CEMITÉRIO DE CÃES


 

Espera       

  Parado de frente ao mar, pêlo sujo, pensei em me aproximar e acariciá-lo, o mar não se incomodaria. Hesitei, e de longe o observava sem fazer barulho, ali na praia um cachorro meio doente, cansado, um cachorro, mas havia algo além imperceptível. E o ar parecia anunciar, algum presságio. resolvi me aproximar, ´passei a mão por sua cabeça, ele continuou estático, como um daqueles bibelôs de louça, que a gente um dia ganhou em alguma festa de igreja.  

  Parecia tentar descobrir num ponto distante, um rosto conhecido. Certamente deveria pertencer a um pescador, quem sabe até seria o sue único amigo. E de repente o cachorro deitou - se na areia e uivou, um lamento profundo, fiquei ao lado dele, solidário. 

  As horas passavam como um barco partindo sem destino, sem rumo. O comportamento do cachorro me intrigava, e ao mesmo tempo sentia inveja de tamanha lealdade. Já era bem tarde quando o batizei de Adalberto, nome humano para um cachorro quieto, a situação permanecia inalterada, Adalberto continuava petrificado, os pêlos bailavam na brisa.

  Aos poucos o cansaço foi me vencendo e adormeci. Pela manhã os barcos retornavam e Adalberto parado como se procurasse por alguém, parecia perguntar aos pescadores que descarregavam os barcos. Um a um passavam por Adalberto e parecia compreender a sua dor, depois que todos passaram, Adalberto levantou - se e saiu devagar com os pelos molhados pela maresia ou seriam lágrimas.      

     Flávio Machado

————————
Ps: Esse texto foi escrito em 1976, sob a luz de lampião na praia de Itaipuaçu. O desenho é de um amigo (Xuxu - Paulo Roberto) que além de conhecer o cachorro deu- lhe o nome, como foi contado em uma crônica escrita em 2002.

Leilamenu