Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
janeiro de 2002
Crônica no Apagão da praia
Dona Clélia, estamos sem luz!
Era o zelador, com cara constrangida, como se a culpa fosse dele.
Voltando da praia eu só queria um banho e mais uma cerveja
geladinha. Mas o jeito foi enfrentar.
Subi os 14 andares sentindo o coração bater daquele
jeito que dá vontade de parar e de continuar... deve haver
mesmo um certo prazer em sofrer.
Vencida essa etapa, chave na porta e a vista gostosa lá
de cima.
A cerveja ainda estava gelada, felizmente.
O banho também.
E então começou a magia.
Arranquei do armário o bule de café, meu único
apetrecho praiano de cozinha, enchi de água e sal e joguei
alguns fios de macarrão para cozinhar.
Minha empregada horista bateu na porta e olhou espantada:
Tu vai cozinhar?
Deu vontade.
Nunca cozinhei na vida, e é logico que qualquer tentativa
provoca indignados protestos das vítimas, meus filhos,
no caso.
Mas, eu estava só e ia comer macarrão. Mesmo porque
não tinha eletricidade e o microondas já era.
Vou fazer macarrão à putanesca, conhece?
Lourdes, que é baixinha e toda arredondada, com um nariz
arrebitado e cabelinho curtíssimo depositou seus olhos
castanhos sobre mim. Nunca tinhaouvido falar.
É macarrão de puta, como diz o nome.
Credo!
Descasca um alho e pega dois tomates, pra mim.
Abri a segunda cerveja e expliquei.
Quando chegavam cansadas, em Nápoles, o jeito era cozinhar
alguma coisa fácil, para comer e ir logo dormir.
Ah!
Cozido o macarrão, amarrei um pano de prato no bule e escorri
a água.
Nunca fiz desse jeito, ela disse. É a receita que
pede? Ou é por que não tem escorredor.
É por que não tem, claro.
Macarrão feito, coloquei num prato fundo.
E me dediquei ao molho, empreita que levou cerca de cinco minutos.
Na mesma panela coloquei azeite, o dente de alho e os tomates.
Deixei fritar, meio fascinada.
Pronto.
Para dar mais vida coloquei uma pimenta malagueta... e comi vorazmenteme!
Só senti ter feito tão pouco.
Esse foi o apagão na praia. Lá do último
andar os problemas do mundo ficam tão pequenininhos...
Clélia Romano
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