Amarelinha

Não tinha nome nem dono. Simplesmente surgiu no grande terraço da casa de Dona Ernestina. Quem a viu primeiro foi a empregada, que, em seguida, gritou pela patroa:

— D. Ernestina, venha ver o que está aqui?

Ela atendeu curiosa e deu com uma gata amarelada, um tanto magra, um pouctímide com um grande par de olhos cheios de meiguice

— Pobrezinha. Se já não tivéssemos tantos gatos. poderíamos ficar com ela — suspirou com resignação Dona Ernestina.

— Dê-lhe um pouco de comida e deixe que ela volte à rua.

A empregada obedeceu.

No dia seguinte, entretanto, a gata voltou. No outro, também. A ordem era sempre a mesma: comida e rua.

No quarto dia, porém, a bichana relutou em ir embora. Veio se chegando mansamente, toda densgosa pro lado de D. Ernestina, que esta terminou vencida:.

— Pode ficar. A casa é sua. É claro que Amarelinha (assim a batizaram) ficou. E logo fez amizade com os outros gatos da casa, principalmente com Duducho, um bichano esnobe, e com Mãezinha, a mais velha de todos.

Em pouco tempo Amarelinha fazia parte da família. Quando não estava ao pé da dona, ficava rondando à sua procura.

Até que chegou o dia em que o veterinário informou que Amarelinha precisava ser operada. A cirurgia, embora necessária, era arriscada. Depois de alguma indecisão, D. Ernestina decidiu: se era para o bem dela fosse o que Deus quisesse. Com o coração apertado levou Amarelinha até a clínica de animais e ficou aguardando o final da operação.

Terminada a cirurgia, levou Amarelinha de volta pra casa, envolta em curativos e ainda sob o efeito da anestesia.

À noite, durante o jantar, levada por estranho pressentimento, D. Ernestina deixou a refeição de lado e foi ver o animal operado.

E deparou com a gata inerte, sem dar qualquer sinal de vida. As patinhas estavam hirtas e frias. Tomada pelo pânico, ao verificar que sua companheira constante estava morrendo, D. Ernestina passou a chorar convulsivamente.

Neste exato momento, fazendo um grande esforço, Amarelinha volto, vagarosamente e com muita dificuldade, a cabeça em direção à dona. Seu olhar era triste, mas esclarecedor. Amarelinha queria impedir o sofrimento de D. Ernestina e tentava "dizer-lhe" que estava conformada com a morte.

De repente, como se desse novo valor à vida, a gata resolveu lutar pela sobrevivência.

Reunindo as poucas forças que lhe restavam, Amarelinha tentou levantar-se. Seus olhos agora tinham outro bilho.

Anarelinha lutou até a madrugada, tendo sempre ao seu lado o amor e a dedicação de D. Ernestina. O veterinário também apareceu e ajudou na cura. No dia seguinte, a gata já estava fora de perigo.

Hoje, Amarelinha é uma bichana forte, que vive atrás da dona. Da operação não resta mais nada, nem mesmo a cicatriz. D. Ernestina garante que foi um milagre. E, amiga dos animais como ela é, pretende construir uma capelinha no quintal de sua casa, com a imagem de São Roque, em sinal de gratidão.

Nair Lúcia Britto