O
que os irmãos Lumière criaram no final do século XIX
jamais permitiria ao mundo comportar-se da mesma maneira a partir de então.
Foi em 28 de dezembro de 1895 que eles exibiram no Salon Indien aquele
que veio a ser conhecido como o primeiro filme da História: "A Chegada
de um Trem na Estação da Cidade".
Depois do impacto da novidade, os filmes acabaram tornando-se fotografias
em movimento para os curiosos de maior poder aquisitivo da época,
abordando situações do cotidiano, como o trabalho ou as relações
familiares. Por isto, começaram a perder a magia das primeiras apresentações.
George Méliès foi quem deu um novo rumo ao cinema, transformando
os sonhos das pessoas em imagens animadas e tornando-se, assim, o inventor
de ficções cinematográficas.
No início do século XX, o cinema já era uma indústria.
Para atrair e satisfazer as classes mais altas da sociedade, começaram
a ser produzidas películas cada vez mais sofisticadas e, de sofisticação
em sofisticação, finalmente, criou-se o primeiro filme falado,
em 06 de outubro de 1927.
O cinema continua evoluindo e o avanço tecnológico no qual
se respalda, ano após ano, é capaz de deixar as pessoas desnorteadas.
Uma pessoa que tenha visto a estréia do primeiro filme colorido,
é capaz, hoje, de assistir a efeitos especiais, que transcendem
à realidade, mas que lhe confundem a ponto de fazer acreditar que
tais efeitos possam não ser parte de uma ficção.
Afora o maravilhoso e inabalável avanço da indústria
cinematográfica, existe um outro lado, menos explorado pela história
da Sétima Arte, que é o das salas de exibição.
Ali está o ponto estático dessa magia, mas que assume um
papel fundamental na sua história. Quantas gerações
não se aglomeraram em torno e dentro dessas salas em busca de ilusões
reais e imaginárias? A ilusão de um enredo utópico
na tela e a de um grande amor percebido no primeiro beijo, lá na
última fileira de uma matinê qualquer.
Esse ritual, que inclui tanto crianças quanto idosos, traz consigo
um lado bastante saudável da sociedade. Por décadas e mais
décadas, pessoas vêm se mobilizando para ficar numa sala escura,
onde um feixe de luz é projetado diante de uma tela, estampando
imagens que formam uma história a ser classificada como agradável
ou não ao final da sessão. Houve uma época em que
as projeções eram seriais, numa espécie de novela
que forçava as pessoas a saírem de suas casas para participarem
e discutirem sobre um enredo cinematográfico. Nada que pudesse exigir
demasiadamente do intelecto. Aventura e romance eram, e ainda são,
fórmulas eficazes para estimular esse tipo de relacionamento entre
o público e os produtores.
Com o início da era da televisão, muito do que acontecia
nos cinemas passou a acontecer dentro das próprias casas das pessoas.
Em meados do século XX, havia a possibilidade de uma redução
do número de salas de exibição, em função
da nova parafernália tecnológica que se instalava nos lares
de todo o mundo. Qual seria o sentido para as pessoas de se locomoverem
de suas casas para o cinema para ver um filme, se poderiam fazer a mesma
coisa sem sair de suas casas? Mas a lógica traçada a partir
de cenários idealizados pelas indústrias, muitas vezes, teima
em não se confirmar. E, no meio dessa contradição,
em plena infância, eu assistia a vesperais no Cine Palácio,
mesma sala onde, ainda aos dezesseis anos, tentei ver o meu primeiro filme
censurado para menores de dezoito anos e não consegui. Bons e maus
filmes continuavam sendo lançados para o cinema e a indústria
que estava por trás disso tudo só prosperava. Realmente,
as pequenas telas domésticas não conseguiram substituir a
emoção de uma sala de projeção, com seus pequenos
encantos, como o dropes, a pipoca e a namorada.
E assim continuou pelos anos setenta e oitenta. Porém, nessa última
década, associadas ao progresso e à violência, surgiram
novas ameaças à existência das salas de projeção.
Naquela época, quando abria um jornal e lia que os cinemas de rua
estavam fechando, achava que, daquela vez, o fim do modelo era inevitável.
A mudança de certos conceitos comerciais, coincidentemente, veio
junto com um novo modelo tecnológico, cuja carapaça foi batizada
de videocassete. Aquela era uma receita explosiva que tinha tudo para acabar
com as salas de exibição de filmes. De fato, o cinema de
rua minguou e mais da metade das salas existentes sumiram. Em compensação,
o novo modelo de comércio, que se enraizava e crescia, acabou tornando-se
um novo nicho de sobrevivência para as salas de cinema. Os shoppings,
ao tempo em que protegiam os cidadãos mais abastados da crescente
violência urbana, também criavam condições perfeitas
para a exibição de matinês e sessões da meia
noite. Já o videocassete fez surgir um novo tipo de comércio,
o de locação de filmes, que tinha tudo para enterrar de uma
vez por todas o glamour do escurinho do cinema. As videolocadoras multiplicaram-se
espantosamente e o aluguel de um filme para ser assistido em casa saía
muito mais barato do que um filme assistido no cinema. Mas, pelo incrível
que pareça, a novidade que tinha tudo para dar certo acabou sendo
apenas uma fórmula de transição de tecnologias industriais
que não toleram mais de dez anos sem transformações
de impacto. Na década de 90, chegaram ao mercado os DVD’s e, com
isto, a velha fita de vídeo começou a ser considerada obsoleta.
As videolocadoras, em dez anos, conheceram o boom e a sarjeta e, hoje,
já é possível encontrar o DVD gravável nas
lojas, apesar de ainda estarem sendo vendidos a preços exorbitantes.
A diminuição gradual do preço desse novo aparato tecnológico
certamente eliminará de vez o videocassete da face da Terra.
No mínimo, é para ficarmos surpresos. Tanta evolução,
Tanta mudança de conceitos e modelos, mas a nossa velha e boa sala
de cinema continua intacta no seu princípio básico. O que
existe de tão especial num cinema? O tamanho da imagem projetada?
A privacidade, mesmo estando em um ambiente coletivo? O lado romântico
e saudosista a que se submetem as novas gerações que a freqüentam?
Os lanterninhas, agora, são raros, mas a pipoca evoluiu e, hoje
em dia, podem ser compradas em pequenos sacos, como antigamente, ou em
“baldes”, que servem aos namorados mais gulosos durante uma sessão.
Felizmente, o furor tecnológico das últimas décadas
não conseguiu atingir esses pequenos prazeres.