HOMENAGEM AO SESQUICENTENÁRIO DA EDITORA-LIVRARIA FRANCISCO ALVES

Enquanto estávamos fazendo a página de editoras brasileiras, recebemos um livro soberbo comemorativo aos 150 anos da Livraria Francisco Alves.

A obra é soberba, pois reúne destacados nomes falando sobre a livraria e contanto deliciosas histórias sobre a clientela que freqüentava o núcleo cultural — em que o estabelecimento se transformou na época — , e sobre o próprio Francisco Alves. Assinam os depoimentos: Ivan Junqueira, Alexi Bueno, Álvaro Ferreira de Almeida (Capitão de Vassouras), Carlos Heitor Cony, José E. Mindlin, Josué Montello, Raul Pompéia e Felipe Fortuna.

Francisco Alves de Oliveira nasceu em 2 de agosto de 1848 em Cabeceira de Basto, Portugal. Chegou ao Brasil em 1863, aos quinze anos de idade, com pouco dinheiro no bolso, mas com o sonho de vencer. "Em 15 de agosto de 1845, no número 48 da Rua dos Latoeiros, a atual Gonçalves Dias — rua onde foi preso o Tiradentes e onde morou o poeta de Os Timbiras — foi inaugurada a Livraria Clássica de Nicolau Alves, primeiro nome da atual Francisco Alves, na verdade o nome de seu tio oriundo, como ele, de Cabeceira de Basto, Portugal" — como escreve Alexi Bueno.

Francisco Alves foi um grande benemérito da nossa cultura. "O livreiro morreu a 29 de junho de 1917 e, pouco antes de cerrar para sempre os olhos, redigiu um testamento em que deixava todos os seus bens à Academia Brasileira de Letras, atendendo talvez, a uma sugestão que lhe fizera Rodrigo Otávio, no sentido de que criasse um fundo cujas rendas pudessem financiar prêmios capazes de estimular o desenvolvimento das letras nacionais. Nesse testamento, o livreiro exigia apenas da Academia que desse uma pensão à Maria Dolores Braun, com quem viveu de 1890 até a sua morte e organizasse, de três em três anos, dois concursos: um sobre a divulgação do ensino primário no Brasil e outro sobre a língua portuguesa. Foi a partir dessa herança e da doação feita pelo governo francês, em 1923, do Petit Trianon que a Academia passou a ter, efetivamente e afinal, vida financeira e se de próprias" — Ivan Junqueira, Presidente da ABL, in Apresentação.

Já em vida Francisco Alves se preocupava com a poesia e a infância brasileiras. Foi ele quem encomendou a Bilac o livro "poesias infantis", um dos melhores livros para crianças de todos os tempos. Na primeira edição, por esquecimento da oficina impressora, o prefácio de Bilac foi omitido. No entanto, incluído nos demais, mostra explicitamente o caráter de encomenda da obra. E vale a pena ser transcrito até por se tratar, de certa forma, de um depoimento sobre o processo de criação poética do próprio Bilac:

          "Quando a casa Alves & Cia. me incumbiu de preparar este livro para uso das aulas de instrução primária, não deixei de pensar, com receios, nas dificuldades grandes do trabalho. Era preciso fazer qualquer coisa simples, acessível à inteligência das crianças; e quem vive de escrever, vencendo dificuldades de forma, fica viciado pelo hábito de fazer estilo. Como perder o escritor a feição que já adquiriu, e as suas complicadas construções de frase, e o seu arsenal de vocábulos peregrinos, para se colocar ao alcance da inteligência infantil?
           Outro perigo: a possibilidade de cair no extremo oposto - fazendo um livro ingênuo demais ou, o que seria pior, um livro, como tantos há por aí, falso, cheio de histórias maravilhosas e tolas que desenvolvem a credulidade das crianças, fazendo-as ter medo de coisas que não existem. Era preciso achar assuntos simples, humanos, naturais, que, fugindo da banalidade, não fossem também fatigar o cérebro do pequenino leitor, exigindo dele uma refleção demorada e profunda.
          Mas a dificuldade maior era realmente a da forma. Em certos livros de leitura que todos conhecemos, os autores, querendo evitar o apuro do estilo, fazem períodos sem sintaxe e versos sem metrificação. Uma poesia infantil conheço eu, longa, que não tem um só verso certo! Não é irrisório que, querendo educar o ouvido da criança e dar-lhe o amor da harmonia e da cadência, se lhe dêem versos errados, que apenas são versos porque rimam, e rimam quase sempre erradamente?"

Em 1923 Francisco Alves já tem, além da matriz do Rio, as filiais de São Paulo e Belo Horizonte (na R. Bahia, 1055, inaugurada em 16 de junho de 1910). A esta última Carlos Drummond de Andrade se refere em suas memórias em versos, no livro Boitempo, uma vez que a freqüentou:

LIVRARIA ALVES

Primeira livraria, Rua da Bahia.
A Carne de Jesus, por Almáquio Diniz
(não leiam, obra excomungada pela Igreja)
rutila no aquário da vitrina.
Terror visual na tarde de domingo.

Volto para o colégio. O título sacrílego
relampeja na consciência.
Livraria, lugar de danação,
lugar de descoberta.

Um dia, quando? Vou entrar naquela casa,
vou comprar
um livro mais terrível que o de Almáquio
e nele me perder - e me encontrar.

Nossos parabéns à Livraria e à atual getão de Carlos Leal, a quem agradecemos o envio de tão importante obra para a preservação de nossa memória histórico-literária-editorial.

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