Coluna de 14/2
(próxima coluna: 28/2)
Aqui entre nós. Vamos falar de realidade brazuca. Pois no panorama do teatro internacional, o Brasil não fica para trás de forma alguma.Seja vencendo a Quadrienal de Praga com nossos talentosos cenógrafos, seja participando ativamente de festivais internacionais, seja publicando a tradução dos textos de nossos autores em outras fronteiras. Entre muitos temas para falar dessa vez, escolhi exatamente falar um pouco mais dos autores teatrais, os nossos dramaturgos. Eles são o eixo paradigmático de qualquer montagem, direção ou interpretação e a sua estética, de acordo com seu tempo. Tudo surge da palavra. Ela, a catalisadora do pensamento, converge idéias e fatos. Representa o visível e o não- visível. Resolvi, então, rever um pouquinho a história do teatro no Brasil, em termos de lembrar quais são os nossos dramaturgos e em que contexto se enquadravam ou desenquadravam. Como eram os caciques-diretores dos caciques-atores da taba? Vamos começar bem lá do começo. Índios, selva. Terra Brasilis. Parte 1) Sabemos do século XVI as manifestações primeiras de teatro no Brasil, eram aquelas dos jesuítas com fins de catequese, onde se apresentavam sobretudo autos, consagrados à vida de santos, entre os quais se destacaria o exemplo do padre José de Anchieta. Já no século XVII, houve o natural declínio do teatro jesuítico resultando em escassas manifestações teatrais. O que se via eram representações em homenagem às comemorações cívicas ou religiosas, embora já começassem a surgir por ali alguns autores, com marcada influência do teatro espanhol. Só mesmo no século XVIII apareceu um teatro considerado regular, com o estabelecimento das primeiras casas de espetáculos como empresas e com seus elencos estáveis. Mas a repercussão do teatro francês e italiano ainda era ponto de referencia estética muito forte. Totalmente dominante. A figura considerada como mais notável do período é o dramaturgo Antônio José O Judeu (1705-1739) cujas comédias e tragicomédias, embora ainda ao gosto ibérico, teriam papel importante na formação do teatro brasileiro.
O autor e a tal da nacionalidade
No século XIX, até o ano de 1838, inicia-se a esperada transição a um teatro nacional impulsionada pelos sucessos políticos da Independência em 1822 e da abdicação de D. Pedro I em 1831. Finalmente organiza-se o primeiro elenco dramático brasileiro a seguir em 1833 e a primeira regulamentação do teatro. Impulso fundamental dado. Início de uma organização mais oficializada. Começando a fazer a história toda funcionar. Aqui nesse momento, foi traçado o destino do que virou nossos direitos, nesse aspecto artístico e político das regras do jogo cênico.
Com o romantismo de 1838 a 1870, instalou-se um teatro deliberado e acentuadamente nacionalista, iniciado com a tragédia Antônio José em 1838, de Gonçalves de Magalhães e com a criação da comédia de costumes brasileira por Martins Pena, um de seus melhores representantes. Os gêneros: tragédia, comédia, drama - diversificados, no qual se sobressaía o autor Gonçalves Dias. E os processos cênicos se renovaram e nacionalizaram, eliminando a fala portuguesa na cena e fixando diretrizes de representação, sobretudo por empenho extraordinário das performances do ator João Caetano.
Quando finalmente de 1850 em diante, os autores românticos considerados mais importantes, como José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo, passaram a escrever também para teatro e decididamente se tornavam dramaturgos, disputando cada vez mais a concorrência estrangeira, o gosto do público, atraindo muitos com seu apelo a uma estética e um espírito brasileiro na temática e na produção. Instalava-se a fala brasileira no palco. A representação da gente mesmo pela gente. Pelos nossos autores.
Entretanto, no período de 1855 aos primeiros anos do século XX, surgiu, em um primeiro momento, a experiência realista, com os chamados "dramas de casaca" e a preocupação com a "verdade" na arte. Foi fundada a Ópera Lírica Nacional, em 1857, e a primeira Escola de Arte Dramática, em 1861, no Rio de Janeiro. A comédia de costumes permaneceu com força, mantendo sua evolução e ritmo, tendo em França Júnior um novo e significativo autor. Nesse período, tudo em volta muito fértil e multiplicaram-se autores e obras também em outros gêneros, mas com alguns preferidos, tendo em Coelho Neto um dos autores mais prolíficos.
Mas foi com mesmo com Artur Azevedo que a reação nacionalizadora e a criação de uma estética brasileira chegou a seu auge, com o desenvolvimento da comédia e do gênero "revista", a partir de O Mandarim , lançada em 1884 e a que se seguiriam inúmeras outras, trazendo ao teatro um público popular dele habitualmente ausente. Artur, aqui, faz a ponte e atrai para o teatro o público não-teatral e começa a falar uma nova linguagem. Uma estética só para brasileiros.
Drama, luz, decadência e alguma anarquia
Entre o período de 1900 a 1930, permaneceu em destaque a comédia de costumes com seus textos muitas vezes escritos em função do intérprete a que se destinavam e o chamado "teatro ligeiro", também sem maior definição estilística e formal, levando os críticos e historiadores a falarem em "decadência". Apenas em paralelo a isso, crescia o número de empresas dramáticas que exploravam as revistas, operetas, farsas e dramas de capa e espada, e a elevação de uma consciência nacionalista, que confrontava as companhias estrangeiras que voltaram ao Brasil no pós-guerra de 1918 com a instalada "comédia brasileira".
O quadro em São Paulo era o seguinte: a cidade onde o proletariado urbano mais crescia por obra da industrialização nascente e o lugar do teatro anarquista, influenciado por imigrantes italianos. Esse teatro era porta-voz das sérias lutas políticas do período de 1917 a 1920. Mas o teatro em geral se mantinha isolado. Seja o que for. Quer seja dos movimentos estéticos de renovação que ocorriam na Europa e aqui repercutiam na literatura e artes plásticas (como no caso da Semana de Arte Moderna, em 1922), quer dos sérios acontecimentos políticos da recém-implantada República de 1889, que a literatura refletia (como no caso de Euclides da Cunha, com a guerra de Canudos). Havia uma ligação direta nessas artes que não ocorria com o teatro, não ainda. Mas estava para chegar essa tal revolução. Tentativas individuais de renovação, pelo menos temática, surgiram com Deus lhe pague, de Joracy Camargo, incorporando idéias marxistas ou Sexo, de Renato Viana, aportando teses freudianas, ou ainda Amor, de Oduvaldo Vianna, trazendo o tema-tabu do divórcio em uma estrutura dramática já ligeiramente modificada. Tentativas competentes, porem localizadas.
Uma iniciativa pioneira digna de registro foi a de Flávio de Carvalho: em seu Teatro de Experiência montou O baile do deus morto em 1933, que, por levantar aguda crítica ao poder e suas implicações, à moral e à religião, foi fechado pela polícia em sua terceira apresentação. Mas suas sementes frutificaram em A morta e O rei da vela em 1937, de Oswald de Andrade. Alegoria tropi bacana de Oswaldo entre antropofagismo e tropicália, já no embrião.
À medida que o século avançava foram surgindo tentativas de desenvolvimento. Crescia cada vez mais a preocupação com um teatro infantil com formas específicas de texto e montagem. Fundavam-se e desenvolviam-se associações de classe, como a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais/SBAT, em 1917, a Casa dos Artistas, em 1914, ou entidades culturais como a Academia Brasileira de Teatro, em 1931, e a Associação Brasileira de Críticos Teatrais, em 1937. Expandia-se cada vez mais a atividade teatral, por todo o país e através de grupos amadores e formas de teatro experimental. Criou-se um órgão governamental, o Serviço Nacional de Teatro, em 1937. Crescia, em outros pontos do país, o número de escolas de arte dramática. E aumentavam as chances de mais autores, os tais chamados dramaturgos, encenarem cada vez mais os seus trabalhos.
O tal do Estado que foi dito Novo
Mas foi durante a ditadura civil de 1937-1945 (implantada no país por Getúlio Vargas, renomeada eufemisticamente de "Estado Novo") um novo grupo amador formado por profissionais liberais e personalidades da sociedade, sob direção de Brutus Pedreira e Santa Rosa, realizou a encenação que do seria considerada o início da modernidade: a de Vestido de noiva , em 1943, de Nelson Rodrigues, com direção de Ziembinski. Foi um escândalo de moderno. Aqui, institui-se o uso do foco na iluminação brasileira. O diretor, um gênio que o Brasil teve a chance de poder aproveitar o talento. Mesmo em duros tempos populistas de Getúlio.
Em seguida, pouco depois o eixo deslocou-se do Rio de Janeiro para São Paulo, onde um grupo de profissionais italianos vindos para o Brasil montou em 1946 o Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC que com a competência de um elenco fixo de 15 atores, alternou montagens clássicas e comerciais sempre tecnicamente bem cuidadas, iniciando a moderna indústria do espetáculo e contribuindo para a renovação técnica e formal do teatro brasileiro. Cacilda Becker, Sérgio Cardoso e muitos talentos da era pré-tropicalista.
Arena e Oficina
E foi exatamente logo após esse momento, com o Teatro de Arena em 1953, que surgiu realmente uma nova estética, através de um Seminário de Dramaturgia, que lançou inúmeros autores novos como Vianninha, Roberto Freire, Guarnieri, Benedito Rui Barbosa, Chico de Assis, com uma preocupação com a nossa identidade representada e com o apoio de um Laboratório de Interpretação, que trabalhou as características brasileiras dos personagens na cena e até incluso as possibilidades de uma leitura nacionalizada dos clássicos. Leituras e Re-leituras.
Em função das repercussões do Arena junto a um grupo amador de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, na USP, surgiu o Teatro Oficina em 1958, preocupado em estudar a formação cultural do país e investigar a estrutura do capitalismo e suas repercussões sócio-culturais, com um repertório e técnicas próprios de uma concepção antropológica.
Entre lebres e lagartos, de Ze Celso como grande encenador, dando passagem aos autores rebeldes, e passando pelo expressivo trabalho sócio-político-teatral dos textos da dramaturgia de Plinio Marcos, entre as gostosuras de Dias Gomes e Jorge Amado, chegamos aos trabalhos dos contemporâneos Mário Bortoloto, Fernando Bonassi, Aimar Labaki, Caio Fernado Abreu, entre outros muito bons nomes da escrita dos proscênios; e temos hoje, início de milênio em pleno vapor de anos 2005, uma liberdade de expressão solidificada e alcançada através de muitos desafios com a censura militarista, com a necessidade de atrair sempre mais público, mas com a certeza de que comunicar diretamente com a platéia, em voz ativa e direta, no tom da nossa (local) voz, é uma conquista e um privilégio pra quem chega. Então aproveite essa fase da voz do dramaturgo em cena, do minimalismo de artefatos, da necessidade da palavra na boca do ator como simbiose poética entre corpo e fala. Vivemos um período onde o que mais conta é ter um bom texto para que se possa revelar o verdadeiro trabalho de ator do bom ator. Aonde sua boca e corpo escrevem a historia, em movimento performático no proscênio como semi-shamans dos espíritos dos gregos deuses naturalmente ali, revisitados.
Fontes:
- arquivos do TBC – SP
- arquivos Folha de São Paulo
- Livro “Nelson Rodrigues – O Melhor do Romance, Contos e Crônicas", autor Ruy Castro, Ed Folha de SP
- Livro “ Moderna Dramaturgia Brasileira ”, autor Sabato Magaldi (*)
- Livro “ O teatro brasileiro moderno” , autor Décio de Almeida Prado (*)
- Livro “ Arthur Azevedo: a palavra e o riso” , autor Antônio Martins (*)
(*) Todos Ed. Perspectiva – série debates