GAIA, A GATA
Somos duas Gaias. Ela e eu. Ela é uma gata. Uma vira-lata legítima, por isso o arzinho sossegado de sabedoria em sua carinha branca, enfeitada com uma franjinha preta, que mata a gente de vontade de carinhar. Ela é Gaia que virou Gainha, porque ela é toda inha mesmo. Diminutiva. Gostosinha, meiguinha, charmosinha, levadinha.
Levei um certo tempo pra me acostumar com outra ao lado dele, enquanto eu fico longe. Mesmo sendo uma quadrúpede, ela já me fez miar de ciúme. Ciúme cruel. Uma vez fiz ele responder: "Nós três num barco e o barco vai afundar, se um não sair. Só você sabe remar. Quem você jogaria na água? A Gainha ou eu?" Ele respondeu que jogava a Gainha, mas falou com o coração tão sufocado, que eu quase pulei do barco e me afoguei no mar.
Depois fui me acostumando. E gostando de ouvir as histórias dela que ele me contava, as manias que ela tem, as brincadeiras dos dois, o jeito que ela gosta de dormir com ele na mesma cama, encostada em suas pernas. Deve ser por isso que ela vive no cio. Perto dele, que nem é um gato. Quer dizer, não come ração.
Gainha é Gaia por minha causa. Uma jura de amor eloqüente, corajosa e irreversível. Porque ela vai viver anos ao lado dele e ele vai chamá-la pelo tempo afora assim. Mesmo se o amor acabar. Meu apelido. Meu nome. Todas as vezes que ele chama a gata. O som do meu nome que ele fala de longe e eu escuto daqui.
Silvana Guimarães