AOS ROEDORES

Saúdo nesta manhã
o gorgulho que dteriora
o mais claro cereal.

Reservo os meus cumprimentos
à sóbria larva que não dormita
nas águas mais cristalinas.

E não regateio aplausos
à traça sem pressa que jamais
soletra o latim da vida.

Reverencio a barata
que, sob a noite pálida, corta
as roupas velhas do povo.

E diante da ratazana
que rói os pés da mesa do povo
eu me curvo, respeitoso:

isto equivale à passagem
do rei que rói até mesmo as lágrimas
e os sonhos dos cidadãos.

Cupim e formiga-braca,
a vós, vassalos de um reino obscuro,
minhas congratulações.

Aos insetos roedores,
às pragas que gastam planta e gado,
uma palavra fraterna.

E felicito os esquilos
que roem as nozes da poesia
no úmido chão de Washigton

e a lebre oculta na sebe
que, farejada por cães de caça,
quebra o sigilo do outono.

E apresento os meus respeitos
ao engenheiro da podridão,
o verme que come o homem.

Roei o vento e o palácio,
desfazei as podres estruturas,
mudai a face do mundo.

E que o témite admirável,
no saco de milho ou na cornija,
corrija a omissão dos homens.

Lêdo Ivo

Do livro: "Finisterra", in Poesia Completa (1940-2004), Topbooks, RJ