FOLCLÍRICA 2
Tartaruga nasce
nua.Cai das nuvens
rola mundo,
mundo-acume
pontiagudo.
Cria csca
carnedura
duro casco,
casco-escudo.Tartaruga conti-
nua.(1976)
Gorjeios para um bem-te-viMal amanheço
e já me viste?...— Bem-te-vi!
Saíste do sonho
em que eu jazia
ovo, ave e ninho?...— Bem-te-vi!
E o que viste
na floresta labiríntica
em que a única árvore visível
é a de enigmas?...
Cantas para o sol
de graça,
pássaro altruísta?...Eu,
eu pago o meu direito à voz.
e cobram-me:
a água,
a luz,
o ninho,
o alpiste.Ai, bem-me-viste:
gorjeios meus
saem caríssimos.
Eu te abençôo,
irmão passarinho,
com as mãos franciscas
no espalmar das minhas:— Bem-vistos sejam
os que só vêem
o que não é visto.Tu não és o sabiá
que inspirou Gonçalves Dias.
Nem estou em outros mares
a entoar canções de exílio.— Bem-te-vi! O meu chão não é lá: é aqui.
Mas teu grito me anuncia
essa terra que tu viste
e que eu não vi,
de que sou expatriada.— Bem-te-vi,
ah, que saudade!
Eu, também,
pássaro ativo,
me cumpro o dia a dia
sobre este aplainado tronco
de exaurida seiva
a que o lavor chama de mesa
e onde canto! CANTO!
o que bem ou mal
eu vejo.
Muito mais:
o que não vejo,
bem-te-vi.Teu olho está no bico?...
O meu, nos dedos:
são eles que percorrem
as nervuras sensíveis
dos silêncios tangíveis
do meu grito:
— Bem-te-vida!Ilka Brunhilde Laurito
Do livro: "Sal do lírico", Edições Quíron, 1978, SP