SOBRE PALAFITAS
É um hospital sobre palafitas. Sempre
sei previamente as pessoas que encontrarei à entrada. Conheço
também cada paciente e suas histórias de vida. Esses em sua
maioria têm feridas nos membros inferiores, porém me falta
tempo para ler os prontuários. Minha permanência sempre é
rápida. Converso com os doentes, faço curativos e dou as
medicações de acordo com as anotações afixadas
em uma papeleta junto ao leito dos mesmos.
Sempre sou recepcionada efusivamente ao chegar.
Os funcionários são afáveis, calmos, diferentes...
Tratam-me como se eu fosse um deles. É uma espécie de Círculo
do Bem.
Nunca tenho tempo para fazer tudo que desejo.
Dessa vez consegui falar com Anne, uma linda menina que foi abandonada
pelos pais no hospital há treze anos, após um episódio
de ferida no membro inferior esquerdo. Curou-se em dois meses, mas ficou
como filha de todos os funcionários. É amada e resplandece
naquele lugar de dores, mas também de muito amor! Ainda tive tempo
de ouvir seu Gabriel interpretar em espanhol poesias de Pablo Neruda. Emocionante!
Ao final das duas poesias foi servido um refresco de acerola em taças,
como se fosse vinho, para fazer de conta que era um brinde à poesia!
Ontem, ao retornar de mais uma visita, vi
que não tinha descascado as maçãs, pêras e papaias
que haviam chegado em grandes caixas, doação de um ex-paciente,
hoje curado. Era para os pacientes da ala “B”, os idosos. Fiquei triste,
pois gostaria de, além de descascado, ter visto a alegria deles
ao saborear as frutas.
Chamam tudo isso, que durante anos me intrigou,
de Sonho Recorrente.
Belvedere