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Uivo, Kaddish e outros poemas, de Allen Ginsberg  
Tradução, seleção e notas de Claudio Willer  
Editora L&PM  

Expoente da geração Beat, porta-voz da contracultura, Allen Ginsberg, morto em 1997, permanece, principalmente, como o poeta norte-americano de maior prestígio da segunda metade do século XX. Nesta coletânea, versão revista e ampliada da que foi publicada em 1984, com mais informação sobre Ginsberg e a Beat, estão Uivo, Kaddish e o restante de sua revolucionária poesia da década de 50. 

Para mim, este é um livro importante para o entendimento da geração beat e de seu criador maior. Willer montou todo o panorama da vida de Ginsberg e seus amigos que participaram da criação deste movimento literário e artístico, tão decisivo para a época e tão fascinante. 
 
Urhacy Faustino
editor da Blocos
 
Trecho do prefácio:

A publicação de Uivo, em agosto de 1956, foi recebida com um processo por obscenidade, acarretando a detenção do gerente da livraria, Shigeotsi Murao, e a interdição do livro até ser liberado por decisão do Supremo Tribunal estadual, em outubro de 1957. Retomada a comercialização, ampliou-se o sucesso editorial, logo ultrapassando a inédita cifra de cem mil livros vendidos, acompanhado por outros que estavam na gaveta ou em filas de espera das editoras: On the Road, finalmente lançado em agosto de 1957, e a poesia de Corso, Snyder, McClure, etc.

A mística Beat teve a colaboração de matérias na grande imprensa, desde o artigo favorável a Uivo e outros poemas de Richard Eberhart no New York Times, em setembro de 1956, até reportagens como a da Life em 1959. Mas este livro também provocou controvérsia, das manifestações de simpatia de figuras como Marianne Moore e Karl Shapiro à rejeição frontal, a começar por seu ex-professor Lionel Trilling, que classificou os poemas como chatos (dull), com um conteúdo doutrinário que não trazia nada de novo e do qual discordava, lamentando que Ginsberg tivesse deixado de escrever do modo como o fazia quando havia sido seu aluno. A polêmica incluiu debates na TV e comentários irônicos, como o de Truman Capote (this is not writing, this is tipewriting, a propósito da rapidez de Kerouac como datilógrafo). É correta a observação, em um manual didático de literatura, que talvez em momento algum da história da literatura americana um grupo de escritores tenha estado sob ataques tão virulentos como o estiveram os escritores Beat. Um exemplo é o artigo de Norman Podhoretz no conservador The New Republic, acusando-os de uma patética pobreza de sentimentos, além de hostilidade pela inteligência, anti-intelectualismo, desprezo por valores culturais, alegria de viver confundida com falta de compromisso e consciência.

Essa opinião encontrou eco em periódicos de outras tendências, liberais e de esquerda, como Evergreen Review e Partisan Review. Seus projéteis resvalaram em autores que não eram do grupo de San Francisco nem daquele de Nova York, e tinham em comum com eles o infomalismo ou alguma proposta divergente dos centros de poder cultural, também acusados de pertencer à Beat, como Duncan ou Denise Levertov. Ginsberg referiu-se, em várias ocasiões, a esse tipo de crítica: Não viram nada a não ser um bando de rebeldes que não sabiam escrever, que não tinham qualquer tradição, que não tinham uma verdadeira cultura, dando voltas por aí cuspindo e berrando seus pretensos versos livres, tentativa já feita em 1910 e aliás sem resultado por Amy Lowell, e por aí afora. Manifestou desprezo com relação aos liberais na linha de Lionel Trilling, afirmando que seu liberalismo não os impedia de aliar-se à polícia.

Seria divertida a leitura de opiniões da época sobre a literatura Beat, não fosse a repetição dos mesmos chavões, inclusive por ocasião do lançamento de algumas dessas obras no Brasil, na década de 80. Uma forma de depreciação que prossegue é discutir a Beat como fenômeno comportamental, desconsiderando-a como literatura. Herbert Gold (talvez em represália ao modo como ele e sua mulher foram recebidos no apartamento de Ginsberg no Harlem, relatado acima), de modo policialesco, chegou a afirmar que se tratava especificamente de uma manifestação de viciados, esquecendo que, naquele momento, corriam soltos diversos tipos de drogas sem que isso provocasse o aparecimento de poemas como Uivo e narrativas como On the Road. Na mesma linha, o poeta Louis Simpson diria que muito poema Beat recomenda enfiar uma seringa de droga na veia, qualificando-os como o lamento do "junkie", o gemido da bicha, o choro do homem que, desprezando-se, joga a culpa na sociedade. Esses e muitos outros autores declararam, com firmeza, que a Beat seria modismo passageiro, coisa do final dos anos 50. Diriam a mesma coisa por ocasião do lançamento dos Collected Poems de Ginsberg em 1984. O próprio Podhoretz voltaria à carga em 1988, acusando-o de falso profeta pela glorificação da loucura, drogas e homossexualidade. A permanência do discurso raivoso atesta a continuidade, e não a extinção da Beat.

Esperar apoio de todo crítico seria exigir ordem unida, o discurso-padrão, negando sua função de estimular debates através da controvérsia. É perfeitamente aceitável que estudiosos de literatura, leitores e resenhistas tenham outros focos de interesse. Contudo, reexaminando o que foi escrito na época e repetido depois, é possível mostrar que, escandalizados com o que liam e com fatos de que tinham conhecimento, muitos defendiam seu sagrado direito à caretice. Para eles, sendo os Beats boêmios sexualmente liberados e promíscuos, usuários de drogas, sem profissões respeitáveis, era impossível que produzissem literatura de qualidade. O fundamento das objeções à espontaneidade e informalismo era a suposição de serem manifestações de incultura, ignorando que Ginsberg, Kerouac, Burrouhgs, Corso, etc., foram dedicados leitores e pesquisadores. Mas suas leituras não eram aquelas da comunidade acadêmica; por conseguinte, não existiam. Desconheceram, ainda, que, antes de criar obra espontânea e informal, haviam produzido bastante texto formal e cerebral, como The Town and the City, a estréia de Kerouac, narrativa com influência de Thomas Wolfe e Proust, ou Gates of Wrath, a coletânea de poemas juvenis de Ginsberg, rimada, metrificada, em verso curto e temática metafísica. O informal, espontâneo, coloquial, era um estágio mais avançado da criação, ultrapassando a base literária e o código partilhado com o establishment. Um acréscimo, portanto, e não uma perda.

Processos por obscenidade e essa recepção são faces da mesma moeda. Não pela primeira vez (nem pela última), sobrepuseram-se duas censuras, uma comportamental, outra do repertório simbólico. Tais confusões — censura da criação para controlar o comportamento, e censura do comportamento apresentada como crítica literária — são freqüentes na história das vanguardas. Surrealistas e dadaístas haviam sido tachados, em sua época, de drogados e pervertidos, entre outros exemplos de atribuição de características do texto ao comportamento. Para Ginsberg, a reação da crítica apenas serviu para atrasar o fim do período macarthista e restringir a circulação de obras de cuja tradição eles faziam parte, como a de Whitman, Williams e Crane.
 

A crítica e a edição de 1984 de Uivo, Kaddish e outros poemas.
 
É como a ira sagrada dos que esbarram diariamente na miséria e na morte que ele escreve. (...) A experiência do poeta é demoníaca e sua pregação confunde, mas as informativas notas do tradutor e poeta Claudio Willer facilitam a compreensão deste canto (...)  
                                Mirian Paglia Costa
Revista Veja, agosto de 1984 
 
Willer trabalhou a sério. (...) Suas soluções para Uivo, por exemplo, são melhores do que as traduções espanholas e portuguesas, e tão boas quanto a tradução italiana de Fernanda Pivano. Ele preserva toda a carga informativa dos cruzamentos e colagens polissêmicas de Ginsberg ...  
                               Pepe Escobar 
Folha de São Paulo, julho de 1984
 
...cabe ao leitor interessado em informações sobre a obra e a geração beat ir procurar o prefácio e as notas da tradução que Claudio Willer fez para a edição de Uivo, do poeta Allen Ginsberg.  
                   Salete de Almeida Cara 
Jornal da Tarde, setembro de 1994
 
A verdade é que Willer, com essa onda de lançamentos beats, poderia seguir entregando apenas uma cuidadosa tradução dos poemas de Ginsberg. Mas foi além (...) para dar ao leitor brasileiro uma tradução tão requintada quanto a da italiana Fernanda Pivano, que igualmente contou com o apoio de Ginsberg.  
                      Ana Maria Ciccacio 
O Estado de São Paulo, agosto de 1984

Hoje, passados quarenta anos da primeira edição de Uivo, este poema continua a impressionar (...) A tradução brasileira, no caso, reflete de forma bastante lúcida a linguagem original, quanto ao tom e aos termos utilizados por Ginsberg (...). O poema, então, é uma autêntica obra de arte, conduzindo através dos anos a emoção de seu criador, que, com a pena e a palavra, transmuta-se em homem, santo ou lobo. 

              Weydson Barros Leal
Suplemento Cultural, Recife, outubro de 1996
 
 
 
 

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