CINEMA na literaturalogotipo

MUNDO CÃO

O brasileiro está com a “pulga atrás da orelha” sobre os seus direitos de segurança e privacidade, e todos os cidadãos brasileiros têm uma ameaça concreta pesando sobre a liberdade. Nem todos, porém, sabem o que está ocorrendo. Sempre existiu a tendência sobre o aumento crescente de marginais no Brasil, que espelha o desequilíbrio e a doença social. Assim, fica fácil atacar os efeitos dos problemas sociais e não as suas causas efetivas. Ligo para algumas pessoas, encontro outras. Pergunto o que acham da situação caótica da violência, no que se refere ao “inchaço populacional”, depois de ler “Cidade de Deus” de Paulo Lins. Não são poucos os que se indagam sobre a infra-estrutura da Polícia (guardas e carcereiros devidamente preparados, além de armas e equipamentos de segurança dos mais modernos) e todo operacional bem remunerado. Por outro lado, o doente social está mais bem informado e organizado, utilizando estratégia para o delito, principalmente, o de alta periculosidade, provindo dos grandes centros.
Levanto alguns pontos dos véus negros que costumam cobrir essas engrenagens emperradas do poder. São as conseqüências reais e terríveis que muitos políticos, empresários e pessoas comuns desprezam, porque seus familiares não foram ainda seqüestrados, humilhados e torturados. A fome de pão e de aconchego leva o Homem aos impulsos animalescos da sobrevivência, retrato da “indústria da carência”. Vivemos num país que empobrece pela falta de incentivos, crescendo no nível populacional, conseqüentemente, faltando mais opção de emprego e salário compatível com a função. Isto é o contraste dos opostos, um absurdo universo kafkiano!
E vejo no livro e no filme “Cidade de Deus” uma situação profundamente contraditória: se a função do Estado é garantir a segurança em nome da comunidade, essa tarefa deve ser praticada e garantida pelo poder público, pois pagamos religiosamente nossos impostos. Intolerável, acima de tudo, é a violência do silêncio e do medo. Trata-se de “barris de pólvora”, pois, explodiram nas ruas, por acúmulo de problemas sociais e econômicos! A reação do brasileiro tem sido a passiva perplexidade. País de fortes tradições católicas parece haver um consenso que leva a dar atenção ao que sofre, mais para telespectador, ou, confortá-lo com a nossa piedade.
 Alguma coisa precisa ser feita, que amenize essa escala de violência que começa com um “toque de recolher” e termina com o assassinato coercitivo para impor o medo do “mais forte”, de falanges contidas na posse exclusiva do corpo, e dos pensamentos de “seus vizinhos”. A violência não é uma deformação da sociedade brasileira subdesenvolvida, é um problema mundial que chega a assustar os países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha e Suíça. Diga-se isto assustado, com temeridade, porque se sucedem casos e mais casos de violência social ante os olhos atônitos das Delegacias: de Polícia e da Mulher, até promotores, juízes, deputados e, porque a haver um crescendo que liga esses diversos estágios da violência urbana. Um crescendo sinistro, compulsivo. É preciso gritar que “quem se alimenta bem, estuda e trabalha não mata”, e “quem cala, consente”. No caminho desfilam mais nomes de pessoas tristemente assassinadas, apenas porque são apenas um número na identidade. Quantas? Quantas mais terão morrido no esquecimento e no silêncio que compactua.
Todas reclamam pelas ruas do Brasil. No fundo, em protesto, contra esses graus diversos de violência que atinge tantas, que transformam pessoas em deprimentes realidades humanas, vítimas do sentimento de posse, objetos do falso senso de propriedade, sacos de pancada de mal dirigidas frustrações. Objetos da miséria social, sexual que as oprime, da exploração que nos suga a todos - homens e mulheres - e da falta de educação que as torna bode expiatório por excelência.
“Cidade de Deus” é um grito de alerta, impressionado pela “lei da selva” e a falta de perspectiva, às vezes, inspirado pela chamada de consciência que o livro e o filme, de Paulo Lins, faz ao público, por seu domínio desimpedido da linguagem simples, recheada de gírias e palavrões do submundo brasileiro. Seu romance-reportagem faz o romancista maior do regime democrático. E pela marca que deixa, um texto cinematográfico e cruel, repleto de personagens pungentes, que denunciam a miséria, o desamor, a corrupção, a exploração e a fome. O senso comum diz que a arte engajada, caracterizada como romântica, por outro como utópica ou ideológica, seu constante mal-estar, busca incansável da verdade sobre a esfera social, política e moral; pela denúncia que não visa a sensação barata, a venda fácil e certa da miséria humana, enfim, marcada pelo exercício da cidadania e inteligência, pertence ao passado. “Cidade de Deus” nos oferece, é verdade, uma lucidez que ainda parece inebriante e uma indignação contra a ordem predatória em vigor que atua como um energético, sem falar, sobre como é difícil servir a três senhores – a Deus, ao Dinheiro e ao Estado Paralelo.

Rubens Shirassu Jr.


Ficha Técnica:

Direção: Fernando Meirelles
Kátia Lund
 
Produção: Brasil 2002
Título Original: Cidade de Deus
Duração: 135 minutos
Estréia: 30 de Agosto de 2002
Gênero: Drama
Classificação: 16 anos
Distribuidora: Lumière
Roteiro: Bráulio Mantovani
 
Obra Original: Paulo Lins
(Livro)
Fotografia: César Charlone
 
Montagem: Daniel Rezende
 
Som: Martin Hernández
Guilherme Ayrosa
Paulo Ricardo Nunes
 
Música: Ed Cortês
Antônio Pinto
 
Figurino: Bia Salgado
Inês Salgado
 
Cor: Cor
Elenco (Personagem):
Matheus Nachtergaele
(Sandro Cenoura)
Seu Jorge
(Mané Galinha)
Alexandre Rodrigues
(Buscapé)
Leandro Firmino da Hora
(Zé Pequeno)
Phelipe Haagensen
(Bené)
Jonathan Haagensen
(Cabeleira)
Douglas Silva
(Dadinho)
Roberta Rodriguez Silvia
(Berenice)
 
Produtor: Andrea Barata Ribeiro
Mauricio Andrade Ramos
 
Produtor Executivo: Elisa Tolomelli
 
Desenho de Produção: Tulé Peake
 
Diretor de Arte: Tulé Peake
 
Efeitos Especiais: Renato Batata
 
Maquiagem: Anna Van Steen
 
Casting: Fátima Toledo
 
Assistente de Direção: Lamartine Ferreira
 
Co-produção: Marc Beauchamps
Daniel Filho
Hank Levine
Vincent Maraval
Donald Ranvaud
Juliette Renaud
Walter Salles