Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em
março de 2002
Mágoa é uma ferida
Será que algum dia saberemos ou poderemos definir a mágoa?
Ela acontece desde que nascemos. É uma palavra, um gesto
e tudo se desencadeia de modo a deixar uma ferida que pode ter
tamanhos diversos. A mágoa não é raiva. É
algo que machuca realmente e sentimos como se estivesse no coração.
Não posso esquecer jamais uma amiga que um dia, tendo brigado
com a família assim me falou:
Está doendo, muito. Parece que é aqui (ela
apontava para o próprio coração).
Em muitas ocasiões na infância quando ainda não
se sabe explicar o que causou esse sentimento tão complexo,
quando as lágrimas rolam sem explicação e
a garganta dói tamanho é o nó que a intercepta
impedindo até de engolir, as crianças se assustam
pelo mal que não compreendem.
Na dificuldade dos dias de hoje, em que as pessoas em geral
não se preocupam com quem está ao lado, que respondem
de forma indiferente a qualquer apelo ou pergunta e que dentro
da própria família mal entendem o que o outro está
sentindo ou passando, a mágoa se tornou um prognóstico
constante e nada otimista.
Diversas vezes confundimos mágoa com raiva. E essas duas
sensações podem à primeira vista ser semelhantes
mas absolutamente não significam a mesma coisa. A raiva
não cabe dentro da mágoa que é por si só
um sentimento que provém da afeição não
compreendida ou tratada de forma inadequada. Mas assim como
uma gripe não recuperada pode se transformar em pneumonia
ela pode se não identificada ou diagnosticada transformar-se
em algo crônico e doentio.
Não posso esquecer de um grande amigo que em determinada
época de sua vida estava ansioso e infeliz. A mulher o
havia deixado e ele sabia que com razão.Muitas vezes eu
o vira magoá-la e ficava triste porque era uma mulher fantástica,
suave e linda. Magoada, ela resolveu sair de sua vida e encontrou
um grande amor.
Luciana estava ferida com a ânsia que lhe contornou a
vida no tempo que vivia com Roberto. E ela me disse que antes
que se transformasse em outro sentimento menos nobre prefiria
se afastar. Realmente o fez e abriu seu coração
encontrando alguém que lhe deu o valor merecido. O meu
amigo não se conformou. Teve um
ódio surdo que chamava de mágoa e prosseguiu muito
tempo com isso no coração. A ponto de estragar sua
vida pessoal e profissional e querer se separar de todas as pessoas
que continuavam amigas de Luciana.
Aí está a diferença. A de Luciana era uma
ferida que acabou cicatrizando e a de Roberto já começou
como um tumor maligno que corroeu, estragou e amargurou sua vida
de uma forma progressiva e célere. Danificou as raízes
de seus mais profundos sentimentos e tornou sua vida um tormento
para ele e para as pessoas com as quais convivia.
Mágoa é uma ferida. Que pode lentamente cicatrizar
e ficar insensível ao toque ou tomar proporções
gigantescas, difícil de um tratamento efetivo e recuperador.
E compete nesses casos ao seu portador avaliar o seu estado e
saber procurar o socorro adequado que trará o alívio
necessário e tranqüilizador.
Mágoa é uma ferida. Não aprofundemos a
sua dolorosa progressão.
Vânia Moreira Diniz
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