A poesia infantil enquanto gênero literário dirigido às crianças surge no Brasil apenas no final do século XIX. Antes, o que existe são poemas manuscritos, de circulação familiar, feitos de pai ou mãe para os filhos, ou escritos em álbuns de meninas e moças e, eventualmente, incluídos posteriormente nos livros de seus autores junto a outros poemas não escritos para o leitor infantil.Resumo: um panorama histórico da poesia infantil no Brasil, desde os primeiros poemas escritos pelos pais para os filhos, no séc. XVIII, até a produção contemporânea. São destacados aspectos relativos à circulação (familiar e escolar) e aos paradigmas de poesia infantil (paradigma moral e cívico, paradigma estético, paradigma lúdico).
Vinicius de Moraes foi diplomata, dramaturgo, crítico de cinema e letrista, conhecido por suas parcerias com Tom Jobim, a mais famosa das quais, “Garota de Ipanema”. Desde 1960 seus poemas infantis circulam em antologias, mas só em 1970 eles são reunidos no livro A arca de Noé, provavelmente o mais conhecido livro de poesia infantil, no Brasil, na segunda metade deste século. Sua merecida popularidade decorre do jogo sonoro, da perspectiva infantil assumida pela voz poética, do humor, do aproveitamento de recursos típicos da poesia popular como a quadra, a redondilha e a rima nos versos pares, além da temática animal, um dos temas de maior empatia junto às crianças. Além desses motivos, internos aos próprios poemas, outra razão para sua popularidade é o fato de os poemas terem sido musicados por importantes compositores brasileiros – Tom Jobim entre eles – e gravados em dois discos lançados em 1982.Ou Isto Ou AquiloOu se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
E vivo escolhendo o dia inteiro!Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Na produção dos últimos 15 anos, representada por autores como Sérgio Capparelli (n. 1947) e José Paulo Paes (1926-1998), há uma nítida preferência pelo humor, configurando o que poderia ser chamado paradigma lúdico. Esse paradigma lúdico enfatiza o ludismo sonoro e o humor, podendo ser sintetizado pelos versos “Poesia/é brincar com palavras”, de José Paulo Paes, ou pela afirmação de Maria da Glória Bordini de que “poesia é brinquedo de criança”, título do primeiro capítulo do seu livro Poesia infantil.A CasaEra uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque na casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero.
Segredo
A poesia infantil européia existe enquanto gênero literário pelo menos desde meados do século XIX, por exemplo, desde A book of nonsense, de Edward Lear (1812-1888), publicado em 1845, ou mesmo antes, se pensarmos em Songs of innocence, de William Blake (1757-1827), publicado em 1789. A poesia infantil brasileira, ao contrário, manteve-se dependente da escola durante quase um século. Somente nos anos 40 é que surge um livro não comprometido com a circulação escolar e somente nos anos 60 é que a poesia infantil se liberta completamente dos compromissos escolares. A palavra completamente talvez seja um pouco exagerada12, já que, ainda hoje, a escola é a grande responsável pela circulação da literatura infantil e, no contexto brasileiro, a mediação familiar ainda é pouco significativa. Esse fato, sem dúvida, traz várias condicionantes à literatura, como, por exemplo, a confusão da literatura propriamente dita com obras que se utilizam da ficção e da poesia com finalidade educativa, seja de caráter informativo, seja para divulgar comportamentos e valores.Os carros atropelam minha bola.
A empregada reclama do encerado.
Mamãe esconde sempre meus esqueites,
pois se eu caio
dou despesa e atrapalho.
Os adultos
– cá pra nós –
só dão trabalho.
Notas
1. Palestra apresentada no LAIS – Instituto Latino-americano
–, da Universidade de Estocolmo, e no Instituto Sueco do Livro Infantil
(neste último, em inglês), Estocolmo, Suécia, em outubro
de 1999, junto com Ricardo Azevedo, que falou sobre “Literatura infantil
brasileira hoje: alguns aspectos e problemas”.
2. Escritor e ilustrador de livros infantis, nascido
em São Paulo, Brasil, em 1954. Desenvolve pesquisas sobre a poesia
infantil no Brasil, tendo defendido dissertação de mestrado
junto à Unicamp – Universidade de Campinas –, Campinas, Brasil,
em 1998, com o título “Poesia infantil e ilustração:
estudo sobre ‘Ou isto ou aquilo’ de Cecília Meireles”, além
de ter publicado diversos artigos.