Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em  dezembro de 2001


Jezebel (*)

Em óleo e sal mergulhou a criança, chamando-a: Maria. Delírios de mulher-dama que para a filha desejava a santidade em vida. Mas de nada adiantou que aquele corpo cobrissem de panos, tão pouco ordenar que de Davi recitasse os cânticos. Ao sangue, ainda ralo, já se lhe enfiara a teimosia e tal e qual Jezebel o faria, mastigava entre os dentes o pulsar desesperado de um coração em permanente orgia.
E Maria virou "Betedeivis", homenagem ao confessor estrangeiro que, tentado, segredara-lhe um dia:
— Filha, tens os olhos da artista...
Se é verdade que do destino ninguém foge, deu cabo, a quenga, da própria sina: pariu, com fartura, seus amores e, escandalosa, chorou suas dores. A ela, outra vida nunca coube, senão aquela que escolhera: a de ser livre - mesmo na tristeza - feito asas de borboleta.
E quando lhe perguntavam se daquela lida não deixava, um brilho manso, dos belos olhos se apossava: sonho descarnado de puta antiga em se vestir de noiva para, em maio, quem sabe, se casar com Henry Fonda.

Mariza Lourenço

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(*) Prosa inspirada no poema "Missa" de Antoniel Campos