Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
março de 2002
Um travesseiro pra dois
Lençóis alisados, travesseiros arrumados, edredon
preparado e ar condicionado ligado - tudo pronto pra uma agradável
noite de sono. Vou rapidamente escovar os dentes, sentindo aquele
calor irritante de uma noite de verão e, sorrindo, apago
a luz do quarto, pronta pra me jogar na cama. Um pressentimento
me faz ligar a luz novamente e olhar pra cama. Mas o que vejo
não é preocupante - é só o cachorro,
confortavelmente instalado no meu travesseiro. Vou até
lá e o coloco na cama, apago a luz e... volto a acender.
O cachorro voltou para o travesseiro e, agora, leva uma bronca,
além de ser colocado no chão. Apago a luz e... volto
a acender. O travesseiro está vazio - o cachorro, dessa
vez, deitou no meio da cama, bem juntinho ao travesseiro. Apago
a luz e vou rapidamente pra cama mas, antes de deitar, tateio,
procurando o cachorro. Quando o encontro, empurro-o para o lado
e ocupo meu lugar, antes que ele o faça.
No meio da noite, sinto minha cabeça escorregar do travesseiro
e tateio, procurando me situar - encontro meio corpo de cachorro,
empurro e me ajeito. Algumas horas depois, sinto minha cabeça
novamente escorregando e, perto do meu nariz, alguns pelos, tão
próximos, que chegam a fazer cócegas. De olhos abertos
e quietinha, fico no escuro, esperando a próxima jogada
do espertinho que deseja ocupar meu travesseiro. A tática
é simples, ele vem de ré, deita, dá umas
reboladinhas empurrando minha cabeça, deita, dá
outras reboladinhas, sempre me empurrando e, aos pouquinhos, vai
me tirando da jogada.
Tentando ser esperta, escolho um travesseiro macio e o coloco
deitadinho sobre ele. Com ar de desprezo, ele cheira o travesseiro
sem uso, faz aquela encenação de cachorro cavando
um buraco, deita, rebola e... abandona o travesseiro. Tentando
ser mais esperta, resolvo lhe dar um travesseiro com cheiro de
usado. Pego o travesseiro que estava usando, dou pra ele e fico
com o novo travesseiro. A tática funcionou por uns quinze
minutos e, voltei a dividir meu travesseiro, com o espertinho.
Só que, cansada, passei meu braço sobre o seu corpo
e adormeci.
Assim que o dia começou a clarear, meu companheiro ficou
impaciente, querendo sair do quarto. Com medo de levar uma lambida
na cara, abri um pouquinho os olhos e, lá estava ele, de
prontidão, olhando pra mim. Assim que me percebeu acordando,
abanou o pequeno rabo o mais que pode e, como não podia
lamber meu rosto, começou a rodar em volta da minha cabeça,
cheirando meus cabelos. Abri a porta do quarto e deixei-o sair.
Uma alma generosa o alimentou e, logo depois, ele já estava
arranhando a porta pra entrar. Quando conseguiu, veio direto para
o meu travesseiro.
Levantei com a sensação de noite mal dormida e,
penso que, meu companheiro,
também teve seu sono atrapalhado pela minha cabeça
pois, durante o dia, enquanto eu trabalhava, ele dormiu sozinho,
no nosso travesseiro.
Lenise Resende
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