Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em  março de 2002


Dia dela

Por que só hoje lembram dela?
Um dia só para ela
Não faz o amor entrar pela janela
Nem enche a panela

Mas já que hoje é dela o dia
Que brilhe a luz no poema que escrevia
Para quem ela mais queria

Que brilhe luz sobre sua moradia
Que ela durma o sono dos justos
Que amanheça sem sustos
E que todos os dias sejam seus
Estes são os votos meus

Álvaro Alípio Lopes Domingues


Aflora a vida

As conchas do mar guardam preciosa vida em seu interior. Quando molestadas
fisicamente, desenvolvem glóbulos brilhantes que adornarão vaidades que se esquecem da preciosidade daquela vida anterior.

Ao ser concebida, a vida pode ser entendida como a mais terrível das doenças, pois seu envelhecimento é constante e sua morte inevitável.

Ou pode ser encarada como a confirmação da própria existência na imensidão da eternidade. Uma dádiva perene do universo.

Ela está à sua disposição. Usá-la com sabedoria é o que difere o sujeito do verbo da ação. Ela é parte do todo. Única e própria. Na curva do tempo ocupa espaço individual. Não é semente do bem nem do mal. É apenas fruto sem igual.

Entre o céu e a terra há um glorioso animal. É a mulher. Gera vida em seu
interior e no espelho do milagre universal é o reflexo de seu toque final.

Sem a mulher não há vida humana. Nem ela nem o homem, seu parceiro na concepção da alma como objetivo existencial.

Não há dia a glorificar-lhe. Nem há data a exaltá-la. É parte indispensável da vida. É existência querida que ao amor dá guarida.

É o sol que ilumina mansamente todos os prazeres. Que beija seu rebento e o protege do homem que teima em esquecê-lo aos dissabores do vento.

É a inteligência que presa ao fio pendular dá ritmo ao mundo com sua sensibilidade peculiar. É a gota de chuva que molha o solo no momento da seca pela falta de paz secular.

É a alma incandescente que ilumina todos os caminhos e leva a chama da liberdade a todos os povos com seu amor fraterno e maternal.

É a condução firme do leme na escuna que molha de encanto o toque do cinzel que imprime beleza em todos os encontros sensuais.

Ela é o pulso que determina o rumo das marchas dos excluídos sociais em busca de um pedaço de chão para o plantio do milho e do trigo que os livrará dos grilhões infernais.

Ela é a mulher de todo ano. A dona da vida. Que é amada, odiada, querida, afastada, pressionada, subjugada e que se sujeita - infelizmente - a comemorar um dia como sua data oferecida.

Mal sabe o poder que tem nas mãos. Pode ser a condução dos ditames mundiais na divisão com o homem que se preocupa apenas em ter, enquanto tem ela o equilíbrio de saber que mais vale o ser.

É ela que aflora vida como salvação da fauna e a da flora no sonho que sustenta as mais belas utopias. Mas também pode ser a rainha perseguida e decapitada na exploração das mais loucas fantasias sexuais.

Chega de mansinho e se aloja no peito do homem como broche de coração, para em seguida prendê-lo entre as pernas como prazer suado de ocasião.

Deita-se ao lado do macho como mulher em oração, quando o quer abraçado em seu corpo a chamando de louco tesão.

Perdoe-me se a injuriei, mas a tenho na mais alta conta. A quero como flor perfumada. Na poesia o pecado lindo que sempre amarei.

Saiba que o mundo vive por seu sorriso. Pegue-o em suas mãos e o embale antes que de tristeza morra. Ferido está. Sangra em dor lancinante.

Não há dia a glorificar-lhe. Nem há data a exaltá-la. Isso é hipocrisia de homem. Não mais aceite nossa condição imposta. Somos iguais com nossas mais belas particularidades. Desiguais, por dádivas celestiais.

Com meus respeitos! Profundos e poéticos.

Douglas Mondo

 


Fé cega

Mulher, que tens a força, a paixão, a coragem
constantemente desafiada,
seja a tua fé cega
na faca do amor afiada.

Mulher! Mãe, amiga, irmã, companheira...
que o chão de tua lavra
seja fértil sementeira.
Seja o fruto de tua árvore
feliz pela vida inteira.

Pelas cantigas de amor
com que os filhos acalentas,
pelas palavras de força,
com que nos consolas
nas tormentas
abençoado seja o teu ventre
e seja o teu dia - Sempre!

Esther Torinho

 

Para todas as mulheres do mundo

Os olhos do velho homem
fecham
imagens de rostos femininos dançam
e se misturam aos fantasmas infantis
com o vento sussurrando nomes

os olhos velhos do homem
vai seguindo as meninas em uniformes escolares
com grandes gargalhadas
e gestos largos
andam em bandos
como aves que voam em estranhas formações

os homens de olhos velhos
como garotos

descobrem as formas femininas
investigam
procuram
novos gostos
novos cheiros
os corpos

os homens de olhos velhos
não entendem nada da alma
não conhecem esses mistérios
essas Luas
as fases
as marés
e são como meninos indefesos
diante de tanta grandeza.

Flávio Machado

 

Hoje
sou todas as mulheres do mundo:
princesa, trapezista
rude camponesa
balconista, bailarina
feiticeira, lânguida heroína
ou melhor ainda
megera.

Nunca fui tão linda!

Hoje
eu sou a mocinha
que você beija
— apaixonadamente —
antes que a palavra fim
apareça na tela.

Márcia Maia

 

Alisa o colchão, e assustada, encontra o próprio corpo encolhido. Ao lado,
um vazio insuportável. Uma falta medonha; a mesma que, toda noite, a faz
deitar-se espremida contra a parede.

— Mã?...
— Humm...
— Tô com fome...

Cinco e meia da manhã e ela, levemente arranhada pelas horas mal dormidas, pula da cama, alimenta a criança, recolhe a roupa, passa batom e se veste de luta.

Um último olhar para dentro do quarto. O leito (re) feito e na cara, ah,... sim, um sorriso escancarado de quem não tem tempo pra chorar de saudade.

***

Às amigas e companheiras,

muito tempo antes que ocorresse a tragédia que vitimou 129 operárias americanas, grupos de mulheres já se organizavam em torno da causa feminista. Foi preciso, porém que algo de terrível acontecesse para que todos os olhos do mundo se voltassem para o universo feminino.
De lá para cá, a luta para que a mulher goze dos mesmos direitos que o homem, direitos esses que, diga-se de passagem, deveriam ter todos os seres humanos, intensificou-se de tal forma que hoje é absolutamente impossível e irracional alegar desconhecimento dos avanços e transformações advindos de tantos anos de árdua batalha.
Os Direitos da Mulher são Direitos Humanos.
O Brasil é signatário de tratados internacionais de combate e erradicação à violência contra a mulher, portanto não podemos aceitar qualquer forma de violência a pretexto de desconhecimento legal.
A Constituição Brasileira garante à mulher direitos e obrigações iguais aos do homem, depende portanto de nós que esses direitos prevaleçam sobre quaisquer formas de discriminação.
E depende, acima de tudo, somente de nós, que aquelas que não disponham dos mesmos recursos e conhecimentos, tenham acesso às informações sobre seus próprios direitos.
Todas as mulheres, independente de cor, credo e condição econômica, estão juntas no mesmo barco: de ideais e de vida.
O Dia 08 de março reporta, sim, a uma história triste, mas nos leva à reflexão, à vontade de permanecermos firmes, por piores que sejam as condições do vento.
O Dia Internacional da Mulher dura o ano inteiro através da nossa luta, do nosso trabalho, da nossa inesgotável capacidade para o amor e, principalmente, através das cores sempre vivas da sensibilidade que nos é natural.
A todas as amigas, companheiras, mulheres que todos os dias enfrentam esta luta, que colorem seus corpos da cor da esperança, o meu mais profundo carinho, respeito e admiração.

Mariza Lourenço