Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
maio de 2002
POLÍTICOS E CACHORROS
ão se preocupem com o título, nobres senhores políticos.
O de que aqui se fala é dos políticos que não
prestam e dos cachorros que prestam. Logo, não é
dos senhores que se fala. O próprio povo não sabe
porque ainda elege políticos que não prestam, mas
sabe o que realmente pensa deles. Vejam só um resumo do
que a grande, a grandíssima maioria do povo brasileiro
pensa de políticos que não prestam, segundo pesquisa
nacional publicada em encarte especial da revista "Época":
82% do povo acham que os políticos brasileiros são
preguiçosos, 71% acreditam que os políticos são
incompetentes, 88% crêem que os políticos são
injustos, 91% julgam que os políticos não são
de confiança, 82% têm os políticos como irresponsáveis,
87% consideram que os políticos são egoístas,
70% os acham autoritários, 64% intolerantes, 54% avaliam
os políticos como despreparados para o mundo moderno, 86%
da população também acham que os políticos
são insensíveis com as outras pessoas. E, numa só
palavra e em dois algarismos, 91% do povo qualificam os políticos
brasileiros como desonestos.
BARRO E BARALHO - Está faltando alma, está faltando
coração, está faltando honestidade de propósitos
para com o eleitor. Enquanto isso, está sobrando esperteza,
safadeza, corrupção, arrogância... Quem os
políticos que não prestam pensam que são
(além de serem imprestáveis)? A maneira como agem,
o teatro que fazem dão a idéia de que vocês,
por estarem vivos, e por serem "vivos", são imortais,
inatingíveis, impuníveis. Não. O mesmo barro
de que é feito João é feito José.
Como é que, na tela da televisão, nas ondas do rádio
e nas páginas dos jornais a cara é de santo e, nos,
bastidores, o chifre é de
cão, o bafo é de demônio, o rabo é
de Lúcifer? Chega de serem dois-em-um. Ou três. Ou
mais. Isso é para baralho e seres bifrontes da mitologia.
ALVARÁ E PATENTE - Com que autoridade os senhores dizem
que "isso é política, política é
assim"? Mostrem o alvará de licença que lhes
deu essa pretensão de se considerarem reis da cocada preta
em termos de fazer política com baixaria. Exibam a patente
onde vocês que não prestam registraram que o único
modo de fazer política é demonstrando santidade
na mídia e nas missas, nas missas e nas massas, nos palanques
e nos palcos e escondendo, por trás dos panos, quem realmente
são.
PODER E REVELAÇÃO - Alguém já disse
que, se quisermos conhecer realmente uma pessoa, devemos dar-lhe
poder. Entretanto, o poder não transforma a pessoa, apenas
revela quem na verdade ela é: uma pessoa escondida sob
anos de carências e ódios reprimidos, disfarçados
de virtudes que são fumaça, pois, no íntimo,
o verdadeiro incêndio está queimando, como fogo de
monturo.
ARMAS E ARMAÇÕES - As histórias de jornais
e os relatos de bastidores mostram a verdadeira natureza, a quantas
chegam os defeitos de caráter dos políticos que
não prestam, devidamente assessorados por profissionais
que, não se sabendo santos, explodem em malignidade. Esses
mesmos profissionais, fora do calor das campanhas, fazem um "mea
culpa" e, com uma ponta de satisfação, revelam
as farsas que elaboraram, os roteiros que escreveram, no sentido
da destruição. São especialistas em fezes
do espírito humano. Engendram e preparam e estocam "armas"
e "armações" que vão desde a denúncia
de que candidatos se prostituem, cometem adultério, espancam
familiares, traficam órgãos
humanos, seduzem no ambiente de trabalho, compram pessoas fracas
de consciência, negociam a mãe, vendem a alma, roubam
coisas, matam gente. Mais: ex-colaboradores são procurados
para abrirem o porta-malas do carro e mostrarem pilhas e quilos
de documentos, cópias que, asseguram, comprovariam desvios
de toda sorte, empregos-fantasmas, nomeações fraudulentas,
apropriações indébitas, prevaricação
administrativa, infrações criminosas e criminais.
FARSAS E FRAUDES - Que mundo é esse que chamam de "política"?
De que matéria são feitas gentes assim (inclusive
os tais "apoiadores") e que sociedade elas acham que
representam? Se jogam tão sujo, então essas gentes
não representam sociedade nenhuma. Representam somente
os próprios interesses e a "societas sceleris",
a sociedade de bandidos, de oportunistas e aproveitadores que
as rodeiam, igualmente interessados em não ver expostas
suas farsas e fraudes, fundos e fundilhos.
PERDER E PERDER-SE - A quem essas gentes pretendem enganar? A
derrota não é perder, é perder-se. Acham
que é filosofia? Todos os dias a Imprensa que não
está comprometida com os que não prestam divulga,
estampa, mostra gentes do mesmo naipe que tentam sair de debaixo
dos escombros da vergonha, da desonra e do crime, pois a casa
que construíram não tinha bases sólidas e,
finalmente, desabou. Ruiu. Desmoronou. Caiu. As pesquisas em todo
o mundo confirmam: onde a Imprensa não pode falar a verdade,
políticos são quase santos e a corrupção
não existe (embora seja sentida na pele pelo povo). Confiram-se
os dados da International Transparency.
ALGUNS E TODOS - Como é que se diz mesmo? Pode-se enganar
alguns durante algum tempo, mas não todos todo tempo. Cai.
Um dia a casa cai. Cai e afunda, até chegar ao nível
do esgoto, aliás, o lugar certo por onde haverão
de escorrer a lama da corrupção, o lodo dos relacionamentos
visguentos, o fedor dos arrotos de arrogância, os respingos
de podres perdigotos e o mau-cheiro da halitose verbal, das "conversinhas"
nojentas, vazias de substância e sentido e cheias de interesses
personalistas, que vão do fingimento sem freio até
a roubalheira desenfreada. Para os que não prestam e ainda
não caíram do cavalo, espera-se que, um dia, as
mãos dos que clamam justiça e qualidade de vida
puxem a cordão que dará a descarga e despejará,
entrando pelos canos da latrina política e chegando à
cela dos presídios, essa corja de fingidores que fazem
da política um circo, e do povo, palhaço.
COFRE E SACO - Quanto mais precisam roubar? É verdade
que o cofre do dinheiro é sem tampa e o saco de quem furta
é sem fundos? Nos municípios, nos Estados e no País,
o desperdício e a corrupção sem fim já
consumiam, no mínimo, 46 bilhões de dólares
em 1994. Pelo menos 18 formas de corrupção foram
mapeadas, numa tipologia que vai dos desvios diretos ao superfaturamento
de obras, passando por uma extensa nomenclatura de crime e vergonha,
um abecedário que forma um verdadeiro dicionário
de mau-caratismo e sem-vergonhice: acertos; comissões por
pagamentos feitos; intermediações; emendas; desapropriações
simuladas; reajustes de obras e serviços; influências;
eliminação ou redução de multas e
taxas, mediante pagamentos; medições de obras públicas;
conhecimento prévio de resultado de licitações;
cartas-convites cujo "endereço de destino" é
estranhamente freqüente; constituição de empresas
para mascarar compras; "aluguel" de testas-de-ferro;
concessão de quotas de emprego para "apoiadores";
facilitação de pagamentos; simulação
de serviços prestados; terceirização fraudulenta
de serviços (cooperativas e internações hospitalares,
entre outros)...
PAÍS E POVO - Há muito que se sabe porque, no Brasil,
certos Estados e incertos municípios não vão
pra frente com a velocidade e com a qualidade devidas. Não
é porque o País seja ruim; como diz a piada, é
a natureza do seu povo, na verdade, neste caso, o caráter
dos representantes do povo que não prestam. Será
que não há limites para a ganância e o peculato,
para a sanha criminosa desses devoradores do dinheiro público?
Por que eles riem, afinal? De quem?
DICIONÁRIO E PENITENCIÁRIA - A definição
de peculato é triste: "Delito praticado pelo funcionário
público que, tendo, em razão do cargo, a posse de
dinheiro, valor, ou qualquer outro móvel, público
ou particular, deles se apropria, ou os desvia, em proveito próprio
ou alheio, ou que, embora não tenha posse desses bens,
os subtrai ou concorre para que sejam subtraídos, usando
das facilidades que seu cargo proporciona". Só falta
é sair do dicionário para a penitenciária.
BANDIDOS POLÍTICOS E POLÍTICOS BANDIDOS - Será
que vai chegar o tempo em que, na expressão de José
Duarte Ramalho Ortigão, jornalista e escritor português
(1836-1915), no seu livro "Últimas Farpas", se
poderá contemplar "a ilibada e inconcussa pureza de
cada um"? Espera-se que, nesse dia (quando, afora a memória,
não restarem nem os miasmas nem os ossos dos bandidos políticos
e dos políticos bandidos), possam as gerações
que hão de vir testemunhar o que contém as palavras
de Ramalho Ortigão, onde declara-se estar "definitivamente
rasgado o antigo véu da hipocrisia que, sob o nefando regime
extinto, encobria os peculatos, os subornos, as depredações
e as tranquibérnias do governo (...)".
IMPRENSA E DINHEIRO - É bom, quanto a isso, não
alimentar falsas expectativas nem exageradas angústias.
Neste e nos demais anos, os políticos (e seus assessores)
que não prestam continuarão fazendo o que eles rotulam
de "política" (com "p" minúsculo
mesmo): espalhando intrigas, disseminando falsidades, destilando
venenos, armando situações, forjando atores, falsificando
autores, faturando mentiras, mentindo com fatos, ante o beneplácito
de uma Imprensa que, piormente no interior do País, é
vilmente atada e manietada por necessidades financeiras (embora,
no fundo, e nas conversas reservadas, jornalistas exponham o real
conceito que têm daquelas personagens e personalidades feitas
apenas de celulose e tinta).
CÃES E POLÍTICOS - É por essas e outras,
leitor, que não é de estranhar a opção:
entre certos cães e incertos políticos, muitos preferem
os primeiros. Os cachorros, afinal, até dão a vida
para salvar seu dono. Os políticos, ao contrário,
chegam a tirar a vida (dos outros) para salvarem a si mesmos.
Edmilson Sanches
|