De Passarins...
Sim, alimento as pardais e as rolinhas, para elas, essas avezinhas meras, compro canjiquinha, painço, alpiste e ou de meu próprio pão...
Estou aprendendo a linguagem das rolinhas, que têm um código de asas muito interessante. Para guardar território, para espantar, atrair, expulsar.
Minha amiga, a pintora Neuza Ladeira, contou-me que na Tailândia são aves preciosas e sagradas.
Engraçadinhas, dão a impressão de serem meigas, se essa palavra pode ser aplicada às avezinhas. Mas, pelo observo com meu olhar de desenhista e poetisa, são extremamente belicosas. Levam a luta aos ares, em rodopio.em vão ponho bocadinhos aqui e outros ali, no beiral de meu terraço. Brigam pra valer... Enfrentam as pombas espaçosas que descem atraídas pelos grãos, bravamente. E batem nas rolinhas menores, as bebês um pouco menos querelentas. E quando as assusto sem querer, com meus passos em chinelinhos de cetim, voam para os fios em frente e fingem que não estão vigiando a comida.De vez em quando, fazem que olham. Quais as mocinhas de antigamente. Assim que sossego, voam de volta.
Os pardais são cheios de algaravia, ainda não lhes decodifico o linguajar. Chiam e chiam. Acordam-me pela manhã. Invadem-me a casa, entram por qualquer cantinho e depois rodopiam desesperados, à procura da liberdade. Já criei - mais ou menos - um pequenino que, machucado, tolerava minha proximidade. Eu o chamava de Jeremias, uma graça. Os menininhos pardais entram pela sala, de porta sempre aberta e, pulinho aqui, pulinho acolá, não são muito medrosos do bicho-mulher.Depois que saem para o mundo, à força de serem escorraçados, de se assustarem com os carros que passam, ficam arredios e medrosos...
Há uma família de bem-te-vis, que longe de ter as asas controladas como as das rolinhas, são de uma alegria enlouquecida. Parecem torcedores com pompons nas mãos. Agitam o que podem, rumorosos e encantadores, listinhas amarelas na cabeça e peito de camisa idem...
Claro, coloquei água para os beija-flores.Um dos bebedouros veio com néctar, mas será que é possível coletá-lo com essa facilidade? Misturo um tantico de açúcar. Mascavo. Ou mel. Eles adoram e com precisão enfiam os bicos longos e finos entre o orifício da corola. A flor é de plástico, mas eles parecem não se importar. Brigam pelo território, como os demais. Aqui, espaço no ar. Um foi expulsar com tanto ímpeto o invasor, que o bebedouro foi lançado a muitos metros de distância e se quebrou. Ele andou uns dias passando á procura, até que comprei outro. Há uns colibris micros, outros, do tamanho de andorinhas, e com elas se parecem, rabinhos em tesoura.
Meu marido Eduardo, sabendo dessa minha paixão por passarinhos, veio contar-me que ouvira em uma reportagem na Tv, que à noite, de tão cansados, os beija-flores desmaiam. Nada os faz acordar. Desde então, corro meu olhar noturno pela noturna noite - com redundância proposital - para ver se entre moitas, encontro essas maravilhas que param no ar batendo asinhas deforma quase inacreditável, coraçãozinho batendo alucinadamente...
Tenho uma coleção de gravuras reproduzidas de beija-flores de famílias várias, pintadas pelo pintor naturalista Etiene Demonte. São de tal forma perfeitas em detalhes, que nem sei de que forma o artista pode fazê-lo. Numa delas, descrevendo o beija-flor "Bico-de-sabre" (Heliothrix aurita auriculata), o especialista Augusto Ruschi chega a atribuir emoções humanas à avezinha:
"A parada nupcial do Heliothrix se desenrola com maior destaque nas fases de apresentação e exibição de plumagem".sei, no reino animal, isso é comum. Iguaiszinhos a nós, humanos... E continua: "na apresentação, o macho, em vôo de libração, se põe diante da fêmea a 30 cm, e em vôo, para cima e para baixo e para os lados, como se estivesse a dar pequenos saltos, pois se lança a tais distâncias, e estanca de etapa em etapa, abrindo e fechando a cauda. Em vôo acompanha a fêmea (é, parece que os machos humanos aprenderam nessa cartilha!) fazendo ascensão em rodopios, para descer a outro pouso onde se segue a fase de exibição de plumagem. Então, o macho, fazendo vôos de libração, faz saltar os tufos violeta laterais, tornando-os bem salientes, e a parte enegrecida que contorna tais tufos. Fica em constante movimento, além de abrir a cauda em leque para, de quando em quando fechá-la e abri-la, até que a fêmea, já psicologicamente conquistada, se entrega". Entre os humanos, as mulheres usam desses artifícios de conquista. E as gueixas, com seus leques, na dança?!..
Quando me levantei para ir à pasta, buscar uma das gravuras que peguei aleatoriamente, não sabia que encontraria a resposta para a pergunta crucial ONDE DORMEM OS BEIJA-FLORES?: o dormir é realizado em pouso, em local alto e no emaranhado da vegetação de uma copa fechada", conta Ruschio, o ornitólogo minucioso. Por isso não os encontro quando os procuro, à noite...
O desenhista Etiene ilustra o locus de observação com perfeitas cópias de vegetação... Que lindeza, meu Deus...
Noutro dia, eu queria comprar uns periquitinhos, para ter melhor de quem cuidar. Meu filho Gabriel assombrou-se e proibiu veemente.Não quer morar em um lugar onde nada esteja preso, ele que ama a natureza e a liberdade dos seres. Aquiesci. Em vão o vendedor me disse que as avezinhas coloridas já nascem em cativeiro e blá-blá-blá...
Uma vez, conheci uma senhora que deveria chamar-se D.Rolinha, tal sua semelhança: baixinha, encantadora, tão rolicinha (tão rolinha!). Peitoral arredondado e farto, que quando ia embarcar, as aeromoças gentilmente as deixavam tomar o avião na frente dos demais. Acreditavam-na grávida e ela, sorridente, aquiescia. Dulcíssima. Mas ai de quem lhe quisesse tomar o território: deu uns tapas na cara da amante do marido, brigou com todos os meninos que brigavam com seus filhos. Virava ave de rapina. Só lhe faltava o tamanho...
Clevane Pessoa de Araújo Lopes