Textos veiculados na lista "Amigos de Blocos" em  julho de 2001

O Grande Desafio

Todos nós temos noção dos diferentes "Brasis" que compõem o nosso grande
país. Temos noção das diferenças sociais, culturais, econômicas etc e o
grande desafio é como administrá-lo com todas essas variáveis dentro de
limites mínimos de ética e responsabilidade cívica.

Já foi o tempo das discussões ideológicas trazerem em seu bojo apenas
conceitos de direta ou esquerda e por isso, apenas por isso, serem
descartadas através de pré-conceitos firmados ao logo do tempo.

Hoje a grande discussão passa ao largo da mesquinharia ideológica e há que
se afirmar que alcançar o poder alicerçado em mecanismos ultrapassados
apenas perpetua o jogo maléfico dos que o detém e o utilizam sob a forma a
lhes garantir o "status quo" vigente, por esse ou aquele motivo.

Todos nós sabemos, também, das necessidades de reformas políticas que
determinem que a representatividade seja a realidade entre o mandato
político do eleito para com seus eleitores e ao mesmo tempo haja mecanismo
de punição aos que se afastarem dos programas partidários e dos compromissos
assumidos em praças públicas.

Sabemos, ainda, das necessidades de reformulação do nosso sistema tributário
para que a finalidade do Estado de arrecadar receitas e distribuí-las sob a
forma de serviços essenciais à população seja cada vez mais justo, dando
sentido humanitário à expressão: "divisão do bem comum".

Sabemos, finalmente, das necessidades de todas as reformas do nosso sistema
securitário e de aposentadoria; da nossa administração pública; da
manutenção e salvaguarda dos nossos recursos naturais etc...etc, e não
promovê-las é pactuar com omissão cívica e nem é possível morrer em berço
esplêndido, pois saber e não agir é a mesma coisa que se acovardar.

E a grande questão é: como fazer, dentro dos limites da legalidade, justiça
e ética moral?

É um grande erro achar que através da força é possível igualar as nossas
diferenças culturais, diminuir nossas desigualdades sociais e ao mesmo tempo
livrar nosso país do ataque predatório do capital externo que nos quer
consumir como produto de quintal à disposição da fome estrangeira.

Historicamente sabemos que direito enquanto avanço social não se doa nem se
transfere por "graça vontade", se conquista.

A conquista do poder através dos mecanismos existentes para efetuar as
mudanças necessárias passa pelos partidos políticos de oposição ou pela
criação de novo partido, conscientização e sedução do eleitor e finalmente
possuir bancada suficiente no congresso para efetuá-las.

Conquistar, ainda, prefeituras e governos estaduais para implementar as
mudanças havidas e se possível através da presidência da república para que
o quadro se complete.

De acordo com todas as variáveis já citadas e as necessidades financeiras
estimadas em milhões e milhões de dólares para chegar ao poder, sem qualquer
pessimismo, pode-se afirmar que através de novo partido seria necessário no
mínimo 50 anos para que tal sonho se concretizasse.

Isso não impede que o sonho de ver um país melhor e mais justo não possa ser
concretizado em menor espaço de tempo.

É possível utilizando-se os mecanismos existentes, juntamente com idéias
novas, perseverança e disciplina tática.

A Constituição da República Federativa do Brasil, através de seu artigo 5º,
inciso XVII, dá poderes para que cidadãos possam se unir em Organizações Não
Governamentais e com objetivos claros e definidos, desde que a lei não
proíba, interagir e interferir nas coisas do Estado para que tais mudanças
aconteçam.

Desde que a lei não proíba, é possível fazer tudo aquilo que a mente
imaginar e desenvolver no sentido do Estado não ser apenas um ente abstrato
e distante, mas sim verdadeiramente um elo de ligação político entre a
riqueza, o capital e uma melhor qualidade de vida para o povo brasileiro.

Sendo administrado por pessoas, respondem elas pelas regras jurídicas e
políticas existentes e se a resposta a essas regras não é atualmente o
ideal, é porquê a aceitação está diretamente ligada ao conceito de liberdade
e interferências nas coisas do Estado.

Quanto menor o conceito de ética social a ser o mote de ligação entre as
pessoas, maior a necessidade de um Estado forte a lhes garantir uma
estabilidade de convivência e quanto maior esse conceito, menor a
interferência do Estado na distribuição do bem comum.

De acordo com os mecanismos jurídicos e políticos existentes, mesmo ainda
não sendo ideais, é possível desenvolver um trabalho de interação e
interferência nas coisas do Estado de modo a que haja uma melhor
distribuição de renda e punição dos responsáveis pelos desvios de finalidade
e também quanto ao dolo por eles praticados contra os interesses da
administração pública e do bem comum.

Para exemplificar e não ficar apenas no campo das idéias, O Brasil tem uma
população estimada pela ONU em torno de 30 milhões de pessoas vivendo abaixo
da linha da miséria.

Essa população - diariamente atingida também pelos apelos da sociedade de
consumo - necessita, além do mínimo para sobreviver, consumir bens que o
restante da sociedade consome, principalmente pelos jovens dela excluídos.

Os traficantes de drogas há muito isso percebendo, passaram ao longo do
tempo a utilizar essa mão-de-obra oferecendo um ganho mensal que tais jovens
jamais podem receber por um trabalho dentro do mercado formal brasileiro.

Além do mais a punição que é imposta aos menores está sempre de acordo com a
estrutura do próprio Estado quanto ao crime por eles praticados e nunca isso
se estende aos empresários traficantes.

Quando esses menores atingem a maioridade, os que sobreviverem, se tornam
assaltantes, homicidas etc, dado o convívio com a criminalidade havida até
então e não mais haverá a recuperação para a vida em sociedade.

Enquanto isso o mercado de drogas não sofre solução de continuidade, já que
o número de menores carentes é suficiente para fornecer mão-de-obra para
muito e muito tempo.

A solução para tal grave problema não pode passar pelo assistencialismo ou
qualquer meio paternalista advindo do Estado, mas sim da interação entre
pessoas e o próprio Estado, de maneira tal que esses menores em situação de
risco possam ser reintegrados à sociedade com estudo e trabalho.

Em função disso foi criado em Jundiaí, Estado de São Paulo, um programa de
reintegração desses menores à sociedade demonstrando que através de ações
interligadas e parcerias entre entidades privadas e instituições
governamentais, foi possível diminuir a exclusão social com a utilização de
mão-de-obra para o mercado formal de trabalho.

Através da Consolidação das Leis do Trabalho buscou-se na figura do
"Aprendiz" um mecanismo de interação e interligação, sob o comando do
Conselho de Segurança da cidade, que é uma ONG, com o Ministério do
Trabalho; com o Núcleo Contra a Exploração do Trabalho Infantil; com o
Senac; com o Senai; com a Associação dos Comerciantes; com a Associação dos
Panificadores; com a Ciesp/Fiesp; com a Secretaria de Estado da Educação;
com a Prefeitura Municipal; com o Promotor e Juiz da Infância e Juventude
etc, no sentido da reintegração noticiada.

A CLT determina que toda empresa de meios de produção, comércio ou prestação
de serviços contrate um aprendiz para cada grupo de dez funcionários.

Os menores em situação de risco social foram cadastrados pela prefeitura
municipal e contatados juntamente com suas famílias para que integrassem o
programa.

Cumpre salientar que ditas famílias não fazem parte do modelo
tradicionalmente conhecido com pai, mãe e filhos, mas sim são mães solteiras
ou sozinhas com seis ou sete filhos, de pais diferentes e vivendo na mais
extrema miséria, com a utilização desses menores como mão-de-obra na maioria
das vezes ilegalmente para o sustento da "família".

Foi necessário inclusive desenvolver um programa paralelo de renda mínima
para essas famílias para poder reintegrar os menores ao mercado formal de
trabalho junto ao primeiro emprego, já que nas ruas os ganhos superam em
muito o salário agora recebido legalmente.

Alem do mais, superar o preconceito das pessoas envolvidas quanto à dar
oportunidade à esses jovens e dos comerciantes quanto à utilização dessa
mão-de-obra foi talvez a parte mais difícil do programa, já que menor
carente se quer ver ao longe. No máximo a sociedade burguesa pode dar uma
esmola em uma esquina qualquer para se livrar do incômodo da abordagem.

O menor carente é feio e incomoda. Não é alto, loiro, nem tem olhos azuis.

Após um ano de extenso trabalho de convencimento e organização do programa,
começou a ser implantado no segundo semestre de 1999 com pouco mais de 10
menores com estudo junto ao Senac e trabalho junto ao comércio local.

Os menores acima de 14 anos em situação de risco social estudam 4 horas no
senac em matérias como contabilidade, vendas, informática, interação social
etc e 4 horas trabalham no comércio local, já devidamente registrados em
suas CTPS desde o primeiro dia, com direito ao INSS, FGTS etc.

No ano de 2.000 uniu-se ao projeto a Ciesp/Fiesp e a Associação dos panificadores, sendo montada uma padaria junto ao Senai e lá os menores aprendem o ofício de padeiro e confeiteiro e trabalham nas padarias durante o segundo período.

Em dezembro de 2.000 foi editada a Lei 10.097 que em função do programa o regulamentou, passando a exigir que todas as empresas brasileiras tenham em seus quadros de trabalho um menor aprendiz para cada grupo de 5 a 15 funcionários, dependendo de seu porte e o horário entre estudo e trabalham não possa passar de 6 horas diárias.

Convém salientar que à noite os menores estudam junto ao ensino fundamental.

Com isso temos hoje no programa em torno de 300 menores e certamente haverá no futuro um número menor de jundiaienses que viverão ao sabor da marginalidade e ao serviço do tráfico de drogas.

No mês de julho do corrente ano a cidade de Mogi Guaçu, no interior do Estado de São Paulo também lançou o programa Sorriso Contente - Adote um Adolescente, nas mesmas bases e com as mesmas parcerias.

Essa é uma ação pura de política do Terceiro Setor. Sem assistencialismo nem paternalismo, apenas ação prática em prol da sociedade organizada politicamente.

Isso modifica a sociedade, já que as ações de todos estão voltadas para toda a comunidade, sem "estrelismo" nem sob o jugo de qualquer partido político, ou dessa ou aquela administração pública. São pessoas cuidando de pessoas.

Esse pequeno exemplo demonstra, à saciedade, que é possível mudar o país e fazer com que paralelamente enquanto se busca alcançar o poder através da política tradicional partidária, desenvolver projetos e programas de interação e interferência nas coisas do Estado de maneira a que a distribuição do bem comum seja mais justa e igualitária.

Com inteligência e perseverança é possível a criação de uma ONG dividida entre grupos de trabalho, por todo o país, com o intuito de desenvolver um programa de interação entre pessoas de bem e interferência junto ao Estado para que possa haver uma fiscalização em suas atividades administrativas e políticas no sentido de otimização dos recursos públicos e que estejam verdadeiramente a serviço da população brasileira.

Há hoje em dia um mecanismo e veículo de informação que se chama Internet que pode unir as pessoas mesmo residindo nos mais distantes pontos do país para que tais trabalhos possam ser desenvolvidos simultaneamente com resultados práticos de modo a atingir os objetivos anteriormente estipulados.

Desta maneira o grande desafio está colocado há tempos, mas superá-lo e tornar este país verdadeiramente justo e unicamente dos brasileiros é tarefa que vai além do simples inconformismo ou da mera indignação cívica, necessita de novas idéias e a utilização dos meios mais modernos existentes, já que ou aprendemos a pensar ou vamos continuar fazendo parte grande massa da população brasileira: onde é mesmo que coloco meu "xis"?

Pensar e agir dentro dos limites constitucionais, armas que devemos utilizar na defesa de nossa pátria, de nosso povo e de nossas riquezas naturais, como brasileiros defensores de uma verdadeira democracia participativa.

Douglas Mondo