Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
fevereiro de 2002
O amanhã da minha vida
Enquanto teclava, uma sensação de dor apoderou-se
de mim. Uma dor conhecida, de perda e sofrimento. Tudo que havia
acontecido há tanto tempo quando meu irmão morreu!
E uma angústia esquisita, misto de desespero e aflição
dominou meu coração.
Comecei a lembrar os anos de minha infância, as brincadeiras
infantis e a fé que tinha em tudo.Apreciei como se estivesse
em outro lugar todos os episódios que transformaram e enriqueceram
minha vida. E até a rua Barata Ribeiro em Copacabana onde
cresci.
Como se fosse um sonho eu me senti pequena e saltitante, os
cabelos soltos nos ombros e lembrei-me das brincadeiras com meus
irmãos, o colégio grande, porém aconchegante,
os professores a esperar-me, ora com ar ora severo, ora doce e
suave, mas sempre acolhedores. E na verdade pensei na história
de Peter pan que eu adorava e me senti novamente integrada com
sua filosofia de jamais querer crescer e tornar-me uma pessoa
adulta.
Via-me patinando, rodopiando num bailado que meu pai admirava,
o rosto corado e os olhos brilhantes como se a vida não
fosse oferecer nada mais que momentos vibrantes. E meu coração
batia ao compasso das evoluções que eu fazia cheia
de deslumbramento.
Logo entendi, naquela época que não seria assim
quando via nas ruas tantas crianças que precisavam de um
agasalho ou de comida.
Logo entendi, que jamais poderia ser feliz quando via outro ser
humano sofrer.
Logo entendi, que a minha caminhada seria uma sucessão
alternada de alegrias e tristezas e para vivê-la bem, eu
precisava administrá-la.
Quando meu irmãozinho de cinco anos morreu, entendi que
ela podia ser muito, extremamente dura, e de certo modo cruel
e avassaladora. A saudade no começo foi dolorosa e pensei
que não pudesse ultrapassá-la. Mas temos estranhos
modos de defesa espontânea, que nos parece um milagre quase
indecifrável.
Eu tinha treze anos e recomecei a achar a vida maravilhosa depois
de algum tempo, embora a falta que sentia do menino loiro e lindo,
sempre tão apegado a mim, fosse intensa e amargurante.
Muitas vezes as lágrimas desciam nos momentos menos esperados
e aparentemente mais alegres.
Hoje, tantos anos depois, e após acontecimentos, alguns
plenos de exuberância e outros verdadeiramente traumatizantes,
encontro-me abalada pela saúde de minha mãe. Recordo-me
dela tão jovem, os cabelos negros bastos e lisos, o rosto
bonito de traços perfeitos, os olhos negros e profundos.
E olhando -a ainda hoje vejo que apesar dos anos conserva os belos
traços. Questão genética.
Sei que sempre tivemos conflitos, modos de encarar a vida dissonantes
e muitas vezes senti como tudo poderia ser diferente. Ela jamais
compreendeu meus ideais que não se coadunavam com o seu
modo objetivo e profundamente racional.Sempre me admirou e por
isso mesmo não entendia sonhos que ela não conseguia
decifrar. Claro que meus muitos defeitos, talvez ainda não
modificados adequadamente e as qualidades, não aperfeiçoadas
por reflexões, contribuíram para essa característica
da relação entre nós duas. Mas sempre a amei
intensamente, sabendo que tudo que ela desejava, era me proteger
de um mundo que eu queria rápido e cedo abraçar
com sofreguidão.
Nesse momento encontro-me meio perdida como se fosse aquela
menina de quinze anos decidida, achando que tudo seria fácil
num caminho sem interrupções nem tropeços.
Não me arrependi do caminho que estou seguindo, das decisões
que tomei ou de tudo que estou realizando. Gostaria, porém
que tivéssemos pensado no mesmo ritmo, e que em nenhum
momento eu tivesse visto alguma expressão de desagrado
em seus olhos.
Jamais conseguimos olhar tão ternamente para qualquer
recordação, como quando recordamos a nossa infância,
com seus passos rumo a um futuro que desconhecemos, e as imagens
se tornam, mesmo nos piores momentos, coloridas de esperanças
e de certezas distantes a cada manhã que surge.
Vânia Moreira Diniz
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