31 de março
 
Não me venham falar de comemoração desta data querida. Esta data é maligna, como malignas foram as intenções, como malignas foram as crueldades, as atrocidades feitas com a desculpa de “Brasil Novo” ou “Brasil, o país do futuro”. O futuro chegou e trouxe, daqueles tempos, apenas a vergonhosa mácula do passado. Há cabeças rolando ainda, sim. Há os desorientados, heróis anônimos, falsas fachadas de delatores anistiados, corruptos a solta pelo planalto, cafajestes em sutis assaltos, tirando o pão da mesa dos miseráveis.

Lembro-me até daquela canção encomendada por alguém de traje verde-oliva: "Este é um país que vai pra frente". Foi sim. Foi pra frente do pelotão, pra frente da televisão, pra frente da delegacia, pra frente da praça, pra frente da vidraça, pra frente da podridão, da dissimulação, e de tanto "ao" chavão, que nem a rima hoje combina. Mutirão, insatisfação, pobretão, e a mais contundente: ignorância.

Não me venham perguntar de qual ignorância eu falo! Primeiro tirem a venda dos olhos, a venda da placa e aluguem-se aos menos óbvios patrões do mercantilismo; aluguem-se às injustiças e tenham objetivos decentes.

"Esse é um país que vai pra frente!" Quem cantava isso mesmo? Nem me lembro o nome dos dois cabeludos metidos a “eu sou o povo”, pendurados de anéis, cheios de dedos, porém, vazios de neurônios tanto quanto de percepção. Será que foram reconhecidos e cumprem pena por tortura? Sim, porque tortura maior do que ouvir essa musiquinha era difícil. Será que teve gente torturada ao som da melodia e da letra tão brasileiras quanto um rock cheirando a marcha militar? Acho até que o que marcava o ritmo era uma banda uniformizada, com bumbos e bundões massacrando o couro dos tambores com suas mãos-martelo.

Sei não se a dupla não virou cantor de música de raiz. Raiz apodrecida de um país que poucos souberam sonhar e por isso mesmo transformaram suas vidas em pesadelo.

Bem, no final das contas, devemos dar Graças a Deus, pois esse negro período da nossa história passou. Espero que a música também tenha sido detida, identificada, presa e devidamente arquivada e condenada nos porões da imoralidade de outrora.

 

Thaty Marcondes
30/03/04