Quase todas as manhãs eu a via, às vezes descendo o telhado do casarão abandonado, outras indo na estrada que leva ao sítio mais à frente; mas agora está ali, fria, estendida sob um tapete de sangue no asfalto quente... Seu pêlo branco tem um brilho diferente, o sol lhe dá seu último presente e o vento a acaricia com um toque suave fazendo-lhe um último carinho.
Não consigo tirar os olhos dela, seus olhos verdes me fitam como se estivesse me vendo como das outras vezes em que a encontrava. Todos passam por ela, não sentem nada, nem olham. Não consigo conter minhas lágrimas, sinto algo parado em minha garganta. Por que ninguém faz nada?
Ah, já fizeram. Tiraram-lhe a vida... Maldita seja a pressa de todos os carros do mundo!!! Ela estava sempre linda, com a liberdade estampada nos seus olhinhos verdes, parecia a dona da natureza, do vento, do sol, da vida, e agora nunca mais vai brincar com as borboletas na grama, tomar banho de sol, correr atrás do vento, subir o telhado do casarão. E eu, agora? Como vou sobreviver em minhas manhãs sem encontrá-la em meu caminho, como vou sorrir para sua liberdade?
Às vezes, lhe dizia: "cuidado menina, não atravesse a rua! Te cuida! Quero te ver feliz, sempre assim!" Quem passava ficava rindo de mim, me achando louca. Ela nem ligava, se achava a dona do mundo, e era mesmo. Ela tinha todas as manhãs só para ela! E eu não tinha nada, nem a liberdade de minhas manhãs... Então, eu me embriagava em sua alegria, sua liberdade me contagiava, sua agilidade era minha. Acabou. O que faço sem ela? Em que páramo estará brincando com as borboletas? Que sol, que vento, que manhãs terá encontrado?
Ela era minha e eu dela. Em minha imaginação todos
os gatos são meus....