Caderno 2, Folha da Região (Araçatuba/SP), 23/04/2000
RESENHA/ "O Abduzido" é obra literária revolucinária e nele todos os gêneros se encontram, do romance ao diário de bordo
UMA EXPERIÊNCIA NOVA COM A LINGUAGEM
Hélio Consolaro
Quando recebi o libro "O Abduzido, de Jairo B. Pereira,
da Editora Blocos, me assustei diante de símbolos entremeados no
texto. Pelo título e pelos símbolos, pensei que fosse um
livro de ascendência árabe, mas o nome do autor não
me remetia a isso.
Fui ao dicionário. Abduzir [Do lat. abducere."V.t.d.1.
Fisiol. Afastar parcial ou totalmente (membro ou segmento de membro) da
linha mediana do corpo. 2. Desviar de um ponto; afastar, arredar
[Conjug.: v. abduzir.].
Fiz a primeira leitura, a de reconhecimento. Percebi
que tais símbolos eram aqueles disponíveis no computador,
mas não foram colocados aleatoriamente. No livro havia poemas, crônicas,
textos tematicos, tudo misturado. Indefinido quanto ao gênero.
Li as orelhas e a apresentação de
Leila Miccolis na quarta capa, assim conheci melhor a obra.
Em "O Abduzido", Jairo lança mão do
que chama Protonathural, filosofia estética para criticar a ação
restritiva das editoras, mais até, em defesa dos rejeitados dos
grandes círculos editoriais do Brasil.
Ainda insatisfeito, mostrei-o para o professor Tito
Damazo apreciar o inusitado, o revolucionário, pois considerei que
tal iniciativa levava a linguagem à última conseqüência.
Obeservamos, comentamos, mas ainda não estava satisfeito, telefonei
para o Jairo, que mora em Quedas do Iguaçu (PR).
Ouvi a voz de um gaúcho com sotaque paranaense
de fala mole e cantada, mas reveladora da tranqüilidade de quem sabe
o que quer. Depois li a entrevista do autor num site da Internet (www.casadearabela.com.br)
para conhecê-lo melhor. Reproduzo aqui um trecho de sua entrevista:
"Meu livro 'O Abduzido' nasceu de minha insatisfação
com o processo cultural brasileiro, que traduzi em forma de ficção,
caoticamente, colocando Hermes Lucas Perê no caminho daqueles que
não valoram a arte e a cultura, como se deveria valorar. Quixotescamente
o personagem então aparece como anjo vingador dos artistas recusados
— do passado e do presente — e insurge-se contra o assassinato das vocações
e a imposição das editoras das mesmas figurinhas carimbadas,
que nada mais de novo nos trazem, no que tange aos avanços de código,
forma e conteúdo. Em suma, o livro é uma espécie de
Salão dos Recusados da escritura".
Sobre os símbolos incorporados ao texto,
veja quais são as explicações do autor:
"Os símbolos nasceram praticamente depois
do livro estar pronto. Digamos que procurei dar um alcance maior de significação
ao texto, tudo em cima da idéia de abdução, do próprio
título, enfim "O Abduzido". Como exemplo em vista de uma das significações
do título do livro: Quando estamos abduzidos, estamos fora do ar,
fora da realidade, fora portanto da realidade que nossa linguagem de homem
denota. Tal fato estético, da imposição dos símbolos
no texto, mostra a intersemiose que a literatura no mundo pós-ultramoderno
nos impõe. Hoje há uma fusão muito maior de símbolos,
signos, sinais e isso acaba refletindo-se no pensar e no texto literário.
Quis dizer, principalmente com os símbolos, que nossa linguagem
humana é impotente para denotar tudo o que se pode perceber pelos
sentidos, e que na linha onde a palavra se dilui e termina, uma outra linguagem
começa... Dá pra ver muitas vezes ao final dos textos,
que os símbolos que aparecem em seguida, têm relação
com o conteúdo exteriorizado pela palavra. Ou seja, procurei expandir
a significação com um toque visual ao conteúdo do
texto".
Leila Míccolis, escritora e autora de novelas,
afirma que: "na era do controle remoto das mixagens de canais, de vários
'browsers'abertos, veiculando mensagens diferentes, esta é uma obra
literária revolucionária, diferente, onde todos os gêneros
se encontram — romance, manifesto, ensaio, ficção, crítica,
análise antropológica, prosa poética, poesia, filosofia,
tratado estético, carta, diário de bordo, depoimento. Para
o autor, um 'empório/empírico': para nós, leitores,
um grandioso épico moderno sobre a saga do escritor brasileiro,
insatisfeito por sentir a política cultural abdutora, afastando-o
parcial ou totalmente, da sua plena potencialidade criativa".
Jairo B. Pereira nasceu em Passo Fundo, no RS, é
advogado em Quedas do Iguaçu. Já publicou: "Meus Dias de
Trabalho" (poesia); "O artista de quatro mãos" (contos); "O antilugar
da poesia".
"O Abduzido" é um bom livro para quem gosta
de ver experiências com a linguagem, a exemplo do que fizeram Oswald
e Mário de Andrade. (580 pág., R$ 50,00).