Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em  dezembro de 2001

O Punhal

Prólogo

A lâmina não media mais que vinte centímetros. Era de um aço forjado pelo círculo traçado pelo velho cajado. Um círculo tênue riscado pela alma do líder a reverenciar um deus de barro.

E a mão pesada cravou o metal nas costas do homem de pele escura. O vermelho
pintou a tela negra com imagens de dor e sacrifício. O Filho do homem era negro. A ovelha era negra. Por isso devia morrer.

Não era um ritual de morte. Era a celebração da vida e a redenção dos pecados. O homem negro morreu para nos salvar.

Do homem nasce o homem. Impuro como a noite. Sua morte redime os filhos de Deus e o sol a brilhar em raios de amor faz crescer as verdes pastagens. E as lãs das brancas ovelhas aquecem os puros nas longas noites de inverno.

Deus salve o homem negro, que morreu para nos salvar!

Corpo Legal

E o Rei Hammurabi codificou as Letras Legais para que os fortes não oprimissem os fracos.

— "Trago Justiça ao órfão e à viúva!"

Um sábio entre os reis. E o mundo mudou.

A benção foi dada aos homens de boa vontade e todos se tornaram iguais perante a Lei. Sem distinção de sexo, raça ou credo.

O homem não mais imolou outro homem. Todas as ovelhas pastam em solo sagrado. Viva o planeta Terra!

E o homem libertou-se das amarras da ignorância e voou livre nas asas da inteligência. A pedra do preconceito não mais o prende no calabouço da intolerância, nem nas masmorras dos vícios.

O homem libertou-se do homem. Navega por mares de igualdade e fraternidade.

Somos todos irmãos! O homem é a face de Deus! Viva o homem!

Epílogo

A elaboração intelectual não media mais que alguns pensamentos. O plano era perfeito. O arquétipo era novo. O líder estava acima dos homens. Era um homem de alma divina.

E a mensagem cravou firme nas cabeças dos pobres homens. O negro da mente
coletiva manchou de vermelho o sonho de igualdade. A imagem da liberdade era falsa.

O líder era um deus de barro. Os rituais pregavam a vida e nas sombras esperavam a morte. O ano era certo e o dia era esperado. A profecia era seu credo.

Esse era o conhecimento. O conhecimento sobre a morte.

Do homem nasce o homem. Branco como o dia. Negro como a noite. Não há dia sem noite. Não há noite sem dia.

O homem santo morreu para nos salvar. Sua morte redime os filhos de Deus e o sol a brilhar em raios de amor faz crescer as verdes pastagens. E as lãs das ovelhas, brancas e negras, aquecem os puros nas longas noites de inverno.

Sabedoria

A lâmina não media mais que vinte centímetros. Era de um aço forjado pelo círculo traçado pelo velho cajado. Um círculo tênue riscado pela alma do líder a reverenciar um deus de barro.

Nunca siga um deus de barro. Ele se desmancha sob as chuvas de março. Ela é divina. Traz sabedoria. Banhe-se nas águas de março.

Douglas Mondo