AUTÓGRAFOS - UMA ARTE MUITO PESSOAL...

Divulgada em "Croqui 19" (cronicas quinzenais no site Proa da Palavra)

Conheci-o em uma grande noite de autógrafos, para o lançamento da coletânea organizada por Walmyr Ayala e César de Araújo: "Abertura poética — novos poetas do Rio de Janeiro", em 1975 (minha primeira antologia). Como éramos muitos, quem adquiria o livro não passava só por um, mas pela imensa mesa de autores. O comprador folheava o livro e pedia o autógrafo dos poetas que mais lhe agradassem. De repente, ele chega na minha frente e pede meu autógrafo. Sempre achei que dedicatória não podia ser formal: "com um abraço de", ou repetida, a mesma para todos; há que exercer a criatividade também através delas. Aliás, um dos maiores "autografadores" era Herbert Daniel, sempre pondo a palavra certa para a pessoa certa, improvisando maravilhas. Como eu não conhecia quem estava diante de mim, perguntei seu nome. E ele me disse, em tom baixo: — Geir Campos. Ainda sem saber se acreditava mesmo, levantei os olhos e a voz e quis saber: — O grande poeta?

Vi-o corar, juro, até porque meus colegas da mesa o olharam também. Ele respondeu, com a modéstia que lhe caracterizava: — "Só poeta"... Não me contive. Entusiasmada, declarei-me: "Geir, eu adoro você..." E me lembro, que na dedicatória coloquei: da sua leitora e fã, Leila. Quando lhe devolvi o livro disse: — "Não são palavras vazias, gosto de muitos poetas, mas admiração mesmo eu tenho por poucos". Ele sorriu, balbuciou um "também sou assim", me deu um beijo na testa e saiu rápido de perto. Minha noite estava ganha.

A partir daí, começamos a ter uma amizade sólida, mesmo à distância. Pouco nos vimos, mas nas vezes em que nos falamos por telefone ou por carta, ou mesmo em algum encontro, havia entre nós uma sintonia muito grande. Eu sempre o consultava para minhas antologias, porque Geir estava sempre em contato com estilos novos e pouco tradicionais. Em 1978, foi ele quem me apresentou a outra grande poeta, Eunice Arruda, para mim uma das maiores haicaistas brasileiras atuais. Ele me disse que não sabia se ela ia se enquadrar na proposta do meu livro "Mulheres da Vida", mas que, de qualquer modo, era interessante que eu conhecesse o trabalho dela. Eunice participou da obra, lógico, porque a poesia dela, parecendo doce e suave, era tão contestadora quanto a de todas as outras integrantes.

Geir esteve sempre por perto e acompanhou minha trajetória com vivo interesse. Atavés dele, participei de um projeto de poesia no Centro Calouste Gulbenkian, e, mesmo quando o poeta não podia estar presente em algum dos meus lançamentos, sempre se fazia representar por cartões.

Só há pouco soube que ele tinha morrido, com quatro meses de atraso, numa semana cheia de tristezas, como a antecipar mais esta. A princípio não quis acreditar, mas a notícia me foi infelizmente confirmada. Meu coração soluçou. Ele morreu discretamente, como viveu, sem nunca ter feito estardalhaços sobre seus trabalhos literários ou self marketing; nem por isto, porém, sua presença deixou de ser marcante: Geir Campos deixa uma obra pessoal das mais instigantes (inclusive através de suas magníficas traduções) e, profundo conhecedor de poesia, nos lega o seu "Pequeno Dicionário de Rimas", compartilhando com todos o amor pelo fazer poético. No meu exemplar, encontro seu autógrafo, contendo uma sutil referência ao que lhe escrevi no nosso primeiro encontro: "Para Leila Miccolis, com o abraço do Geir, que é seu leitor e seu fã". O que eu fizera publicamente, ele me retribuía em particular, através de uma dedicatória tímida, delicada e amiga, exatamente como eu o sentia.