Coluna de 14/3
(próxima coluna: 28/3)

Augusto Boal — nome artístico de Augusto Pinto Boal nascido em 1931 no Rio de Janeiro e hoje considerado o pai do Teatro do Oprimido. Boal tem em sua obra a marca de uma grande expressividade na década de 60, quando também ligado ao Teatro de Arena de São Paulo até final dos anos 70. Seu trabalho de criação como dramaturgo, desenvolveu um sistema inovador de encenação no Brasil; além de ser reconhecido internacionalmente com suas traduções presentes em mais de vinte línguas. Suas teorias, histórias, textos e personagens em livros sobre o Teatro do Oprimido (**) são internacionalmente conhecidas como parte integrante de sua metodologia cênico-pedagógica.

Recentemente, o jornal inglês The Guardian afirmou que Augusto Boal “reinventou o Teatro Político e é uma figura internacional tão importante quanto Brecht ou Stanislawsky”. Para o diretor de The Drama Review, Mr. Richard Schechner, “Augusto Boal conseguiu fazer exatamente aquilo que Brecht apenas sonhou e escreveu: um teatro alegre e instrutivo. Uma forma de terapia social. Mais do que qualquer outro homem de teatro vivo, Boal está tendo um enorme impacto mundial.”

Da mesma geração já comentada aqui antes, aquela que revolucionou nossa dramaturgia no famoso Teatro de Arena, Augusto Boal foi o responsável pela formação de muitas cabeças. Ele inspirou e foi até o mestre de muita gente talentosa. Após cursar dramaturgia e teatro com John Gassner, em Nova York, Boal começou a dirigir no Teatro de Arena de São Paulo, assim que regressou dos Estados Unidos. Com suas habilidades, passou a exercer natural liderança e acabou responsável pela orientação do grupo: aprofundou o trabalho de interpretação, aclimatando o método de Stanislavski às nossas condições brasileiras e propiciando o surgir de uma interpretação mais naturalista; além de tudo, também investindo na solidificação da formação dramatúrgica do cast, enfim, o elenco como um todo. Sua primeira direção, Ratos e Homens, de John Steinbeck, foi um sucesso em 1956. A seguir, vem Marido Magro, Mulher Chata, uma comédia de costumes bem despretensiosa e de sua autoria e, ainda em 1957, a direção de Juno e o Pavão, de Sean O'Casey, já no sentido de orientar o grupo para preocupações mais sociais e políticas. Por lá, também realizou a estréia de sua peça Revolução na América do Sul , em 1960, com direção de José Renato. Em forma de revista e de musical, o espetáculo foi baseado nos princípios Brechtianos da composição dramatúrgica, onde o protagonista, um homem do povo, o José da Silva, era a vítima de todas as explorações da classe dominante. Com seu talento irreverente e uma incrível verve, ele chega a apelar para o épico talvez ate quem sabe, para enfim alcançar a farsa fanfarrona e o “quase que” riso circense. A forma como coloca as situações em si e o modo como as desenvolve, revelam o poder, perfazendo o portrait do lado corrosivo com seus jogos, tudo ali expresso de forma rasgada e única.

O dramaturgo também foi parceiro de sucesso de Gianfrancesco Guarnieri. E um de seus grandes feitos juntos, foi a montagem de Eles Não Usam Black-tie. Após o grande sucesso do texto de Gianfrancesco dirigido por José Renato, Boal sugeriu a criação de um Seminário de Dramaturgia, empreendimento que não só sedimentou os conceitos exercitados, assim como tambem atraiu as atenções sobre a realidade nacional, aplicando-se nos trabalhos dos anos seguintes, através do repertório da fase nacionalista do grupo. E nessa proposta, sob sua direção estrearam: Gente como a Gente, de Roberto Freire e Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho, em 1959; Fogo Frio, de Benedito Ruy Barbosa, em 1960. Depois, seguindo na linha nacionalista do Arena, ele lançou Arena Conta Zumbi em seguida Arena Conta Tiradentes, utilizando dois fortes heróis históricos, sacrificados na luta pela liberdade, como metáfora contra a opressão vivida do momento. Seus trabalhos sempre foram em luta contra a opressão e a falta de liberdade. Podemos ver, em outro texto seu bem mais tarde - mas também marcante em sua carreira e bem representativo – o “Murro em Ponta de Faca ”, realmente o que é o autor Boal escrevendo revoltado, contra os esquemas de manipulação e de poder. Apos os heróis, Boal em seguida dirige, em 1961, Pintado de Alegre, de Flávio Migliaccio, e O Testamento do Cangaceiro, de Chico de Assis, e assim completa sua expressiva fase nacionalista. A partir do próximo ano, decidem-se mudar do eixo da linha de encenação do Arena para iniciarem então, uma nova fase, agora, de nacionalização dos clássicos. Marcam nesse novo capitulo, as montagens bem realizadas nas encenações de A Mandrágora, de Maquiavel, 1962; O Noviço, de Martins Pena; O Melhor Juiz, o Rei, de Lope de Vega, e O Tartufo, de Molière. Entre os anos de 1969/1970, Augusto Boal escreveu e dirigiu o espetáculo “Arena Conta Bolivar”. As montagens somente foram apresentadas no exterior, em longa excursão por vários países da América Latina e Europa. Retornando ao Brasil, em seguida criou com uma jovem equipe, o Teatro Jornal - 1ª Edição, com a publicação das experiências de leitura de textos acompanhadas de comentários,com técnicas do agit-prop e do Living Newspaper; equipe essa, que desenvolve-se e mais tarde vem chamar-se Teatro Núcleo Independente.

Logo depois, Boal foi preso político e exilado em 1971. No exterior, ele continua seu trabalho, inicialmente no Peru e Argentina, onde pela primeira vez desenvolve e estrutura teoricamente passo a passo os procedimentos do Teatro do Oprimido. Nesse percurso, também fez trabalhos na Venezuela, na Colômbia, no México e no Equador, este último com populações indígenas. Ali começou a desenvolver técnicas de Teatro Imagem. “Consistia em comunicação não verbal através de imagens, objetos, as pessoas, as posições do corpo. No Peru, em 1973, eu trabalhei num programa de alfabetização integral e foi quando comecei a fazer o Teatro Fórum. O espectador entrava na cena e mostrava o que ele pensava como solução de um problema apresentado. Tinha que entrar em cena, substituir o protagonista e mostrar alternativas diferentes para a peça.” (A.B.)

Alguns anos depois, já em 1976 ele emigra para Portugal e trabalha com o grupo A Barraca. Por lá, escreveu o famoso texto de Mulheres de Atenas, uma adaptação de Lisístrata, de Aristófanes, com músicas de Chico Buarque e também Tempestade-Calibã , ambas terminadas em 1976. No final do mesmo ano, fixa residência em Paris, conseguindo condições de criar um centro para pesquisar e difundir o Teatro do Oprimido, o CEDITADE. Na Europa, essencialmente criou com sua mulher – psicanalista –, o sistema de desenvolvimento do trabalho com técnicas interiorizadas, próprias para teatralizar coisas subjetivas, que eles chamam de atingir o “arco-íris do desejo”.

Dois anos depois, em 1978 foi realizada no Brasil a montagem de Murro Em Ponta de Faca, com direção de Paulo José. Nesse texto Boal aborda a vida dos exilados políticos, vindo a ser o único de seus textos escritos no estrangeiro a ser montado em território nacional. Em 1979, já com seu grupo francês, apresenta o Teatro do Oprimido, com tours em diversos lugares, inclusive em visita ao Rio de Janeiro, porém aqui, ele já se revela consagrado no exterior. Mas é somente em 1984, com a anistia, que ele pode retornar ao Brasil, fixando sua residência como um carioca, novamente no Rio. Porém, como sempre, ele não parou e continuou viajando por todo o mundo, ativo e ministrando cursos e desenvolvendo atividades ligadas ao Teatro do Oprimido. Entre as locações para encenações por ele já realizadas estão: o Theatre de C'Est Parisien em Paris; a cidade de Graz na Áustria; Wuppertal e Nuremberg na Alemanha Ocidental; além da charmosa e multicultural Nova York. Após regressar do exilio,em seus projetos locais, dirigiu seu próprio texto do musical O Corsário do Rei, com músicas de Edu Lobo e letras de Chico Buarque em 1985; depois veio Fedra, de Jean Racine, com a dama do teatro, Fernanda Montenegro no papel principal, em 1986; então foi Malasangre , de Griselda Gambaro, em 1987; depois o Encontro Marcado, de Fernando Sabino, em 1989; e finalmente Carmen, de Bizet, uma temperada "sambópera" de Boal, Marcos Leite e Celso Branco, 1999. Um grande e ousado projeto atrás do outro, como podemos aqui observar.

Atualmente, existe farta literatura sobre o Teatro do Oprimido, podemos citar aqui alguns deles como os mais recentes Stop: C'est Magique e O Arco-Íris do Desejo (Método Boal de Teatro e Terapia). O uso de seu teatro e suas técnicas, atravessaram fronteiras e são aplicadas diversificadamente, para situações e “dramas” que variam conforme o grupo envolvido. A melhor definição para ele "seria a de que se trata do teatro das classes oprimidas e de todos os oprimidos, mesmo no interior dessas classes". Suas técnicas para desenvolvimento compreendem o tripé: o teatro-imagem, o teatro invisível, e o teatro-foro. E nada mais visam do que transformar o espectador e assim trazê-lo para ser o REAL protagonista da ação dramática e, "através dessa transformação, ajudar o espectador a preparar ações reais que o conduzam à própria liberação ".

Em seu livro Teatro Legislativo (*), o dramaturgo e ensaísta revela sua mais recente jornada, aproveitando para contar sua experiência como vereador do Rio de Janeiro – de 1993 a 1996 – onde ele propôs converter o espectador em ator “dos palácios” na busca de um novo estágio – o cidadão transformando-se em legislador. O autor vem transcrevendo dessa forma, os momentos em que teve a oportunidade de utilizar o teatro como ferramenta importante no processo de discutir temas que pudessem gerar projetos de lei, com o cidadão interagindo na cena, sua mudança e o processo final. Esse livro é utilizado como ferramenta de continuidade do projeto que também ainda se encontra em atividade.

Atualmente, ele vive no Rio, e seu foco encontra-se voltado para as correlações entre o teatro e a cidadania e a continuidade dessas dinâmicas. Lá, dirige desde 1986, o CTO – Centro do Teatro do Oprimido e dedica-se, entre outras coisas, ao trabalho teatral numa série de presídios em todo o país. Seu primeiro projeto já em curso é realizado nas prisões de São Paulo. Ele e seu grupo estão trabalhando com 32 prisões do Estado, onde treinam 52 educadores que levam e desenvolvem as técnicas do Teatro do Oprimido. Seu outro projeto, no Rio de Janeiro, é exatamente sobre o do tema do livro, o Teatro Legislativo. São seis grupos, em comunidades pobres, que se apresentam com a platéia entrando em cena, dando sugestões através da ação dramática, que acabam sendo aproveitadas para elaborar leis de melhorias sociais. Estes, entre outros, são seus experimentos atuais na área de teatro e cidadania aplicada em nossa sociedade brasileira. Temas como AIDS, drogas, gravidez precoce, crimes e assedio sexual são comuns na cena. Para ver os links dos grupos, visite o website.

Boal, como dramaturgo, também recebeu títulos e prêmios no exterior, destacando-se entre eles o Officier de l'Ordre des Arts et des Lettres, pelo Ministério da Cultura e da Comunicação da França, em 1981 e a Medalha Pablo Picasso, pela Unesco em 1994. Além de autor de livros de suas teorias teatrais e dramaturgias, também escreveu dois textos auto-biográficos, Milagre no Brasil, em 1977 e Hamlet e o Filho do Padeiro, em 2000. Seu mais recente livro foi editado pela Garamond “O Teatro como Arte Marcial ”.

Para saber mais, confira o website do CTO – http://www.ctorio.com.br/

(*) Teatro Legislativo – Grupos populares apresentam espetáculos de Teatro-Fórum sobre temas diversos (o público é convidado a entrar em cena, substituir o protagonista e buscar alternativas para o problema encenado). A partir das intervenções da platéia, criam-se projetos de lei. Essa iniciativa gerou 13 leis municipais, 01 lei estadual e dezenas de propostas, em discussão na Câmara Municipal RJ, na Assembléia Legislativa RJ e no Congresso Nacional.
O CTO promove anualmente, o FESTEL – Festival de Teatro Legislativo – com participação de todos os seus grupos: Artemanha (prevenção às DST/AIDS e vícios); Arte Vida (discriminação a moradores de comunidades carentes); Corpo EnCena (educação, trabalho e envolvimento dos jovens no mundo do crime); MarÉarte (violência doméstica e drogas); Marias do Brasil (direitos dos trabalhadores domésticos e assédio sexual); Panela de Opressão (gravidez precoce, saúde da mulher e AIDS).
O Teatro Legislativo é a base dos projetos: Jovem Comunica e Entra em Cena; Encenando Direitos Humanos e Maria Luta por Lei Justa

(**) Teatro do Oprimido - (TO) é um Método Estético que reúne Exercícios, Jogos e Técnicas Teatrais que objetivam a desmecanização física e intelectual de seus praticantes e a democratização do teatro.
O TO cria condições práticas para que o oprimido se aproprie dos meios de produzir teatro e amplie suas possibilidades de expressão. Além de estabelecer uma comunicação direta, ativa e propositiva entre espectadores e atores.
Hoje é praticado em 70 países, estando em processo a criação da Associação Internacional de Teatro do Oprimido, em Paris e Rotterdam.

Fonte: CTO-Rio website.