BALA PERDIDA

Ecoa na madrugada silenciosa do morro,
a voz da força.
Atravessando espaço com seu chumbo jaquetado e acéfalo,
ignora o corcovado da bossa nova,
as estrelas sobre o Vidigal,
as mansões da barra,
e se o Rio é de janeiro.

Traçando em diagonal a menor distancia entre dois pontos,
o passeio veloz e mortal do incandescente projétil,
encontra gotas de orvalho e a neblina fria de setembro,
que não conseguem detê-lo, embora esfriem-no.

Atravessa, por fim, um barraco.
Estilhaça uma imagem de Iemanjá sobre o armário sem verniz
e colhe o corpo  magro de um homem que dormia.

Nem sentiu o bruto impacto.
Perdeu o pouco sangue que colheu na vida difícil,
perdeu os poucos sonhos de quem desce o morro,
perdeu, finalmente, a fome cansada de não ser matada.

Quem quase nada ganhou,
ganhou uma bala perdida.

                                                                                        José Jaime Brasil Xavier