DAS ANTIGAS
Como se num carnaval de letras, palavras saltam, pulam, brincam... Mas
é somente um acesso de antiga... mente. Antigamente se tinha palavra.
Por exemplo: cristaleira... bilheira... pote... peitoril... corpete...
cômoda (tipo de mesa com gavetas para guardar roupas)... estalicido
(estalicídio)... gode, de godes (grátis, de graça)...
papeira (caxumba, parotidite)... coité, cuia e cujuba... capitão
(arroz, carne e farinha em forma de bolinho, feito com a mão)...
o pinto pelebreu...
II
Carro velho, para nós do interior, naqueles idos, era LERÉU.
O cigarro feito ali a vista, pacientemente, pelo velho avô, era PORRONCA
(teria vindo de "pau ronca", já que, quando se prenuncia uma briga,
também se diz, e igualmente por metagoge, que "o pau vai cantar"?).
BORROCA era parte da expressão "cara de borroca", com que se apelidava
o jovem de rosto cheio de marcas de espinha, acne. PIXITE também
era parte da locução "nem pixite", ou seja, nada, nem aí.
Um murro forte também se dizia SUDENGA. PITUÍBA era pequeno;
bem pituibinha, bem pequenininho.
III
"ESTROMPADO" (arrebentado) e "AFOLOZAR" (remexer o dedo no nariz) eram
do vocabulário. "Nariz de folote" ou "nariz de chaboque" eram apelidos
dados a quem tinha grandes as cavidades nasais. NINGA (originária
de "ninguém") era parte da expressão "seu ninga", que dizia
da inexistência de viva alma em determinado local. BUÇANHA
era "nome feio" e dizia respeito aos genitais, às "partes pudendas"
da mulher. E quem pegou MARIA-QUENQUÉM? Aquele inseto, espécie
de mutuca, cavava um buraquinho no chão, entrava e, ao sair, ia
direto... para uma caixa de fósforo, de onde só saía
amarrada por uma "linha de costura" e voava, à maneira de pipa (para
nós, papagaio).
IV
Mocotó também era chamado MOQUE ou MOCOTOZADA. Uma roupa
ou um objeto velho, um quarto ou outro cômodo desarrumado, o nome
era MUQUIÇO. Ninguém pronunciava "sembereba": carregávamos
mesmo em XAMBEREBA ou XEMBEREBA. As "garrafadas" da mamãe recebiam
o possivelmente onomatopaico nome de GOROROBA. Se algo ou alguém
fedia muito, estava EMPESTEADO. Estar com FOBA era dar uma de valentão.
Fazer MUNGANGO era fazer trejeitos, às vezes "mangando" (zombando)
de alguém. MUZINGA ou MUZENGA eram interjeições de
insatisfação, raiva. E o BOBÓ? Feito de abóbora,
é o que os dicionários chamam de "quibebe".
V
CARAMBOLO era um lagarto cinzento, que, em tronco de árvores,
balançava a cabeça parecendo dizer sim. TIJUBINA era outro
tipo de lagarto, de cor verde, um alvo escorregadio das BALADEIRAS (estilingues).
BALADEIRA também era sinônimo de rede e, quando esta era muito
velha, muito "sambada", chamava-se de TIPUFA (com certeza, também
de origem onomatapaica, à maneira de "tibungo", pulo nágua).
Confusão era CASCARIA e quem a procurava era um CASQUEIRO.
VI
Nenhum garoto gostava de comprar a cabeça de porco e trazê-la
à vista de todos. À cabeça suína se dava o
nome de SANFONA e quem a levasse à mão certamente ouviria
gozações do tipo: "Onde vai ser a festa?". Falando em festa,
tirar meleca do nariz era conhecido como "limpar o salão (para fazer
um baile)". Se um garoto gozador dizia "Hoje vai ter festa?", a resposta
vinha na ponta da língua: "Mas veado não entra". Se o gozador,
desarmado, ameaçasse com "Vou contar pro papai", recebia o contravapor:
"Corno também não".
VII
Estar ENCRIQUILHADO era estar todo transido ou inteiriçado (INTIRIÇADO)
de frio ou, em outra aspecto, estar encurvado pela velhice. Ser ESCRINCHA
(com certeza, veio de "escroto") era ser bom no que fazia. A propósito,
existia também a locução SER ESCROTO, cujo sentido
alternava de significados: tanto podia significar ser reles, ruim, ordinário,
como, antipodamente, ser o bom, o tal. ESBANDALHADO era o mesmo que ESCANGALHADO,
isto é, quebrado, imprestável, sem conserto ou necessitando
dele.
VIII
FOQUITE (deve vir de "foco") era a lâmpada pequenininha, mas quando,
com raiva ou desprezo, o garoto dizia "Vai dar teu foquite" ele apenas
estava "mandando aos infernos", à PQP; não significava uma
recomendação para cometer (opa!) uma atividade homossexual
passiva. "Dar a PILORA" era dar (ou ter) um ataque. PIMBADA era o mesmo
que "cópula"; portanto, dar uma pimbada era "fazer aquilo", era
dar uma LAPIMBOCHADA (esta também significava, sem conotação
sexual, dar uma cacetada, uma paulada). ACOLOIAR era estar de conluio com
outro, certamente para "fazer o mal" contra alguém. E "dar PITACO"
ainda hoje é sugerir, dar uma "sugesta", geralmente sem permissão.
IX
Quando se punha muita farinha no arroz ou no caldo e eles "endureciam",
a gente dizia que virara (tornara-se) um PANDURU. O relho (chicote) era
chamado, apropriadamente, CASCA-DE-VACA (afinal, o relho era de couro e
o couro vinha do boi, ou da vaca. Tirava-se o couro desses animais para,
numa surra, taca, pisa, "tirar o couro" de outros - os garotos traquinas).
Quando alguém se "equilibrava", melhorava "de condição"
na vida, estava APULUMADO (aprumado). Havia um peixinho durinho, danadinho,
que recebia o nome de ANIQUIM (aniqui) e o "anujá" era ANOJADO.
X
As "entradas" feitas durante o corte do cabelo recebiam o nome de CAMINHO-DE-RATO.
Barbeiro que fizesse isso nunca mais veria o cliente de novo, era BARBEIRO
mesmo (sem qualidade, inábil em seu ofício). Briga ainda
hoje se chama ARRANCA-RABO. Mulher vadia, "da vida", era tachada de FUAMPA
(as dezenas de nomes que essas heroínas levam...). Coisa sem valor
era FUBUCA (micha). Encher o TIMBI era comer muito, encher a pança.
BARRUFAR era paquerar alguém. Se a "azaração" desse
certo e terminasse em namoro e o casal estivesse agarradinho, dizia-se
que fulano estava ali, ENCANGADO com sicrana (ou a versa encangada com
o vice).