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Prefácio de Ignácio de Loyolla Brandão para o livro: "Sangue Cenográfico", publicada pela Blocos, 1997
Cicutas no café, himens arrancados a gilete,
marcas de estupro, poemas que explodem fétido-filtrados, bichos
em paz em suas frutas podres, amores com a mulher barbada do circo. Leila
Miccolis me fascina, aterroriza, paralisa. Nenhum outro poeta brasileiro
me toca tanto, me reserva uma emoção, uma agressão,
me apunhala, me deixa com vergonha das coisas que os homens fazem. Tem
vezes que seus textos me lembram a crueldade com que Dalton Trevisan, na
prosa, trata seus personagens. Que bobagem, nenhum autor trata mal seus
personagens, é a vida que os trata assim, o autor reflete.
Leila corta com um bisturi, nos mostra como somos,
ternos e violentos, angustiados e felizes, maldosos e sádicos, carinhosos,
carentes. Ela é sarcástica, irônica, impiedosa e impagável.
Num poema nos rasgamos, dilacerados, no outro sorrimos, aliviados. Todavia,
estas compensações não são freqüentes,
surgem de tempos em tempos para o relax necessário, a pausa para
respirar. Para um Você deitada em todos os ângulos perfeitos,
existem centenas de pequenas constatações dolorosas: Para
ser livre e moderna será preciso sempre abrir as pernas? ou Se algum
dia resolveres regressar, faça antes que eu me odeie por te amar
e Pés nús: desapego à matéria ou miséria?
Poeta lírica, de repente, ela nos desmente, é uma versão
moderna do Augusto dos Anjos, misturado com Gregório de Matos. Camaleão
voraz, inimiga de hipocrisias e no entanto sabendo tanto amar. De todas
as batidas as que me dão mais tesão são as batidas
do teu coração. Ao que se contrapõe: Sob a mesma coberta,
sem me tocares amanheço deserta.
Em qualquer outro país, imagino eu, Leila Míccolis seria lida aos potes, discutida, amada, odiada, arrasada, glorificada. Moderna, ela entende o poder corrosivo de cada palavra. Enxuta, econômica, vive o Brasil de hoje. Com o vocabulário na poupança, gasta o mínimo, diz o essencial. Atrai e repele. Atrai porque deslumbra. Repele porque nos faz ver o mundo em que vivemos com seus poemas-macro-câmeras. Ela vai de um poro de nossa pele a uma fotografia do Brasil vista de um satélite. Abre e fecha sua zoom. Junta social e sentimentos, o mundo em volta e a emoção. Prepare-se, traga um tubo de oxigênio para perto do livro, vai perder o fôlego muitas vezes, isto é, se tem sensibilidade e ainda se deixa tocar, se não criou como a maioria, uns 98%, uma carapaça de defesa. Entre aberto. Sofra e ria!