Amigos, Como essa segunda-feira, 13 de dezembro, é o dia de Santa Luzia, faço uma homenagem à santa enviando um texto produzido no ano passado quando tive a oportunidade de assistir ao espetáculo "Oratório de Santa Luzia", em Mossoró.

Oratório de Santa Luzia: O Teatro Mágico da Virgem de Siracusa

Mossoró, na região Oeste do Rio Grande do Norte, vem se despontando como uma cidade de uma forte tradição cultural devido as grandes realizações teatrais apresentadas ao ar livre, dando aos mossoroenses e turistas uma oportunidade para conhecer as histórias e as manifestações artísticas do seu povo.

A Prefeitura de Mossoró realiza anualmente três grandes espetáculos teatrais: Chuva de Balas no País de Mossoró, que conta a história da derrota de Lampião naquela cidade; o Auto da Liberdade, onde apresenta a abolição da escravatura, quando Mossoró libertou seus escravos antes da Lei Áurea; e o Oratório de Santa Luzia, narrando a história da padroeira dos mossoroenses.

A terceira edição do Oratório de Santa Luzia foi realizada no Adro da Catedral durante dez dias. No último dia 13 de dezembro – dia da padroeira – o espetáculo foi apresentado logo após a procissão e uma missa celebrada pelo padre Américo e pelo Bispo don José Freire.

O Oratório de Santa Luzia é um misto de teatro, música e dança, reunindo um elenco de 56 atores e bailarinos. Um rico figurino veste os atores e no palco são utilizados alguns objetos cênicos como fogo, gelo seco e efeitos especiais para o delírio do público. O destaque do espetáculo é a emocionante atuação da atriz Tony Silva, interpretando a personagem da cega Nicácia, que narra toda a história da peça.

O diretor do Oratório de Santa Luzia, João Marcelino, responsável pela concepção de cenário e encenação do drama, declarou que a grande mensagem que a peça transmite para o povo é a tolerância diante da martirização e do sofrimento vivido por Luzia. A direção musical foi feita pelo maestro Danilo Guanais, que emocionado, depois do espetáculo, disse: “A peça marca a história cultural de Mossoró e entra definitivamente para o calendário da arte mossoroense. E como compositor, é um dos momentos mais bonito na minha carreira.”

Segundo o pároco da Catedral de Santa Luzia, padre José Américo, o Oratório representa um grande instrumento de evangelização e catequese. “Através desse teatro maravilhoso, é reforçada a mensagem de fé em Santa Luzia”, afirmou o padre.

A mesma tese é defendida pela prefeita de Mossoró, Rosalba Ciarline, quando afirma que o Oratório de Santa Luzia é uma forma de fortalecer o sentimento de fé e devoção à Santa, através de uma encenação teatral. “A população tem a oportunidade de conhecer detalhes da vida de Santa Luzia, uma vida de lutas e sofrimentos. E, através de um espetáculo belíssimo com artistas da terra, estamos mostrando talento, fé, arte e religiosidade ao mesmo tempo”, disse a prefeita.

De acordo com o senador José Agripino, presente ao espetáculo, o Oratório de Santa Luzia representa a incorporação da cidade na sua própria história através do teatro. “Uma cidade como Mossoró, que tem O Auto da Liberdade, Chuva de Balas e agora, o Oratório de Santa Luzia, que são peças grandiosas, reconhecidas nacionalmente, é pra encher de orgulho a cidade onde nasci”, afirmou o senador.

Entre a multidão que ocupava a rua e a praça diante da Catedral de Santa Luzia, podiam ser vistos vários turistas e peregrinos vindos de várias partes do Rio Grande do Norte e de outros Estados. O arquiteto cearense Roberto Vieira trouxe a família de Fortaleza para assistir ao espetáculo e passar o final de semana na cidade. “Esse já é o segundo ano consecutivo que venho com minha família para ver o Oratório e participar da procissão”, disse o arquiteto.

O ENREDO

Baseado nos escritos do historiador Geraldo Maia e com texto de abertura do poeta Gilberto Avelino, o Oratório contou a história de Santa Luzia, que viveu no final dos anos 300 da era cristã, na cidade de Siracusa, região da Sicília, Itália.

Luzia era a única herdeira de uma família rica e nobre, que possuía uma fortuna em jóias, muitas terras, grandes castelos e dezenas de escravos. A linda jovem Luzia era estudiosa, sabia ler e escrever em grego e latim e foi educada por sua mãe na fé cristã. Naquela época, o cristianismo ganhava espaço lentamente entre os pagãos e a lei do Imperador Diocleciano proibia a prática dessa religião.

Além de abastarda, Luzia tinha lindos olhos verdes que encantavam os rapazes da região. Sua formosura despertou interesses em um jovem pagão que estava apaixonado por ela. Luzia renuncia ao casamento, faz votos de castidade para dedicar-se a sua religião e distribui todos seus bens com os pobres.

O noivo, rejeitado pela jovem Luzia, usa o decreto imperial que previa a perseguição aos cristãos e por vingança, a denuncia ao prefeito de Siracusa, Pascásio, que ainda ofereceu-lhe a opção de renunciar a Cristo e casar-se com o rapaz pagão. O crime de ser cristão era punido com prisão e, na desobediência repetida do crime, com a morte.

Para livrar-se do amor que seu noivo nutria, Luzia arrancou seus próprios olhos, renunciando a vaidade do corpo. A Virgem de Siracusa negou-se a cultuar os ídolos romanos e foi presa, torturada e condenada à pena de morte.

Foi decapitada no dia 13 de dezembro do ano 304, sendo nessa data seu “nascimento espiritual” – dies natalis – como denomina a Igreja Católica para os santos que nascem para a vida eterna.

O espetáculo do Oratório de Santa Luzia é narrado pela cega Nicácia, interpretada por Toni Silva, que conta toda a vida de Santa Luzia, cuja interpretação foi feita pela jovem atriz Rose Reis. A peça termina com o milagre curando a cegueira de Nicácia e a aparição de Santa Luzia na torre central da Catedral.

A DEVOÇÃO

Uma procissão com milhares de fiéis acompanham a imagem da Santa pelas principais ruas de Mossoró. As demonstrações de fé e devoção à Santa Luzia são manifestadas pelas pessoas que pagam promessa ou simplesmente veneram a Santa.

A dona de casa Elivanda da Silva, moradora do Auto da Conceição, em Mossoró, trazia no braço uma criança de três anos, vestida com um hábito verde, um manto vermelho sobre os ombros e um lenço branco cobrindo a cabeça – características das vestisses de Santa Luzia. “Foi uma graça alcançada. A menina teve um problema na vista e eu me apeguei logo com Santa Luzia”, afirmou Elivanda.

Entre os fiéis, o aposentado Antonio Coringa, 75 anos de idade, acompanhava o cortejo com os pés descalços e disse que sua atitude era fruto de uma promessa feita à Santa Luzia por ter se livrado de uma trombose que o castigou por 3 anos. “Meu olho esquerdo ficou paralisado e fiz uma promessa para Santa Luzia. Hoje, estou bom da doença e vou pagar a promessa até morrer”, disse.

O padre José Américo disse que a fé do povo em Santa Luzia é muito forte e se renova a cada ano. As atitudes do povo, demonstrando devoção à Santa são comuns durante o último dia da novena. “A santa é milagrosa, por isso temos essa multidão de fiéis acompanhando a procissão”, disse o padre depois da celebração de uma missa, em frente a Catedral de Santa Luzia.

A FESTA

Os festejos para as comemorações da padroeira de Mossoró começaram no início de dezembro com a apresentação do Oratório de Santa Luzia, logo após a missa e se estenderam até o dia 13 de dezembro.

Em volta da Catedral, centenas de barracas de camelôs vendiam imagens, terços, folhetos, brincos e outras mercadorias. Depois do espetáculo, uma multidão circulava em busca de divertimento e novidades. Na Estação das Artes, um parque de diversão e alguns bares – que chamavam de “condomínios” – completavam o lado profano da festa.

Entre os fiéis e turistas, circulava o cabeleireiro Jarbas Falcão (falecido este ano), conhecido na sociedade mossoroense por suas performances transformistas. Jarbas chamava atenção vestido com as indumentárias da Virgem de Siracusa e disse que pagava uma promessa, não revelando o teor da graça.

Outro personagem folclórico encontrado foi o engraxate Antônio Tiago Rodrigues, de 19 anos que há 4 anos ilustra sapatos pelas ruas de Mossoró vestido como um executivo – com paletó e gravata. Para engraxar os sapatos, Antônio usa luvas e, os tubos de graxas, escovas e flanelas são retirados de uma pasta tipo 007. “As pessoas valorizam mais o meu trabalho quando estou bem vestido”, disse o engraxate-executivo mossoroense.

Alexandro Gurgel