Steven F. Butterman, Ph.D.
Comunicação p/ AATSP Annual Meeting
Rio de Janeiro, Brasil
Sexta-feira, dia 2 de agosto (11.45 - 1)
VÔOS CIBERNÉTICOS E TRANSGRESSÕES TRANSGREDIDAS
EM COLIBRI DEFLORA OS CHATS: SEXO, AMIZADE, E AMOR PELA INTERNET
(1997)
Se vocês me permitirem, gostaria de abrir minha comunicação
hoje com uma citação que, ao meu ver, destaca a estética
poética do cibernético e, ao mesmo tempo, nos provoca
a pensar em como teríamos reagido se Caetano Veloso tivesse
cantado "Navegar é preciso" nesta altura da Internet
oferecendo-nos tantas realidades simultaneamente virtuais. A passagem
foi construída por um arquiteto norte-americano chamado Marcos
Novak, ao apresentar uma comunicação no ano de 1990
(é-no outro milênio) durante O Primeiro Congresso Internacional
de Ciberespaço na University of Texas at Austin. Não
me atrevo a traduzir o verso para o português, pois prefiro
que Caetano ou outro MPBista faça bem melhor o mesmo dever
com a sua arte musical. É o seguinte:
"Cyberspace is poetry inhabited, and to navigate through it
is
to become a leaf on the wind of a dream."
Quem nos disse que a estética pós-modernista não
nos permite um grau de romantismo, hein?
Mas eu não estou aqui para poetar nem para surfar. Gostaria
de curtir um vôo junto com vocês, uma peregrinação
cibernética que nos leva a uma determinada sala de bate-papo
(ou seja, chat room) nalgum território brasileiríssimo
que paradoxalmente ocupa simultaneamente o ciberespaço universal
e desterritorializado. Gostaria de problematizar noçðes
de ficção durante esta viagem, da perspectiva pós-moderna,
indagando como esse texto consegue ultrapassar os limites da transgressão
já inscritos dentro dos parâmetros da teoria pós-modernista.
Talvez a primeira transgressão deste texto que pretendo analisar
hoje seja a impossibilidade da sua classificação genérica.
Colibri deflora os chats: Sexo, amizade e amor pela Internet, escrito
por Urhacy Faustino em 1997, resiste até a narratividade.
Mas antes da nossa decolagem coletiva, vamos esperar só um
minutinho para olhar as possíveis saídas do avião
em caso de emergência e para contemplarmos o valor de participar
desta viagem no primeiro lugar (e, espero, na primeira classe).
Vale a pena acompanhar a viagem, especialmente no hi-tech "hiper-texto"
da atualidade, os incessantes e inesperados choquinhos e buraquinhos
eletrônicos provocando ansiedade e nojo no meio do caminho?
Acredito que para entendermos melhor o pensamento pós-modernista
feito ainda mais complicado em tempos cibernéticos, é
preciso navegar, sim. Como afirma Marie-Laure Ryan na Introdução
de Cyberspace Textuality: Computer Technology and Literary Theory,
uma coletânea importantíssima de ensaios e artigos
publicado em 1999 pela Indiana University Press: "In postmodernism,
the ideal of the total work gives way to the idea of universal intertextuality:
every individual text is linked to countless other ones, and the
whole is reflected in every [one] of its parts . . . In the electronic
age, thanks to the hyperlink, the text literally becomes a matrix
of many texts and a self-renewing entity" (14).
O texto que vou comentar com vocês tem muitos outros traços
pós-modernistas, inclusive uma celebração lúdica-na
verdade, quase que carnavalesca-e uma certa autorreferencialidade
irreverente que quer testar os limites da sua própria transgressão.
Como diz Robert Wilson no seu artigo fundamental, "Play, Transgression,
and Carnival," a vontade de quebrar regras constitui parte
fundamental do universo da transgressão na literatura pós-modernista.
Wilson até define o uso de transgressão como uma espécie
de rito de passagem entre o moderno e o pós-moderno, destacando
que no universo do pós-moderno, "All language may be
said to transgress itself: it always subverts, through its inherent
abstractness and arbitrariness, the conventions of its speaking,
or its writing, even if that is not readily perceived."
Em Colibri deflora os chats, percebe-se muito bem este processo,
colocando em prática exatamente o que Wilson destaca na teoria:
uma qualidade mansamente brincalhona, uma postura lúdica
quanto ao leitor e ao texto em si. Na verdade, uma entrada no infinito
espaço de ciberespaço possibilita muitos jogos lúdicos
de um processo que gostaria de chamar de "brincadeira produtiva."
É muito bom lembrar o conceito que Marie-Laure Ryan destacou
no seu texto referido um pouco antes: "If we live in a 'virtual
condition,' it is not because we are condemned to the fake, but
because we have learned to live, work, and play (AND PLAY) with
the fluid, the open, the potential" (94). A força libertadora
da transgressão pós-moderna (como quer Wilson) parece
encontrar seu valor mais profundo justamente dentro deste universo
repleto de infinitas possibilidades virtuais. Ryan expressa esta
abertura para a liberdade sucintamente quando escreve: "The
attitude promoted by the electronic reading machine is no longer
'what should I do with texts' but 'What can I do with them"
(99).
Colibri deflora os chats serve como um manual de possibilidades.
Urhacy Faustino, artista, poeta, e "internauta" paulista,
publicou este texto em 1997, apresentando ao leitor três personagens
principais (ou seja, "screen names") da sua invenção:
colibri; hhhh; e virgem. O principal objetivo para esta galeria
de personagens é navegar a rede, voando, de madrugadinha,
desde uma sala de chat para outra, em busca de compatibilidade cibernética,
de cibersexo ou às vezes apenas uma boa dose de "redamizade."
Ao longo dessas viagens eletrônicas, estas personagens também
procuram entender (ou pelo menos exibir) as complexidades do instinto
sexual humano e a construção de identidades cibernéticas
em fluxo, revelando e descobrindo múltiplas subjetividades
através de assumir uma variedade de máscaras carnavalescas,
desfilando-se numa parada de "screen names" e "nicknames."
Colibri deflora os chats leva o leitor a novos limites dentro do
universo infinitamente aberto de transgressão. O texto nem
deixa a gente contemplar com aquela velha perspectiva cética
do pós-modernismo, querendo saber o que acontece quando a
própria transgressão acaba se transgredindo, ou seja,
is anything REALLY transgressive anymore? Vários teóricos
da "e-culture," se me permitirem a expressão, já
afirmaram que quando as palavras pulam da página para a tela,
o processo de leitura vira mais flexível e interativo. O
leitor, com este grande poder de modificar, de manipular, de sujar
o texto, literalmente converte-se em seu autor. Existe também
um paralelismo instrínseco entre as salas de chat e a ficção,
pois todo mundo faz "scripts", inventando identidades,
mascarando-se no palco. Um menino de 14 anos, por exemplo, pode
se metamorfosear (ou seja, a pergunta frequentemente feita, "M
or F", morf) virtualmente em mulher de 21 anos.
Tudo bem . . . mas o que acontece-o que podemos dizer-quando as
palavras flutuando na tela voltam para a página escrita,
ironicamente fixando o "hipertexto" dentro de um posicionamento
tradicionalmente rígido e permanente, ou seja, transgredindo
o estado, digamos, "natural", da sua aparente liberdade
e re-inserindo-se dentro da prisão da página escrita?
É como se fossem palavras vivas, em construção
contínua, transformadas em palavras mortas, estagnadas
Pensem na relativa liberdade do Carnaval antes do re-estabelecimento
da "ordem" hierárquica depois daqueles dias dionisíacos
de festa e de folia . . . Quais as implicações estéticas
e as conseqüências formalistas evidentes na transposição
de uma dança eletrônica de palavras encontrando-se
limitadas novamente às páginas permanentemente marcadas
de um livro, palavras transformadas em produto pronto para ser consumido?
E o que nos indica este fetichismo de construir um transcrito, de
tirar uma foto de palavras eletrônicas em movimento para que
o dinamismo vivo delas se converta em apenas memória (em
apenas aquela "folha no vento de um sonho")?
Acho que encontraremos algumas destas respostas ao referir-nos ao
texto em si. Colibri. . . lê-se como uma série de dez
sessões de chat cujo principal fio organizador é as
"viagens" dos personagens destacados. Como se classifica
tal texto? A sua clara divisão em capítulos, o progressivo
desenvolvimento dos personagens, e a consistência da temática
gera uma certa continuidade que nos faz pensar no gênero romanesco,
apesar dos enredos e situações pouco convencionais.
Esta aparente continuidade estabelece-se também no final
de cada capítulo, embora de uma maneira brusca e irônica,
com as palavras "Transferência Interrompida." Cada
sessão de chat termina de repente, sem resolução
nem despedida. No entanto, o texto, uma coletânea de conversas
que gostaria de chamar de "dial - log -ins," usa e abusa
os meios eletrônicos da comunicação de uma maneira
tão informal e espontânea que parecem imitar a convenção
do diálogo que se encontra no teatro, tendo muito a ver com
a arte da improvisação. O livro, pois, pode ser lido
e apreciado também como peça de teatro. Mas existem
várias outras (infinitas, eu diria) tipos de leituras: talvez
o texto seja um estudo sociológico ou até antropológico
de como os "internautas" se encontram, se perdem, e se
desdobram nas salas de chat. Ou talvez a narração
sirva para apresentar uma nova língua do novo milênio,
empregando um hiper-texto experimental baseado nas convenções
da "redês" (ou seja, a linguagem da Internet), inclusive
a falta de acentuação, a falta de letra maiúscula,
a falta de pontuação, tipo negrita para expressar
desabafos emocionais, descuido com a ortografia correta, e outras
feições do tipo? Será que o emprego deste novo
"jargão" chega a criticar uma linguagem particular
neologistica e ceticamente identificada no texto como "CHATura"?
Tem mais possibilidades, mais potencialidades, mas como o tempo
da nossa sessão se mede em "real time," vou apenas
destacar mais três modos de possível interpretação.
Colibri
tem o valor cinemático e performativo de uma
tele-novela, embora não atinja a alta qualidade que esperamos
da novela brasileira. Por outro lado, o leitor crítico até
pode perceber o texto como se fosse um manual de instrução
pseudo-didático, ditando comportamentos responsáveis
enquanto se visita as salas de chat. No lugar do convencional Prefácio
ou Nota do Autor, o leitor encontra uma listinha meio séria
consistindo de dez ítens, oferecendo as "Dicas para
um bom relacionamento sexual, amigável ou amoroso, pela rede."
Mais interessante ainda é o fato que este texto de certa
maneira atualiza a fantasia pós-moderna (e portanto o pesadelo
do crítico literário) de misturar e confundir quaisquer
diferenças entre autor, personagem, ator, e espectador.
Apesar da enorme versatilidade de possíveis classificações,
gostaria de oferecer, nos poucos minutos que me restam, uma leitura
"sacanagística" deste texto, se me permitirem uma
transformação neologística do substantivo "sacanagem"
para seu equivalente e inexistente adjetivo. Em Colibri deflora
os chats
, predomina a imagética de pássaros
e de vôo. A protagonista colibri se caracteriza como carioca
de 17 anos em estado de "quase virgem." Só depois
de chegarmos ao quinto capítulo é quando entendemos
o significado do "screen name" que ela adotou. Durante
uma das suas ciber- conversas, ela tecla: "colibri e um passaro
tropical que vive de nectar e por isso tambem e conhecido como beija-flor.
Uma delicadeza que so a natureza poderia criar (91)." Interessante
notar aqui, de passagem, o contraste estabelecido entre a natureza
e a tecnologia. Durante Capítulo 1, "O primeiro vôo,"
colibri sustenta um violento ataque eletrônico feito por um
chatter (digamos "chateiro"?) chamado de "Bob."
Este "Bob" insiste para colibri revelar se é homem
ou mulher para que ele possa seguir com suas fantasias sexuais.
Depois de ignorar pela terceira vez a pergunta do persistente Bob,
aliás, ironicamente querendo estabelecer certezas definitivas
apesar do caráter totalmente fictício do chat, colibri
responde finalmente, em texto do tipo negrito (ou seja, gritado):
"
respondendo a tua pergunta: depende da tua fantasia.
A principio colibri é colibri" (17). Depois deste assalto
sobre uma identidade enigmática que ela queria manter escondida,
colibri se recupera e relata o incidente a outro chatter, que acaba
defendendo colibri e atacando o Bob, desta vez com letras negritas
E simultaneamente maiúsculas. Colibri agradece o apoio e
dá-se conta que seus vôos cibernéticos podem
ser até perigosos, pois outra raça de pássaro
bem mais agressiva também ocupa as mesmas ondas de ciberespaço:
"cara, voce nem me conhece e me defendeu. Vou seguir o teu
conselho: cuidarei do meu voo e evitarei os urubus" (17). Aprendendo
aos poucos as regras do jogo, por assim dizer, a nossa colibri vira
cada vez menos "virgem" e mais "esperta".
Os urubus que abundam não são os únicos malandros
do texto com vontade de cometer sacanagem no seu sentido negativizado.
Na verdade, o pior vilão em todo o território do ciberespaço
é, sem dúvida, o "hacker." Este personagem
aparece ao longo do capítulo chamado de "Sexo virtual
ménage," procurando assumir e representar a identidade
de outros "screen names" com a cruel meta de estragar
novas amizades cibernéticas em formação! And
he or she would have won, too, if it had not been for colibri, de
certa maneira nossa heroína! Quando ela se dá conta
do "e-sacana," começa a avisar para todos os outros
participantes da sala de chat que todos estão sendo enganados
por um voyeur possuindo as identidades (ou seja, os screen names)
de outros chatters na sala. Grita: "GENTE, TODAS AS MENSAGENS
QUE NAO TEM NICK ANTES DOS DOIS PONTOS SAO FALSAS . . . ATENCAO!!!"
(102). Interessante notar a insistência em realidades solidificadas,
dado que o meio da comunicação é virtualmente
impossível. O / A "hacker" consegue mascarar-se
usando e abusando a identidade de outros personagens na sala, temporariamente
provocando interações hostis entre os "internautas."
Este aspecto meio carnavalesco do vôo constitui apenas uma
entre várias expressões metafóricas de adotar,
assumir e desempenhar identidades performativas pós-modernistas.
Na verdade, o leitor crítico não consegue fugir do
seu próprio estado de vítima, pois os diálogos
ao longo do texto são cheios de enganos e desilusões-enfim,
sacanagem por excelência. Reconheça quanto reconhecer
os traços, as características dos personagens no texto,
o leitor cuidadoso permanece na dúvida. Por exemplo, o primeiro
"screen name" a revelar seu "nome verdadeiro"
(se nele acreditarmos), faz isso-e com muita cautela e resistência-somente
durante o sexto capítulo. Personagem secundário MATT
DILON perde sua grandeza a se transformar em "just" Leonardo,
encorajado a revelar seu nome verdadeiro enquanto bate o papo com
"virgem," com quem percebe uma crescente intimidade "internauta."
O suposto desmacaramento do Leonardo provoca outro "coming
out," desta vez bem mais pessoal: virgem se desmacara e transforma-se
em Fabrizio, identificando-se como homem gay que supostamente nunca
vivenciou uma experiência sexual com outro homem. O primeiro
personagem a fornecer informações "reais,"
ou seja não-virtuais, faz isso somente ao final do nono capítulo,
quando virgem / Fabrizio lhe dá seu telefone e endereço
residencial para matt dilon / Leonardo. O capítulo nove chama-se
"Adeus, virgem," refletindo muito bem a decisão
deste personagem de abandonar a segurança conseguida pelo
nome "virtual" e virar dono do seu nome "real."
Nesta altura do diálogo, Leonardo e Fabrizio combinam um
encontro "real," ou seja físico, mas esta reunião
não se desenvolve no texto. E com boa razão: a realidade
não-virtual não entra nas suas páginas.
Colibri, por outro lado, cultiva sua identidade cibernética
de tal maneira que, ao proclamar seu afeto pelo Eros, ela insiste,
quebrando o coração cibernético dele: "so
posso ser tua pela Internet" (21). A quentemente debatida questão
da monogamia se encontra relevante também na esfera dos encontros
virtuais, pois Eros acusa colibri de infidelidade simplesmente porque
ela resolveu estabelecer e manter relações cibersexuais
com outros chatters que freqüentam a sala. Interessantemente,
colibri equivale sexo virtual com virtude em si, destacando em determinado
momento que "nosso namoro e virtual, virtuoso." Na verdade,
a virgindade e a virtualidade são repetidamente justapostas
ao longo do texto. Com a crescente subordinação de
noções físicas da realidade baixo a superioridade
da realidade virtual, acontecem alguns momentos marcantes e deliciosamente
engraçados, como quando um hhhh sexualmente frustradinho
grita para ZOOFILA: "nao estou sentindo sua chupada. Voce esta
me chupando ou nao??????
" (110). Durante vários
encontros estabelecidos pela sala de chat, um personagem recebe
por acaso (ou talvez interceda propositalmente) uma mensagem direcionada
a outro chatter, revelando portanto um entre vários perigos
de tais vôos.
Mas ali não pára a sacanagem do texto, não.
Ao longo do livro, o gênero (no sentido de "gender")
muitas vezes resulta ser ambíguo, alguns personagens assumem
simultaneamente múltiplos "screen names" e outros
entram em duas salas de chat ao mesmo tempo, sob a máscara
de diversas identidades. Interessante notar aqui que a tensão
dramática implícita entre apenas dois personagens
da sala, contrastada com ricas interações e jogos
de sedução entre a inteira comunidade "chateira"
talvez sirva como metáfora descrevendo como é tão
diferente nosso comportamento social durante situações
grupais comparado com ambientes ocupados por apenas duas pessoas.
A heteroglossia bakhtiniana exemplificada em diálogos com
vinte ou mais "screen names" conversando (pois é,
teclando) ao mesmo tempo durante qualquer momento determinado da
narração pode enjoar, desorientar, e confundir até
o leitor mais perspicaz. Talvez interpretemos essa técnica
como sendo uma reconfiguração pós-modernista
da problemática de pseudonímia, ou em alguns casos,
da heteronímia. Os personagens, na verdade, procuram cumprir
o futil sonho modernista de Fernando Pessoa quando se desdobrou
em Álvaro de Campos, ao tentar atingir um estado utópico
da existência possibilitando o "Ser tudo de todas as
maneiras." Talvez este sonho se transforme em realidade virtual,
alcançada por produtivos vôos feitos no ciber-espaço
. . .
Para terminar este nosso vôo juntos, gostaria de apontar para
minha própria experiência desconcertante na hora de
ler esse texto. Para realmente compreender o desenvolvimento psicológico
dos relacionamentos afetivos entre os vários "screen
names," tive que ignorar o "barulho" da conversa
fiada de outros personagens secundários, interagindo de maneira
tão superficial, me distraindo dos diálogos mais intimistas
estabelecidos nas comunicações interativas da colibri,
hhhh, e virgem. Neste processo frenético de tentar privilegiar
a voz de poucos num universo completamente polifônico, tive
a vaga sensação de ter me transformado em voyeur,
patetica e urgentemente querendo saber das conversas cibersexualizadas
trocadas de madrugada-encontros imaginários, sim, mas virtualmente
possíveis
.
É, é verdade--eu, como crítico literário,
me converti no "hacker" mais violento do texto. Depois
de chegar meio que abruptamente no "Fim da conexão,"
ou seja, no finalzinho do texto, me pergunto se minha navegação
foi feita em vão, se realmente valeu a pena? Respondo que
navegar foi preciso, sim. Mas confesso uma pequena sacanagem da
minha própria invenção: curti, afinal de contas,
uma viagem de barco e não de avião. Foi preciso navegar
num navio carnavalesco para testar os limites da linguagem, passando
das páginas impressas de um livro, viajando até as
palavras dinâmicas produzidas pela tela do computador, e voltando
novamente-fim do Carnaval-para as páginas consagradas do
livro. Durante a viagem, senti a nítida sensação
de estar afogando, sim, mas sobrevivi. Enfim, escorreguei e mergulhei
no imaginário cibernético da sala de bate-papo com
este romance.
Para encerrar esta minha comunicação sobre a virtualidade,
gostaria de reiterar principalmente sua ligação com
a ficção, e portanto, o tema do nosso painel de hoje.
Para fazer isto da maneira mais eficiente, cito apenas duas sentenças
escritas por Miriam Alves no seu artigo, "Lésbica Virtual--Configurações
de uma Cibercultura": "O olhar virtual captura o outro
naquilo que deseja ser capturado e da forma que deseja ser capturado
e capturar. Pode-se ser o que quiser: idade, sexo, profissão,
aspecto físico, história pessoal; em outras palavras,
escolhe-se um aspecto da própria vida ou inventa-se um, como
quem cria uma personagem. Criando-se um enredo, faz-se o que se
quiser, estabelece-se uma inter-relação com o outro,
numa interface" (67).
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