Críticas saídas na imprensa sobre
Tilápia Galiléia, de Mauro Salles
A emoção de uma poesia
Antonio Olinto
(membro da Academia Brasileira de Letras)
 Há pouco mais de dez anos (exatamente a 20 de dezembro de 1993) escrevi longo artigo sobre o livro de poesia "O gesto", de Mauro Salles. Antes, Augusto Frederico Schmidt me havia dito: "Mauro é poeta dos bons. Em silêncio." Analisando o livro, escrevi então que ele revelava pleno domínio da técnica de um verso novo, numa espécie de mundologia ampliada e ao mesmo tempo íntima que merecia atenção.

Foi com alegria que o vi ligado então ao exercício do verso, já que o conhecia com intensa atividade em redação de jornal. Mauro foi mais tarde Ministro de Estado no governo parlamentarista de Tancredo Neves e, na sua atividade particular, tornou-se publicitário de sucesso, tendo chegado a Presidente da Associação Internacional de Publicidade, com sede em Londres.

Com o livro que lança agora, "Tilápia Galiléia: uma peregrinação poética", reafirma o poeta Mauro Salles sua posição de membro emérito dos que, neste país, se dedicam a interpretar o mundo e seus habitantes através da linguagem que, segundo Paul Eluard, canta. Os poemas de "Tilápia" foram feitos ao longo de uma peregrinação poética pela Galiléia, a terra em que, para uma boa parte da humanidade, o mundo nasceu de novo. Sendo uma peregrinação, é também um movimento.

De verso para verso, de poema para poema, surge o movimento que finda por fazer parte do ritmo geral das imagens de Mauro Salles. A partir da palavra "Tilápia", que figura no título, outros símbolos se unem, refletindo o espírito de sua poesia. "Tilápia" é um peixe, também existente no Brasil, que há mais de dois mil anos já era importante na Palestina e no Egito.

A barca de São Pedro - não a simbólica, de hoje, mas a barca de pescar do futuro chefe da igreja de Cristo - levantava suas redes de tilápias. Tilápias que o poeta conhece desde criança, as "tilápias São Francisco" do Nordeste brasileiro que são hoje exportadas para os Estados Unidos, onde o filé do peixe sertanejo é mais caro do que o filé de salmão.

Na sua peregrinação pelos lugares em que teve início uma nova era, fixa-se o poeta nas figuras de antigamente, como o poema em que segue a "Menina Maria", vendo-a trabalhando e depois "descansando à sombra de oliveiras" e pergunta: "A quem terá dado sua mão/ ali mesmo/ brincando de roda?", imagina-a cercada de parentes e amigos, que olham distraídos para as crianças, e termina com estes cinco versos: "Eles não sabem/ que a menina Maria/ receberá amanhã a visita/ do Anjo/ que mudará nossas vidas".

O que se destaca, neste novo livro de poesia de Mauro Salles, é uma preeminência da forma, aliada a uma exatitude de conteúdos que pode ser tida por representativa da poesia brasileira neste começo de um milênio. O poeta vai ao Santo Sepulcro, o incenso se espalha a partir de turíbulos de prata, tudo sobrevive como coisa vista, mas tudo é também símbolo, não mais existe a pedra em que devia estar o corpo e foi quando Madalena soube que ele ressuscitara. Mas pedras se erguem por toda à parte, apesar da destruição, e não tijolos como em outras regiões do mundo.

 O poeta nota: "Não se usa tijolo em Jerusalém/ muito menos adobe, argila, gesso/ Também não há casas de madeira/ Só pedras aparecem nas construções/ Pretas/ cinzas/ amarelas/ brancas/ as lajes preparam a cidade/ para daqui a dez mil anos."

 Em Magdala não há vestígios de Madalena, e o poeta põe a ausência em palavras: "Tamareiras sombreiam/ ruínas da aldeia/ no Mar da Galiléia// Onde não há vestígios/ da pecadora/ que o gesto do Filho/ tirou do anonimato/ para ensinar aos homens/ lições de vida/ abençoadas pela ética do Pai."

No fundo, a poesia de Mauro Salles é também uma busca pelo ser. O ser está nas palavras, mas também nas coisas. Os versos de "Tilápia Galiléia" buscam o ser tanto no ato da peregrinação como na coisa, digamos, peregrinada, na paisagem que se vê, no caminho que se percorre, na Via.

Dolorosa em que todos param, mas lá não está quem a percorreu com uma cruz às costas, no prostíbulo (como aceitar esta palavra na cidade sagrada?), mas o poeta descobre a informação: "Na porta a placa inaugural/ decifra o mistério/ da grande obra/ ao revelar em mosaicos/ que o prostíbulo fora construído/ para a glória de César." O poeta mergulha a mão no Mar da Galiléia e no rio Jordão e registra: "as águas do Jordão/ e do Mar da Galiléia/ guardam histórias de barcas/ e de pescadores/ que ouviram sua voz firme e serena."

Atinge a poesia de Mauro Salles, neste novo livro de belos poemas, uma linguagem de nova e digna espessura, turbada pela emoção, que eleva seus ritmos a uma camada pouco freqüentada pela nossa poesia, em exemplos de fazer-versos em que as palavras, por simples que sejam, ganham ressonância que lanham nossa memória vocabular e nosso realismo presente. Sua poesia não se esgota nos primeiros contatos. Continua rica, nova, inconquistada.

"Tilápia Galiléia: uma peregrinação poética", de Mauro Salles, é um lançamento da Editora Objetiva, projeto editorial do Estúdio Massao Ohno, capa de Glenda Rubinstein (sobre fotocriação de Marjorie Rose Sonneschein).

 LIVROS IMORTAIS

 Amélia Sparano, autora de "A hora difícil", "Moeda corrente" e "Anos de fogo", antes de dar sua lista, lembra o Sermão da Montanha do "Novo Testamento" e "As palavras de Buda" da tradição indiana, como textos inesquecíveis, e apresenta sua escolha que tem início na Grécia:

 1. "Odisséia", de Homero
 2. "Divina comédia", de Dante Alighieri
 3. "Orlando furioso", de Torquato Tasso
 4. "Os Lusíadas", de Luis de Camões
 5. "Hamlet", de Shakespeare
 6. "Fausto", de Goethe
 7. "Dom Quixote de La Mancha", de Miguel de Cervantes
 8. "Candide", de Voltaire
 9. "Guerra e paz", de Tolstoi
 10. "Manifesto comunista", de Marx e Engels

____________
Através da  Internet este artigo também pode ser consultado no Jornal Tribuna da Imprensa, editoria Tribuna Bis:
http://www.tribunadaimprensa.com.br/bis.asp?bis=estante
 
 
 

Outras matérias
Release

« Voltar