AIDS E CAMISINHA, ENTRE OUTRAS COISAS

Eu estava morando no Maranhão, na década de oitenta, quando começaram a se direcionar esforços para o uso do condom, o preservativo masculino. Era comim os homens maduros dizerem que eles não gostavam daquilo, ou que as esposas detestariam, ficariam desconfiadas... Muitas vezes, ouvi mesmo, no consultório, uma ou outra dizendo detestar a fina camada de látex entre as mucosas dela e do parceiro... Havia a frase célebre: "É como chupar bala com papel"... E, com a intensificação das campanhas pela mídia, mães me ligavam:

— "Meu filho pediu para eu comprar camisinha para ele não ter AIDS, depois de ver a propaganda na televisão... e ele só tem sete anos... Quê digo?"

Quando a mídia começou a apresentar um homem conversando com seu “Bráulio”, mil queixas porque o prenome, embora não tão comum, viraria sinônimo de pênis...

Logo depois,nos anos 90fui convidada para entrar nessa prevenção à AIDS. Já trabalhávamos com adolescentes e mulheres, no Serviço Público (Maranhão, Pará, Minas Gerais, nas capitais onde morei) venci, com a Gráfica Editora Ideal, uma concorrência para a feitura de livros de Educação sexual, destinada a várias faixas etárias. Depois a concorrência foi anulada e pediram um encarte para professores, depois o pergunto o quê: alguém previamente indicado não havia entregado a tempo? O boicote seria contra quem? A Gráfica e Editora Ideal, do Sr. João, por exemplo, já realizava belos trabalhos para o DST/AIDS do Ministério da Saúde. Para fazer a criação artísticas das ilustrações que eu sugeria (sou ilustradora, mas o tempo era curto e eu estava na elaboração dos textos), contrataram, ele e a esposa, a competente Gisela, os vencedores em concurso dos Correios, dos selos comemorativos para o papa e para Airton Senna... As “bonecas”, nome que se dá aos protótipos de uma publicação, estavam mui lindas, fugindo ao comum. Como psicóloga experiente, adaptei cada fala à faixa etária, com desenhos pertinentes também.

A editora pagava avião e eu ia pela manhã, voltava à noite. Passava a noite escrevendo. Pela manhã, ia aos Correios, mandar por FAX, os capítulos.

Uma dia, a Drª Lair Guerra foi conosco almoçar,para comemorar o trabalho. Depois... anularam as edições... Os donos da gráfica, que estavam gastando comigo, com o webdesigner, os artistas ilustradores, a revisora, meu translado, etc, escreveu-me dizendo que cansaram, que iam se afastar. Presentearam-me com as “bonecas”, muito bem feitas, por sinal. E adeus esperança! Nem pagamento, nem nada...

Tempos depois, li numa revista semanal que a coordenadora da DST? AIDS, fora atropelada, estava afastada. Que pressões haviam ali? Por que um trabalho primoroso não teve continuidade, mesmo tendo ganhado tantas concorrências?

No início de novembro, fui a Feira de Santana, pela Organização Internacional do trabalho(OIT), a convite da coordenadora do NNEPPA (Centro de Pesquisas da UEFS), Drª Maria da Conceição de Oliveira Costa, fazer oficinas e outras intervenções. Lá, vi uma coleção de livros que foram editados pela Secetaria da Saúde e pelo Ministério da Educação e do Desporto. No caso, os que vi, eram os “Livro do Professor”, também distribuídos pelas faixas etárias dos alunos. Os manuais destes, não vi. Pelo menos, ainda na década de 90, o trabalho foi enfim realizados, com outros consultores/escritores etc. Coisas misteriosas que acontecem no serviço público brasileiro.

Na verdade, embora os livros e manuais sejam importantíssimos instrumentos para elaborar uma boa prevenção e ela deve, sim, começar na infância, no lar, na escola. Faz-se necessária uma capacitação efetiva. Gasta-se bastante em capacitações-relâmpago, as verbas sendo direcionadas para um momento, que eu chamo de imersão no problema, pois, em geral, conscientização, os grupos em questão (professores, pessoal da cidade, membros de ONG's e OG's, etc) já lidam de uma ou outra forma com as questões das DST/AIDS. Há uma rede invisível e efetiva desses matérias. Às vezes, em rincões longínquos, nos deparamos com materiais artesanais ou im pressos, que os chamados capacitadores vão distribuindo, as pessoas vão obtendo em cursos, congressos, seminários, ...Grassa a xeroteca, meio eficiente de multiplicação, as cópias xerox permitem essa complementação, e aqui não levo em conta, nem como autora, os Direitos Autorais, outra coisa própria dos brasis, já que o preço de livros é tão caro... Desde a universidade, onde, a despeito das leis, há serviços de xerox encampados por professores e direção. O aluno tem direito, nas federais, a “x” capítulos xerocados, o aluno das particulares o faz igualmente. Caríssima, a formação de nossos jovens (mas isso, é outra história)... Como escritora, obviamente, fiquei muito frustrada porque o trabalho cito ficou “no ar”. Os exemplares a que me refiro, do MS e do MED, já em segunda edição, têm tiragem de 9.350 exemplares. O sonho de qualquer autor... Enfim...

No dia Primeiro de Dezembro, que é o Dia Internacional de Combate à AIDS, temos a impressão de que esta é uma entidade e que exércitos marcharão sobre ela. AIDS não é uma entidade, sequer uma doença: trata-se de uma síndrome (conjunto de sintomas e sinais, SS, como a SS nazista!) que aparece no ser humano porque o letal vírus é oportunista. Entra e ataca. Mata.

Entre poder morrer e poder viver, qual a escolha óbvia? Se usar o preservativo é um meio comprovadamente eficaz, embora não 100%, por quê se teimar em não usá-lo? Todos nós, estranhamos coisas novas em nossas vidas. Porém renovar-se para a Vida é muitro importante. Há um tempo de incubação. A pessoa pode sofrer ou fazer sofrer se apenas achar que o companheiro, a copanheira ou ela própria é confiável. Por não ser promíscua. Por ser fiel. E lá atrás, aquele “ficar” num carro, num momento fugaz?

Lidando com adolescentes, sempre procurei passar-lhes essas medidas de segurança, antes somente cogitadas como meio de evitar gravidez indesejada. Agora, é batalhar para ter direito a viver...

Certa feita, eu dava aulas para a comunidade do Barreiro de Cima, onde fica o hospital Júlia Kubtscheck, e falava disso.No meio, uma das mães presentes saiu arrastando a filha. Como a psicóloga, coordenadora do SAISCA (Serviço de Atenção Integral à criança e ao Adolescente), no caso, eu ousava ensinar aos meninos para usar preservativos e assim, incentivar a sexualidade, tão cuidadosamente oculta por mil eufemismos nas famílias? E já era na década de 90... Vi que tinha de trabalhar pais e professores. Fui realizar muitas atividades extra muros do HJK, escolas, igrejas. Um trabalho que deu muitos bons resultados; mas dessa luta, falarei outro dia.

Lutar contra o vírus oportunista, é lutar pela vida. Informe-se e participe, se você quer salvar (literalmente), pessoas. Isso é mais importante.

Mas o trabalhoé de base e contínuo. Não deve ficar apenas com os profissionais de Medicina. Não deve ficar apenas nas centenas de manuais que giram pelo País ou se apertam nas xerotecas, bibliotecas e CDtecas. Capacitar é convencer. Ao longo de um longo tempo...

Pensem nisso...

Clevane Pessoa de Araújo Lopes
Belo Horizonte, 29/11/2004