Coluna de 14/9
(próxima coluna: 28/9)

Andrew Bovell e Hannie Rayson parceria encenada na Opera House de Sidney

    O autor Andrew Bovell é um dramaturgo australiano celebrado localmente tanto em teatro como em cinema. Entre seus filmes, se encontra "Lantana" , que ganhou mais de dez dos maiores prêmios australianos pela competência de sua dramaturgia, direção e atuação. Um filme cult para muitos e principalmente para os locais. Tanto que recentemente ganhou o prêmio "Best Screenplay" (Melhor Roteiro) no 2003 London Critics, o círculo de crítica e prêmios para filmes em língua inglesa (Circle Film Awards). Ele também escreveu em parceria o filme "Stricly Ballroom", que ficou conhecido por revelar o ambiente e os personagens caricaturadíssimos, das competições bregas de dança de salão na Austrália. Uma comédia bem original e que retrata a realidade da estética opulenta de uma classe média que precisa gastar e se exibir ao máximo em público. Engraçadíssimo vale a pena conferir, tentar alugar o filme, já que a peca fica mais complicada de assistir. Aliás, fica aqui uma dica para os diretores brasileiros, pois encená-la seria absolutamente divertido e lúdico para o nosso público.

   Já a autora Hannie Rayson, natural de Melbourne, está mais relacionada ao trabalho dos palcos e de algumas séries da TV local. Seu trabalho teatral é bastante aclamado e ela venceu com seu texto "Life after George" (A vida depois de George) em 2001, não só a categoria "Best Australian Play and Best New Australian Work" (Melhor peça Australiana e Melhor Trabalho Inovador Australiano) do prêmio Helpmann; como também foi a primeira peça a ser indicada para o prestigioso prêmio Miles Franklin Award, em 44 anos de história.Este seu trabalho esteve em cartaz em Londres em 2002 e em 2003 fez temporada no Centaur Theatre Company no Canadá. Com isso, foi considerada como um talento original entre as melhores dramaturgas de sua geração, em seu país. E muito bem recebida pela crítica e mídia.

    Mas o que ambos teriam em comum? Eles escreveram o espetáculo “Cenas de uma Separação” (Scenes from a Separation) juntos e de forma bem original. E a peça ficou em cartaz por quase seis meses no ano passado na Opera House de Sidney, com um sucesso de público inesperado. O espetáculo é moderno e muito bem realizado.Não só pelo conteúdo - originalmente escrito dez anos atrás em sua primeira versão – como também realizado a quatro mãos. E, mais ainda, usando o conceito de espelhamento, onde cada autor, um homem e uma mulher, respectivamente, trata da mesma história relatada com seus pontos de vista, percepções e perspectivas diferentes dentro da visão feminino/masculino. O tema central, como o título obviamente indica, trata da separação de um casal heterossexual e o(s) motivo(s), entre fatos e angústias, que o levou a este desfecho. Nada novo na face da Terra sobre esse assunto, principalmente em tempos modernos onde ser casado desde jovem - e bem casado - virou artigo para a minoria. A maioria acaba acertando no segundo ou terceiro casamento, isso, quando acerta. A probabilidade de vida conjugal feliz virou um número de estatística tão imprevisível, quanto o de ganhar sozinho na loteria. Mas como eu dizia, nada seria novo na temática, se não fosse o fato de que ambos os personagens ganharam a legítima defesa e cumplicidade de seus autores, em relação ao ponto de vista particular de cada parte/gênero do casal, para contar a mesma história. No primeiro ato, vemos este homem, bem-sucedido como editor em uma renomada empresa australiana, a se deparar com o fracasso de seu casamento. Que para ele, ocorreu assim, tão de repente, como que sem um motivo ou força maior. Nessa parte, quem conta a história é o autor. Já no segundo ato, a autora retoma a mesma história, parte a parte, cena a cena, sob a perspectiva e emoção feminina. A visão da esposa e mãe que ficou sem carreira para se dedicar à sanidade e bem-estar da família de bom padrão da classe-média alta. Neste ato vemos a percepção dela, através daquela frase dele, doída - e ele não percebeu - os fatos que ela comentou e ele não prestou atenção; e coisa por aí a fora, que nos, como audiência só vemos a história em si, como um todo, quando totalmente revelada no segundo ato. Cada um tem sua defesa para o mesmo caso. A moeda sempre tem mais de uma face. Depende do ângulo que se conta. E nós, na platéia, ficamos na posição de juízes prestes a dar a sentença final entre o bem e o mal. E nos deparamos com a enormidade do sentido de humanidade e justiça, ao escutar os fatos, as emoções e as dores do outro. De cada um. E até de nós mesmos, se também já passamos pela vivência de uma separação conjugal. Não tem jeito, todos saem perdendo de uma forma ou de outra ao final, assim como também todos têm seus motivos mais do que justificáveis para chegarem ao ponto em que estão. Ganhar a liberdade seria sair ganhando? E onde fica o amor? O que fez a relação murchar, apodrecer ? Drama moderno universal, o tema usando o sentido de espelhamento, foi muito bem elaborado na trama do texto e seu contexto.Tanto na dramaturgia como em sua montagem. As cenas se passam entre os espaços de um escritório, a varanda de uma casa de praia, o almoço de família na casa da sogra, a ante-sala do mesmo escritório e na direção de um carro em auto-estrada. E tudo isso, com a agilidade que um pensamento tem de ir para frente e para trás, sem necessariamente ter linearidade. Um primor de trabalho bem executado, apesar do desafio de trazer para a estética, o fator psicológico de um texto com uma abordagem como essa. Como vocês podem perceber, ambos autores não estão de brincadeira, embora o tom da peça seja mais para o bem-humorado do que para o melodrama. Caso contrário, fugiriam a regra de serem tipicamente australianos, onde comédia, sexo e amor são mais freqüentes nas cenas do que a violência, tiros, guerras e vinganças. Ou exageros de tendências suicidas, ou assassinas por amor. Mas, isso não cabe muito bem na cultura deles, portanto, a tensão é mais psicológica e menos física.

    Quanto a Opera House de Sidney, o prédio em si é minimalista, suntuoso e moderníssimo. Algo turisticamente comparado em impacto visual, com às Muralhas da China, ao Cristo Redentor, às Pirâmides de Gyza no Egito e ao Coliseumm em Roma. Não estou exagerando não. Assim está descrito em muitos livros de turismo e em várias línguas. Podem conferir. Para quem conhece o L'Opera de Paris, o Lincon Center em Nova Iorque e mesmo o famoso Kodak Theatre de Los Angeles - onde se realiza a entrega do Oscar - e também aprecia o gosto pelas linhas minimalistas da arte moderna, a Opera de Sidney é um palácio contemporâneo do teatro a ser degustado com os olhos a cada centímetro, não se comparando a nada existente.Isso para não citar que nem os teatros de Londres ou de Berlim tenham de longe algo parecido em arquitetura. E por falar em arquitetura, ela tem a assinatura de Jorn Utzon que ganhou a concorrência internacional para desenhar e realizar o projeto. Idealizado originalmente com a intenção da visão de uma concha do mar aberta em movimento de espiral (de dentro pra fora), como a flor se abre em pétalas. Além da beleza do prédio em si, sua localização se encontra a beira-mar com uma vista noturna da cidade, suas pontes e prédios iluminados, simplesmente estonteante e que você pode ter o privilégio de apreciar no intervalo, ao abrirem o terraço para o público bebericar um drink ou um café. Entre os bares e restaurantes presentes no prédio, encontramos o Opera Bar, Guillaume at Bennelong, Bistro Mozart e o Sidewalk Cafe & Bar, este último famoso bar da moçada local. Geralmente são freqüentados como um programa complementar, antes e depois das sessões teatrais. Já as salas de exibição, são distribuídas em vários tamanhos para intenções performáticas diferentes. São elas: Concert Hall and Opera Theatre, Playhouse Theatre, Drama Theatre e por último, o mais intimista, The Studio. Se você quiser visitar a mesma vista, basta ir lá de noite no barzinho do primeiro andar, porém o acesso ao terraço do mezanino é só para a audiência pagante dos espetáculos.

    E outra vantagem aventuresca disso, é que o espectador pode tomar um aqua-táxi (ou barca/ferry) para chegar lá. Ou seja, o espetáculo já começa na ida para o teatro.Uma ópera a beira-mar. E no clima tropical do Sul do mundo. Mas embora fascinante, o visual não seria estritamente necessário para impressionar, já que a qualidade teatral de Sidney - e conseqüentemente australiana - não deixa nada a desejar aos melhores palcos do mundo. E sabemos que eles - infelizmente - são poucos. Embora aqui, entre nós, só podemos ficar tranqüilos, porque o Brasil com sua audácia, inventividade e perseverança se encontra muito bem posicionado nesta rota e "lista" das melhores cenas teatrais. Independente da arquitetura dos teatros.

    Para saber mais sobre a cena teatral de Sidney, visite www.sydneytheatre.com.au e confira os espetáculos nas salas de apresentação da cidade. Para visitar o site da Opera House: www.sydneyoperahouse.com