Coluna de 14/5
(próxima coluna: 28/5)

Oswald de Andrade: Tupy or not tupy, this is the question


   Falar de José Oswald de Sousa Andrade pode parecer redundante ou cair na mesmice ululante de ser prolixo e ate piegas. Afinal esse foi um homem de poucas, mas de tão profundas e polêmicas boas obras, que deixou muito o que falar. Em teatro, por exemplo, não deixou uma vasta coleção de dramaturgia, mas o texto precioso que encontramos em "O Rei da Vela" vale muito mais do que por muitos e muitos outros que não adianta nem falar ou lembrar.Vamos começar pelo básico que é sua biografia. Para os que sabem e os que não sabem, faz parte do processo conhecer sua origem para entendê-lo. Ele nasceu em São Paulo, em família rica. Foi estudante de Direito, como ocorria aos meninos abastados daquela época. Mas com um diferencial que muda a perspectiva de sua vida: ele viaja para a Europa em 1912. Em Paris entra em contato com o futurismo e com a boêmia estudantil. Retornou diversas vezes, no período de 1922 a 1929. Essas idas e vindas lhe possibilitaram entrar em contato com o futurismo ítalo-francês e conhecer, mais profundamente, as vanguardas surrealistas francesas. Mas antes disso, em 1911, fundou o semanário humorístico O Pirralho, publicando ensaios; em l920, criou outro jornal: Papel e Tinta. Efervescente - pois nesse momento Paris está no auge de suas criações afamadas -, ele volta a São Paulo e faz jornalismo literário. Grande ganho para o Brasil. Aqui neste ponto, vemos o início da atividade jornalística de Oswald de Andrade na Gazeta e no Diário Popular, cobrindo os acontecimentos culturais, particularmente a vida teatral de São Paulo do início do século.

   Foi em 1917 que defendeu a pintora Anita Malfatti de uma crítica devastadora de Monteiro Lobato. Na época famoso, porém conservador. Iniciou-se então a atração ao discurso libertário e o contato maior com outros artistas e intelectuais. Depois, também ao lado dela, do escritor Mário de Andrade e de outros intelectuais, organizou a antológica Semana de Arte Moderna de 1922. Publica ainda o livro Memórias Sentimentais de João Miramar em 1924, um ano antes de apresentar seu Manifesto Antropofágico. Com Pau-Brasil, em 1925, juntou o nacionalismo às idéias estéticas da Semana de 1922. Um manifesto de vanguarda, que mudou o rumo da arte brasileira e que muitos hoje chamam de xenofobia. Mas, com certeza, vemos que se realizou o início da colagem e da paródia utilizadas para profanarem os mitos da cultura oficial. Opiniões à parte, eles souberam o que era ser moderno e provaram isso pra história. Oswald deixou muitas controvérsias, porem firmes evoluções na maneira de se pensar e fazer arte, na grande potência da "Latino América". A Antropofagia radicaliza atitudes estéticas e ideológicas esboçadas pelo movimento de 22, ou melhor, realiza um balanço crítico contundente dos saldos deixados pela rebeldia literária da Semana.

   Em 1926, casou-se com a pintora Tarsila do Amaral. Grande figura feminina dessa nova forma de manifestação artística. Porém durou pouco. Dois anos depois, radicalizando o movimento nativista, seu Manifesto Antropofágico propõe que o Brasil devore a cultura estrangeira e crie uma cultura revolucionária própria. Nessa mesma época rompe com Mário de Andrade, separa-se de Tarsila do Amaral e casa-se com a escritora e militante política Patrícia Galvão, a Pagu. Outra figura forte e importantíssima no cenário nacional. De 1931 a 1945, milita no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e durante esse período, em 1933, lança o romance Serafim Ponte Grande.

   Como dramaturgo deixa as peças O Homem e o Cavalo (1943) e A Morta e O Rei da Vela (1937). Essas últimas, ambas escritas durante o período inflamado de seu ativismo comunista. Como disse antes, poucas e boas. Absolutamente anárquicas e profundas. Sua obra foi marcada pela atitude anarquista e demolidora, pela ironia e pela paródia, por um nacionalismo em busca das origens. Como fruto de sua ênfase nos elementos nacionais, valorizou a expressão lingüística cotidiana, na procura do que seria o real falar brasileiro. Morre em 1954 em São Paulo. E fica para sempre o poeta, o romancista, o artista revolucionário e o dramaturgo paulista.

 
O Rei da Vela


   Escrito originalmente em 1933 e publicado somente em 1937, O Rei da Vela (com três atos) constitui-se no texto teatral mais importante de Oswald. A Peça demorou trinta anos para ser apresentada em São Paulo, e foi desbravada pelo Grupo Oficina, sob a direção de José Celso Martinez Correa; a encenação marcou época na história do teatro brasileiro. Seus protagonistas são bizarros. Abelardo I é um representante da burguesia ascendente da época. Seu oportunismo, aliado à crise da Bolsa de Valores de Nova Iorque, de 1929, permite-lhe todo tipo de especulação. Do café à indústria de velas. Também é costume popular colocar uma vela na mão de cada defunto, assim ele "herda um tostão de cada morto nacional". Abelardo torna-se então o símbolo da exploração, à custa da pobreza e das superstições populares. Heloísa, por sua vez, representa a ruína da classe fazendeira. Seu pai, coronel latifundiário, vai à falência, num retrato em que predomina a perversão e o vício, símbolos de uma classe social em decadência. A aliança de Abelardo e Heloísa poderia, assim, representar a fusão de duas classes sociais corruptas pelo sistema capitalista. Um terceiro personagem completa o quadro social do Brasil da época: Mr. Jones, que simboliza o capital americano; sua presença revela um país endividado: "Os ingleses e americanos temem por nós. Estamos ligados ao destino deles. Devemos tudo o que temos e o que não temos".


Criticando a burguesia

   A visão crítica da realidade do nosso país e a caricatura feroz da sociedade burguesa capitalista tornaram-se relevantes na produção literária de Oswald de Andrade dos anos 30. Não precisamos dizer que seu ativismo comunista colaborou muito para isso. Escreveu O Rei da Vela, sua peça de teatro mais famosa, nessa época e até hoje, uma obra contextualizada com alguns padrões elitizantes/caducos brasileiros. Inspirando-se na história de Abelardo e Heloísa, o par trágico mais famoso do século XII, Oswald criou a parodia de Abelardo I e Heloísa de Lesbos. Ele, um cara agiota e fabricante de velas. Ela, a filha da aristocracia decadente e sem limites, que se junta à burguesia para não perder suas privilegiadas regalias. Os tais dos privilégios. A relação dos dois não passa de um acerto, de um negócio. Nada muito romântico. A situação do país depois da crise de 1929 e da Revolução Constitucionalista levou Abelardo I a transformar-se no industrial das velas. De acordo com suas próprias palavras: "[...] as empresas elétricas fecharam com a crise... Ninguém mais pode pagar o preço da luz... A vela voltou ao mercado pela minha mão previdente". O personagem e suas velas são uma metáfora do país decadente, sem iluminação, como também é metáfora a figura do agiota que domina seus devedores com um chicote. Algo ainda atualizadíssimo se lembrarmos do recente e absurdo episódio nacional, o regime de racionalização em função do apagão. A peça também fala dos intelectuais que (na verdade) servem ao regime; da subordinação do capital aos monopólios internacionais, representados, na obra, por um americano anônimo. O texto publicado em pleno poder do Estado Novo, momento de um pesado regime de censura, teve suas amargas rejeições. Focalizando os anos 30 de modo totalmente anti-convencional, a visão desmistificadora dele e a anárquica utilização de palavras proibidas pela censura fizeram ate mesmo o famoso diretor Procópio Ferreira, muito conceituado na época, recusar-se a encená-la. O Rei da Vela só foi apresentado 34 anos mais tarde pelo irreverente diretor José Celso Martinez Correia e o grupo Oficina,em 1967, tornando-se o maior sucesso deles e um dos mais importantes acontecimentos na história do teatro brasileiro. Veja a seguir um trecho da fala de Zé Celso sobre o texto montado:


"E O rei da vela (viva o mau gosto da imagem) iluminou um escuro enorme do que chamamos realidade brasileira numa síntese quase inimaginável. E ficamos bestificados quando percebemos que o teto desse edifício nos cobria também, era a nossa mesma realidade brasileira que ele ainda iluminava. Sob ele encontramos o Oswald grosso, antropófago cruel, implacável, negro, apresentando tudo a partir de um cogito muito especial: Esculhambo, logo existo ." Zé Celso Martinez Corrêa, 1967.
 


PRINCIPAIS OBRAS:

Romances
Os Condenados (1922); Memórias Sentimentais de João Miramar (1924); Estrela de Absinto (1927); Serafim Ponte Grande (1933); A Escada Vermelha (1934); Os Condenados (l941) - reunindo os livros de 1922,1927 e 1934, constituindo a Trilogia do Exílio; Marco Zero I - Revolução Melancólica (1943); Marco Zero II - Chão (1946).

Poesia
Pau-Brasil (1925); Primeiro Caderno de Poesia do Aluno Oswald de Andrade (1927); Poesias Reunidas (1945).

Teatro
O Homem e o Cavalo (1943); Teatro (com os textos A Morta e O Rei da Vela), (1937).

Ensaio
Ponta de Lança (1945?); A Arcádia e a Inconfidência (1945); A Crise da Filosofia Messiânica (1950); A Marcha das Utopias (1966).

Memórias
Um Homem sem Profissão (1954).