente, já incorri em semelhante deslize.
Em meio aos versos intitulados "Brasília
960" usei, como refrão, este "achado": "pisamos
nas mãos do vento." Meses depois, porém, deparei-me
com a mesma metáfora em livro de conceituada poetisa brasileira.
Constrangido, e pesaroso por ter de encontrar algum verso equivalente,
pus-me a pensar na saída. E ocorreu-me a solução:
coroá-lo de aspas. E, assim, livrei-me do delito, sem suor
e sem lágrimas. Anos mais tarde, o poeta luso João
Tomaz Parreira, fraternal amigo residente em Aveiro, remeteu-me
precioso presente: uma robusta antologia denominada 800 anos de
poesia. E eis que nela vejo, sem pôr nem tirar, de antigo
poeta português, exatamente o perturbador (e ao mesmo tempo
festejado) "Pisando nas mãos do vento." "Ladrão
que rouba ladrão tem mil anos de perdão", certo?
Certo. Ato contínuo, eliminei as aspas.
Depois de tantos anos a refugar plágios
(os próprios e os alheios), acabei sendo um tanto condescendente,
em face dessas fraquezas humanas. E passei a considerar esse feio
procedimento não apenas apropriação indébita,
como o vêem os códigos, mas também como homenagem
do ladrão a sua vítima. Ele gostaria de ter sido ao
autor da obra furtada. É isso. Trata-se portanto do mais
extremado admirador, quereis mais? Nestes tempos de escassas leituras,
de solene desprezo pelo saber, de originais aos borbotões
a asfixiar as gavetas, não é pouco que alguém
nos leia e ainda venere tanto os nossos escritos a ponto de apoderar-se
de nossas palavras e de nossas queridas sentenças. Muito
melhor seria termos editores e honestos leitores, concordo. Porém,
como estamos cada vez mais inéditos, a deferência dos
plagiários pode ser até um sonho...
Joanyr de Oliveira
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