Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
fevereiro de 2002
IMPRENSA: DE QUARTO PODER A QUINTA-COLUNA
Um dia talvez, no futuro, quando estiverem mortos todos os que
se acham donos da verdade e dos veículos de Imprensa, e
quando estiver morto muito de toda essa tradição/traição
dos mercadores do Jornalismo, dos Judas da Comunicação
Social, nesse dia, quem sabe, cientistas e historiadores, estudiosos
e curiosos, irão analisar as edições dos
jornais que hoje fazemos e das emissões de rádio
e televisão que hoje colocamos no ar (como se sabe, é
fato científico que tudo o que é transmitido - som
e imagem - pela rádio e pela TV fica eternamente circulando
no éter do espaço e pode ser captado e capturado
de volta).
I
Nesse dia, essas pessoas do futuro vão balançar
a cabeça, num gesto de desaprovação e de
pena, e também de resignação e auto-expiação,
por terem tido antepassados com tão primários antecedentes.
Folhearão as páginas de certos jornais, compararão
o que ali se publicou num dia e no outro; captarão as vozes
e imagens dos apresentadores, dos locutores, dos noticiários
de rádio e TV e também lhes confrontarão
as posições em um dia e no outro; enfim, farão
diversas correlações e constatarão, penalizados,
como era flácido o estofo moral, como era frágil
o encosto profissional e como era tamanho o descaramento pessoal
de muitos comunicadores, os quais, em nome da sobrevivência
ou da prosperidade nos negócios, ou, pior, em função
da subserviência ao poder do dinheiro ou ao dinheiro do
Poder, desceram a Imprensa do "podium" de Quarto Poder
para o pó do quinta-colunismo. A Imprensa, que deveria
estar ao lado da comunidade, traía-a, atraindo a mente
e o medo dos mais frágeis com suas letras de fôrma,
com suas vozes impostadas, com suas imagens sedutoras... e trabalhavam
essas mentes e medos a serviço dos "poderosos".
II
A Imprensa reprovamos a liderança maléfica de Hitler,
condenamos os 30 dinheiros de Judas, deploramos as loucuras de
imperadores romanos, julgamos insanos os terroristas, repudiamos
o arsenal atômico... Mas não avaliamos o que estamos
fazendo. E, como somos "os tais", não exercemos
autocrítica e, como somos ultraleves, hipersensíveis,
não aceitamos críticas. Se os mais autorizados a
fazerem isso (leitores, ouvintes, telespectadores) não
fazem, é porque está tudo certo, está tudo
bem.
III
Mudar o modo de fazer Imprensa é mudar o modo de sermos
pessoas e profissionais. Entretanto, antes de pregar que é
preciso ter vontade para transformar a sociedade, é indispensável
transformar a própria vontade, a individualidade. É
aí onde o que é osso (gente) e ofício (jornalismo)
se chocam.
IV
E assim caminha a desumanidade jornalística. Mas não
perdemos por esperar. Nossos juízes ainda estão
por nascer. Entretanto, é certo, o futuro vem aí.
Não tem quem escape dele. E, assim como julgamos o passado,
assim também seremos julgados. Verão como adornamos
e adoramos bezerros de ouro político, como inflacionamos
as trinta moedas no cometimento de traições diárias
contra o direito ao consumo e contra o dever de fornecimento de
produtos jornalísticos honestos, que engrandeçam
a quem faz e que orgulhem e satisfaçam a quem lê,
ouve e assiste.
V
Nesse futuro os estudiosos perceberão que havia um momento
cíclico, chamado de "Eleições",
quando tudo se modificava - ou que modificava tudo. Havia muitos
jornais, rádios e televisões (e as folhas de papel
e emissões gravadas comprovam), que uma hora se posicionavam
assim, outra hora assado. O que ontem eram críticas e ataques,
não mais que de repente tornavam-se elogios e "lambição".
Não havia qualquer esclarecimento, nas páginas ou
nas emissões eletrônicas, explicando a mudança
de atitude. Onde estava a verdade? Sob a cara limpa? Por debaixo
de panos? O dinheiro no fundo do bolso, a alma no fundo do poço.
VI
No futuro, os cientistas e estudiosos até se interrogarão
se muitos desses jornalistas e comunicadores não seriam
exemplares defeituosos, perdidos após algumas antigas e
secretas experiências para a fabricação de
andróides (robôs em forma de gente). Porque, como
se saberá no futuro, humanóides são iguais,
iguaizinhos aos seres humanos. Só não têm
moral.
Edmilson Sanches
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