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SEMINÁRIO DE JORNALISMO E LITERATURA
DE  9 A 29 DE OUTUBRO DE 2003 NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

     
3º dia
23 de outubro, quinta-feira, das 18h às 20h
    - Abertura: Moderador
    - Palestrantes do dia:
      Acadêmicos: Lêdo Ivo e Ivan Junqueira
      Jornalista: José Nêumanne (Jornal da Tarde)
    - Considerações sobre as Palestras:
      Comentaristas: Acadêmico Antonio Olinto
      Acadêmico Evanildo Bechara
    - Espaço aberto para perguntas do público aos Palestrantes.
    - Moderador: Mauro Salles


LÊDO IVO

O palestrante transcorreu acerca de sua experiência pessoal, desde que começou aos dezesseis anos nor jornais de Alagoas, mais precisamente nos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Era um jornalista de banca, ou seja trabalhava diariamente cinco a seis horas no jornal, em um tempo que  jornalista nem sabia digitar, escrevia em resmas de papel do próprio jornal, e as matérias eram impressas uma parte em linotipos, outra em caixilhos de jornal. Muito diferente, pois, o jornalismo provinciano, há sessenta anos atrás da realidade digital de hoje. Em geral os jornalistas escreviam à mão. Lins do Rego, por exemplo, tinha uma letra horrenda e só um único linotipista conseguia imprimir o que ele escrevia, porque decifrava a caligrafia dele.

Paralelamente a este jornalismo, o palestrando percebeu que também ambicionava ser escritor, o que lhe fazia um homem de duas linguagens: a informativa e a da imaginação. Em 1943 veio para o Rio de Janeiro, quando havia edições matutinas e vespertinas. Citou, entre os inúmeros periódicos dos anos 50 o Correio da Manhã (mais elitizado), o Diário de Notícias (mais militarista), O Jornal (de Chateaubriand), Jornal do Comércio, A Manhã (jornal do poeta Cassiano Ricardo, pertencia ao Estado, à União, em defesa e doutrinação do ideário do Estado Novo, da ditadura Vargas); o Diário Carioca (fundado por José Eduardo de Macedo Soares), O Radical (de Jeremias José de Almeida), Luta Democrática (mais voltado para a população mais carente, inclusive da Baixada Fluminense), que trazia manchetes surpreendentes, que emocionavam a cidade inteira. Exemplos: Operário chegou, não tinha comida em casa, brigou com a mãe, acabou matando-a. Manchete do dia seguinte: "Matou a mãe sem motivo justo"; Outra: um homem resolveu visitar a família no interior, a mulher disse que não podia ir porque estava com muita dor de dente, ele foi sozinho, mas, enfrentando congestionamento muito grande perdeu o ônibus e voltou para casa. Voltou, a mulher continuava gemendo: estava com outro na cama. Manchete: "O gemido era imoral". Outra: Mulher que pegou marido com outra na cama, decepou-lhe a genitália. Manchete: "Cortou o Mal pela raiz". Moça que comeu um cachorro-quente e passou mal: "Cachorro faz mal à moça". Um grupo violentou um porco. Manchete: "Estupraram um suíno".
Havia também muitas revistas: O Cruzeiro (a "Veja" daquela época, A Cigarra, O Detetive, Vamos Ler, A Noite Ilustrada (de fotos), Gazeta Carioca (de R. Magalhães Júnior). O conferencista relembra que esta revista tinha um concurso de contos ganhos por ele e por Lispector, e que, com isso, Magalhães Júnior gostava de dizer que era padrinho literário dos dois. Havia ainda Revista Semanal, Fonfon e A careta. Todas, como as pessoas e as próprias civilizações: nasceram, viveram e desapareceram.
"A Manhã", de Cassiano Ricardo foi o primeiro jornal brasileiro a colocar notícias nacionais na primeira página; antes dele, o Correio da Manhã e todos os demais jornais colocavam apenas notícias internacionais, como se não houvesse interesse do leitor pelo que ocorria em nosso país. Foi um jornal muito importante, porque dele participaram muitos intelectuais, como: Gilberto Freire, Cecília Meirelles, Afonso Arinos, Vinícius de Moraes (que era comentarista de cinema), Manuel Bandeira, Murilo Mendes, entre outros.  Em 1944, Lêdo Ivo, a convite de Álvaro Lins, passa a escrever crônicas dominicais, no Correio da Manhã.
A partir de 1950, três acontecimentos fundamentais acorrem para mudar e modernizar a imprensa brasileira: 1) o surgimento da Revista Manchete (tão querida de Niskier) que concorreu com o Cruzeiro, acabando por sucedê-lo, e tendo no jornalismo imensa influência, até recentemente, quando acabou. Seu fundador foi Adolfo Bloch, russo, de família de tipógrafos, portanto grande conhecedor de impressão. 2) A Fundação da Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, inaugurando um jornalismo mais político. 3) E por fim, a Última Hora, de Samuel Weisner, para apoiar Getúlio Vargas. Destes, apenas a Tribuna da Imprensa sobreviveu.
Também grande mudança ocorreu na linguagem jornalística; no tempo de Lêdo Ivo, havia o nariz de cera, que era um comentário inicial, que introduzia a notícia, cuja informação só era passada depois deste primeiro parágrafo. Após a 2ª Guerra Mundial, a influência francesa foi substituída pelos americanos, surgiu a primeira faculdade, e uma grande quantidade de diplomados e entraram para as redações, crus, sem nunca terem pisado nelas. Os manuais americanos, adotados pelas universidades, falavam do lead, ou seja: dar o mais importante da notícia na primeira linha e o sublead, a complementação da informação na segunda.
Já para os anos de 50/60 houve no jornal a introdução da figura do copydesc, uma vez que o ensino no Brasil já estava bem mais fraco: o copydesc era a pessoa encarregada de copiar, corrigir e até introduzir as matérias. Começou com Graciliano Ramos, no Correio da Manhã.
No que tange à linguagem jornalística esta é a mais precária e a mais constrangedora nos dias de hoje. Antigamente o ensino da gramática e a educação humanista rigorosas faziam com que as pessoas soubessem escrever. Hoje, vê-se jornalistas, inclusive renomados, escrevendo: "O Presidente José Sarney não dispôs a emenda que foi-lhe sugerida"... Infelizmente, o que acontece atualmente é a morte do jornalismo (no Rio temos apenas cinco jornais), uma vez que eles perderam o controle intenso do momento, muito melhor aproveitado pela televisão (a civilização verbal foi substituída pela civilização da imagem). Os vespertinos sumiram, quando a imprensa começou a se industrializar; por fim, os jornais individuais passaram a ser corporações: Antes, Correio da Manhã era de Paulo Bittencourt, Diário Carioca, de Horácio Carvalho Júnior; hoje, com raras exceções, como O Estado de São Paulo ou O Globo, são grupos empresariais que administram, sem um proprietário único responsável, o que muda bastante as relações jornalísticas, tanto internas como externas. Sem se falar da proliferação de revistas sobre vários assuntos: gastronomia, astrologia, eróticas (em Alagoas são chamadas Revistas de Mulheres de papel).
Como reflexão final, o palestrante lançou a afirmação de que a televisão, portanto a mídia visual superou o texto. No entanto, foi através do jornalismo, mais do que um ofício, que Lêdo Ivo aprofundou-se no aprendizado do conhecimento humano, da natureza humana, pelo convívio com diversas classes sociais, desde governantes até presidentes. O jornalismo ensinou-lhe a clareza, a exatidão, ensejando também um maior esmiuçar dos sentimentos humanos: miséria, ambição, vaidades, etc. Ele costuma dizer que as profissões que maios revelam a natureza humana são: padre, prostituta, médico e jornalista: onde nele começava o poeta, ele não sabia precisar. Mas Foi o jornalismo que o tornou claro, mesmo sendo obscuro, exato, mesmo sendo bissexto e lhe deu o sentido da observação do coração humano.
 
 

IVAN JUNQUEIRA

O Acadêmico começou usando um vocábulo da linguagem teatral: aproveitaria em sua explanação a deixa (que é a fala que um ator aproveita do outro para continuar a sua cena), de diversos palestrantes anteriores, para expor suas opiniões. Do primeiro dia, voltou a lembrar a palestra de Carlos Heitor Cony, a respeito do mergulhador de águas profundas (o escritor), em contrapartida ao jornalista, peixinho de aquário cuja cena precisava de movimentação para tornar-se mais visível por parte de um auditório, que a cada dia queria uma coisa nova: a notícia. Ou seja, a situação quase paradoxal era que a datação afastaria a possibilidade literária, dentro do âmbito jornalista. Nada, pois mais distante da literatura (e vice-versa). No entanto, o palestrante lembrou que a maior parte dos Acadêmicos exerceu o  jornalismo: Alcindo Guanabara, Machado de Assis, Raul Pompéia, Olavo Bilac (que inclusive lidou com publicidade), Euclides da Cunha (que atuou como um "correspondente de guerra" para cobrir Canudos, acabando por surgir, dessas reportagens, a tecitura de um grande livro. No entanto, em sua época (antes de surgir o "jornalismo profissional", em 1920), os jornalistas - fossem publicistas ou cronistas) tinham muito mais liberdade temática e estilística. Por isso ele pôde, de certa forma, fugir a uma datação imediata e transformar o material em uma grande obra literária.
A experiência pessoal jornalística do palestrante, foi bastante intermitente, embora longa (juntando todos os 'períodos em que trabalhou em jornais pode contar vinte a trinta anos). A época em que iniciou-se no jornalismo correspondeu ao começo da grande reforma no jornalismo nacional. Ele começou na Tribuna da Imprensa, depois no Diário Carioca, a grande matriz de técnicas que depois ocorreriam, na década de 50 com o Jornal do Brasil. No entanto, a maior preocupação do Acadêmico referia-se à poesia. Com relação a ela, o conferencista frisou que o caráter datado do dia-a-dia podia ser um fator prejudicial à poesia, mas também o ensinou a economia, à limpeza, à concisão e até a tornar-se avaro na maneira de se expressar. Embora não se autoafirme um ficcionista de prosa, é um prosador ensaísta e, do primeiro para o segundo livro, ele já nota muita diferença, não só quanto à contenção, como ao apuro linguístico, clareza e concisão textual. Graças, de algum modo, ao jornalismo.
A partir de 77 e durante a década de 80 Ivan Junqueira exerceu a crítica literária em grandes jornais como O Globo, Jornal do Brasil, Estadão e Folha de São Paulo e, justamente por não ser muito datado este material, foi possível de ser recolhido e reunido e mum livro de ensaios. Naturalmente, houve várias mudanças, mas este jornalismo abasteceu muito o seu futuro de ensaísta, ajudando-o muito na objetividade, clareza, em uma comunicação melhor, até por compreender melhor a condição humana. No entanto, nunca passou de um escritor que se sabia não ser jornalista. E sua experiência como escritor também ajudou ao jornalismo, como em uma histórica Quarta-feira de Cinzas, de 1984, ele e Nascimento Britto, sem mais ninguém na redação, tiveram de "inventar" uma primeira página do Jornal do Brasil, página esta que ficou histórica  e foi muito elogiada, por eles terem conseguido analisar toda a situação do momento, com objetividade, mas colocando muito dos seus subjetivismos nesta análise. Assim, muitas vezes, poesia/literatura e jornalismo se dão as mãos. No entanto, o exercício da literatura exige solidão e a redação de jornal caracteriza-se pela própria anti-solidão, com aquele clima de todos estarem participando de uma experiência eletrizante, registrando os acontecimentos dentro de um rápido fragmento de tempo.
Não concordava com Ledo Ivo quando ele dizia que o jornalismo estava se enfraquecendo; mesmo na era da Internet e da TV, portanto da imagem, ao abrir a porta, as pessoas ainda procuram encontrar um jornal. Ainda lembrou Luiz Paulo Horta quando falou, na sessão passada sobre os historiógrafos (Herodes e Plutarco) cheios de verdadeiros insights jornalísticos  diários. Ambos eram verdadeiros cronistas da época. Mais modernamente, na Inglaterra do século XVII, foi Samuel Johnson foi tão poderoso que se tornou quase que um ditador, filtrando a divulgação de autores e condenando ao ostracismo por dois séculos Poe, que só foi resgatado no século XX por T. Eliot.
Concluindo, o palestrante retomou o enfoque iniciado anteriormente:  de que a maioria dos Acadêmicos daquela Instituição passou grande parte do tempo na redação dos jornais. Há, portanto, pontos tangenciais entre literatura e jornalismo, muito visíveis na casa de Machado de Assis, ligações estreitas entre os dois gêneros, um podendo ajudar ao outro e até depender do moutro, sendo que, no começo do século passado, ficava até difícil distinguir as duas profissões, ainda mais quanto havia, nos jornais, a publicação do romance de folhetim. Essas relações foram muito intensas e decisivas, constituindo-se no legado que cada um deles deixou para a posteridade.
Finalizou dizendo que conhece uma outra versão sobre a manchete do porco, citada por Lêdo Ivo. O repórter queria a manchete que dava a notação de que o porco tinha sido comido por um homem. O secretário de redação sugeriu outro: estuprou o suíno. O dono do jornal, por sua vez, mudou para: Coitus cun bestia.
 
 

JOSÉ NÊUMMANE

Em um início de palestra muito bem humorada, citou Heminguay que dizia que um bom escritor era aquele que passava pelos jornais, mas acabava saindo da redação deles. Por isso ele continuava na redação de um jornal... A seguir, dizendo-se jornalista, portanto também oportunista, disse que aproveitaria as deixas anteriores ouvidas naquele dia, para fazer sua provocação, que era constituída de uma denúncia e um apelo.
Denúncia no sentido de que a política e o jornalismo estão assassinando a língua portuguesa. Segundo o palestrante, tínhamos um Presidente que falava muitas línguas, mais do que a nossa; o atual, fala bem precário (O Prof. Pasquale até elogia a fala do Presidente Lula), mas não menos precário do que a que está usando a imprensa brasileira, depauperado. Como editorialista (um jornalista que escreve pouco e lê muito), ele encontra "pastéis" e erros pavorosos. Criticando diversos premiados em concursos - sem citar nomes - e profissionais dos meios de comunicação, citou como exemplo alguém que escreveu baixa estima, confundindo auto-estima com alta estima... No mundo desaparecem, por dia, várias línguas, principalmente no Brasil - as línguas indígenas; no entanto, neste andar até quando sobreviveria o português, diante do desprezo da própria imprensa. Quando um professor de português aplaude erros gramaticais, vê-se o poder da manipulação política sobre a gramática. Sarney foi o inventor do Portunhol e Collor, o inventor do "duela quien duela" e da "cueca cuela". Ou seja a língua está sob a dominação política, e está desaparecendo até dos livros, diluída em um galaico-português ou em um latim vulgar.
O apelo portanto era no sentido dd que, os Acadêmicos, em suas missões salvaguardar a língua, tomassem providências urgentes; ele próprio se colocava à disposição deles, nesta defesa. Que desculpassem os que pensavam ao contrário, mas ele achava que é quinta coluna quem advoga uma "língua brasileira", em vez de língua portuguesa. Esta tentativa de separatismo só fragiliza a língua. Assim, todos deveriam também defender a língua canônica, os cânones gramaticais. Qual haja certa mobilidade, admite-se; mas, no Brasil, aceitar erros de português, porque o povo fala assim, em nome do progresso, do socialismo, da esquerda, a ele soava como facismo e elitismo. Nossa língua é de uma grandeza imensurável: Camões, Machado de Assis, Eça de Queiroz... E, no entanto, até mesmo em Universidades, prega-se atualmente o relaxamento quanto aos cânones gramaticais: ou seja, em nome de um populismo, alija deste patrimônio os que não têm acesso a ele ou a um ensino superior. Se não houver um acordo tácito no mínimo entre o que as palavras significam, alguém fala uma palavra totalmente diversa de suas conotações e o outro entende como quiser. Este procedimento engendra diminuição vocabular, diminui a língua a cinco ou seis gírias e leva a uma dimensão e enfraquecimento dela.
O palestrante concorda, infelizmente, com Lêdo Ivo, no sentido de que, estatisticamente, está comprovado de que os jornais estão desaparecendo, porque não têm mais apelo para os mais jovens. O leitor de jornal é envelhecido, em geral, os jovens estão deixando de ler jornal. Do ponto de vista do jornalismo cultural, como o tempo já estava escasso, o palestrante apenas opinou que este foi vendido ao mercado - inclusive já há muitos poucos cadernos culturais que veiculam idéias críticas (o último crítico é Wilson Martins, quando ele não escrever mais, o jornalismo crítico se extinguirá).
Terminou declarando que adora o jornalismo, não saberia fazer outra coisa na vida. No entanto, a Imprensa está de forma deletéria assassinando a língua portuguesa. Que todos se voltasse para este aspecto e refletissem sobre a importância dos cânones gramaticais, importantes pelo menos para que houvesse um acordo tácito mínimo a nível de comunicação - principalmente na linguagem escrita - entre o jornalista ou o escritor e o leitor.
 
 

ANTÔNIO OLINTO

Iniciou seus comentários citando um livro que escreveu: Jornalismo e literatura, em 1952, época em que se dizia, entre os literatas e intelectuais, que jornalismo não valia nada. Ele sempre acreditou no jornalismo e por isso escreveu este livro, no qual definia jornalismo como: literatura sobre pressão de tempo (para amanhã) e de espaço (duas lauda); no entanto estas limitações obrigavam quem escrevia para jornal a usar a palavra necessária a não desconversar. Lêdo Ivo falou de sua experiência jornalística presente em sua poesia e em seu romance; mas não revelou grande amor ao jornalismo.
Ivan, "pior" ainda, sempre se soube um escritor que passava pelos jornais. Aliás, André Gide já dizia que jornalismo era tudo aquilo que amanhã não valia mais. Só hoje. No entanto, o jornalismo dava à prosa, romance e crônico a natureza da condição humana: crime, amor, vaidade, são as bases do romance e do poema, assim, há, no jornalismo, um enorme campo de experiências diárias.
Quanto a Nêummane, deu inteira razão a ele. Em um Congresso na Suécia, sobre língua portuguesa, alguém perguntou o motivo dela estar sendo tema, naquele país. E o Coordenador disse que o sueco era falado por 7 milhões de habitantes, apenas, não havia curso, ninguém estava interessado na língua, por isso eles tinham o inglês como segunda língua para poderem se comunicar. No entanto, 220 milhões de pessoas falavam português e era do interesse deles aprender um idioma que tanta gente sabia falar.
Há, pois que se ter amor por esta língua. Há pessoas que vivem com 300 palavras. Como odiar, amar, odiar? Impossível viver com tão pouco. Shakespeare usava 12.000, Machado de Assis, 10.000. Os Acadêmicos 5.000 a 4.000 no mínimo. Ninguém conseguia, pensar, analisar, odiar e amar, com tão pouco vocabulário. Colocar para motoristas "drives true" na estrada era realmente um crime, o sinal de deterioração da língua, que precisava ser defendida. Somos um país de 20 milhões de analfabetos absolutos e de 35 milhões de semi-analfabetos. Como levar um país para frente com 20 milhões de analfabetos absolutos? São 4 Uruguais (com 5 milhões de habitantes), 3 Suécias, com 7 milhões... Um país não pode carregar esse peso no coração e na cidadania. Então, além da Fome Zero, devia-se também fazer campanha para Letra Zero, porque o Brasil também tem fome de Letras, da Língua portuguesa, de devorá-la, de lê-la, de expandi-la., pois é com as palavras que se pensa, que se ama, que se sonha.
 
 

EVANILDO BECHARA

O Professor iniciou dizendo que nunca foi jornalista ou escritor de ficção, mas que é professor de linguagem, de língua portuguesa, portanto, automaticamente, professor da matéria prima com que se fazem jornais e livros de literatura. Sua opinião é de que jornalismo e literatura são duas faces deste esplendoroso universo que se chama linguagem, que é uma faculdade inerente do homem, pois só o ser humano fala.

Há uma visão antiga de que a linguagem seria apenas a que está refletida na língua, ou seja, reduzia-se a linguagem ao estudo das línguas; mas o campo é muito maios amplo, há outros planos hoje a se considerar, para que se possa atingir a competência lingüísticas. Esses planos fundamentam-se:

1) no pensar - não falamos só com a língua, mas há outros fenômenos que envolvem o conhecimento do mundo objetivo em que estamos inseridos, os quais decodificam a mensagem para além do âmbito idiomático. Um político de mãos limpas e uma criança de mãos limpas, são diferentes não pelo língua; entre os dois, a diferença está no conhecimento que temos do mundo e não no idioma. É este conhecimento do mundo que traz o avanço de nossa cultura
geral, indispensável para falar ou escrever, , também, para dissertar sobre qualquer tema.

2) no idioma - O plano idiomático é o próprio conhecimento da língua. É o que Nêummane tão bem defendeu, o aperfeiçoamento de nossa cultura. Quando se pensa em melhorar a língua portuguesa, logo associa-se a uma série de providências que não vão resolver: ensinar lógica na escola, latim, ter mais aulas de português, etc. O que se deve fazer é aumentar a nossa cultura. Não é a língua, é a cultura, nosso conhecimento do mundo, nossa competência lingüística que está desfalcada.

3) no texto. E aqui temos a diferença entre literatura e jornal: no Estilo. Buffon já dizia: "O estilo é o homem". A diferença dos estilos marca também a diferença entre o jornalismo e a literatura: o jornalismo atinge o semelhante imediato, enquanto a literatura o eu interior, a experiência do falar mais para si mesmo; daí, o jornalista privilegiar a comunicação a outrem através de uma informação.

Dentre os estudos da linguagem moderna há duas pessoas: quem fala e o ouvinte. A partir daí surgiram a Gramática Lingüística, a Análise discursiva, a Pragmática, a Estilística, todas voltadas para o texto, para a materialidade do lead e a do sublead (que não é só feito com palavras, mas, também, com a arquitetura material do texto). Em campos diferentes, ambos atuam através das linguagem, e, dentro dela, da língua portuguesa: mergulho do homem à sua historicidade. A linguagem humana é privilégio humano; mas a língua - portuguesa, francesa, inglesa é particular, justamente por este mergulho às suas raízes históricas. O texto faz o homem mergulhar dentro de suas necessidades e identidades.
Que este Seminário realize seu intuito: a recuperação da excelência da língua portuguesa, não só no aprendizado da língua, mas também pela ampliação da cultura geral, porque é através dela que a língua se expande. É necessário que voltemos a oferecer língua portuguesa a sua dignidade, paralela à missão a que este país se destina, com o progresso da educação e da cultura.

As sínteses acima foram elaboradas por Leila Míccolis