Perguntas de: Leila Míccolis1 - Onde você nasceu?
Nasci na antiga vila (hoje, cidade) de São José do Campestre, no Rio Grande do Norte, em 1 de junho de 1948. Passei a infância com D. Conceição Amador, minha avó materna , uma das fundadoras dessa cidade.2 - Reside em outro lugar? Qual e por quê?
A vida difícil no interior me fez retirante desde cedo. Por volta de 1958/59, com a minha mãe (costureira), meu pai (pescador, ex-combatente da 2ª Guerra) e meus cinco irmãos saímos do Rio Grande do Norte em uma velha Maria Fumaça com destino a Recife; onde resido até hoje.3 - Solteira/o? Casada/o? Filhos? Fale um pouco sobre o amor na sua vida.
Mãe solteira, dois filhos (um menino e uma menina do primeiro namorido e uma menina do segundo namorido) e quatro netos. Sobre o amor? Se é que se pode chamar de amor a relação que tira as asas da gente “confesso que vivi”. E vou vivendo com o meu quixotismo.4 - Que livro(s) você editou pela Blocos (nome da obra e ano)
"Canto Mestizo" (poesia), em 1999. Pela mesma Editora estou incluída no projeto "Brasil 500 anos de poesia"5 - Quais suas outras ocupações e preocupações, além da Literatura?
Meu dia a dia é dar aulas de literatura na universidade; minha ocupação e preocupação constantes; sobretudo, quando se trata da chamada literatura periférica, no caso a literatura indígena. Afora isso, sou pesquisadora do Núcleo de Estudos Indigenistas e atuo na Comissão de Direitos Humanos Helder Câmara, da UFPE.6 - Do que você se arrepende mais na vida? E do que você mais se vangloria?
Arrependimento? Sim, quando não me devolvem os livros que eu empresto. Tenho, sim, mil razões pra me vangloriar da minha pequena tribo/família e dos amigos que a vida me deu: Pascoal Motta, Antônio Carlos Mattos, Lourdes Sarmento, Cyl Gallindo, Lúcio Ferreira, Brígido Ibanhes, Márcia Szeliga, Leila Miccolis e outros poetamigos.7 - Como você definiria sua obra?
Falta muito chão pra dizer que eu tenho uma obra. Apenas escrevi um livro de poemas que foi editado pela Blocos. Tenho participação em várias publicações coletivas de poesia e ensaios; na gaveta alguns manuscritos em busca de um editor. Pelo conjunto, posso até arriscar uma definição: cada poema, cada ensaio, cada artigo que eu escrevo é uma provocação ao leitor.8 - Algum esporte? Alguma mania?
Gosto de fazer caminhadas, mas dá uma preguiça danada acordar cedo. Mania. Um ritual: adoro fazer pães e multiplicá-los; lembrando a presença simbólica de Deus em nossas vidas.
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9 - Cite seus autores, músicas e filmes inesquecíveis.
Sou fascinada por Rilke, Lorca, Barthes, Drummond, Solano Trindade, Luzilá Gonçalves Ferreira, Lou Andreas Salomé, Florbela... Na música me interessam os cantos indígenas, os mantras, o espirito caribenho e cubano; os batuques e maracatus; Vila-Lobos; o jazz de David Sanborn; o trovar de Zé Ramalho e Paulinho Pedra Azul; o experimentalismo de Arnaldo Antunes e outras vozes da nossa riquíssima música brasileira. Quanto aos filmes, não dá pra esquecer nunca “The Doors”, “Sociedade dos poetas mortos”, “Missões” e, entre outros, “Coração iluminado”, de Babenco.10 - Alguma experiência engraçada, curiosa ou dramática ocorrida devido à algum texto (poesia ou prosa) que você escreveu?
Escrevi um poema intitulado “Vadiagem” (Cf. Canto Mestizo). Nele procurei descrever a brincadeira da meninada tirando frutas do quintal do vizinho. Até aí, nada demais. Um banda pernambucana (Batuque) viu e gostou do poema e musicou com outro título: Maloca (Cf. o CD. Pernambuco em Concerto, África Produções). Quando o grupo canta Vadiagem/Maloca o público vira criança; sai todo mundo correndo, feito maloqueiro, brincando um com outro.11 - Vida e obra precisam caminhar juntas ou podem tomar rumos diferentes e até contraditórios?
Dizem que o homem é o que escreve. Cervantes vence o tempo. Quixote vive.12 - Entre aquela viagem ou aquele carro que você tanto sonhou e a publicação de seu livro com tiragem de 10.000 exemplares, qual dos dois você escolheria?
Imagine uma situação inusitada: trocar um Drummond velho por um Drummond novo. Não entendo de carros. Viajar até que é bom, mas prefiro concordar com Pessoa: “para viajar, basta existir”. Sendo assim, sou mais o livro; mesmo que a tiragem fosse de poucos exemplares.13 - Que personagem de ficção você gostaria de ser na vida real?
Por minhas origens (sou potiguar) tenho afeição por Marabá, personagem/título de um poema de Gonçalves Dias. Marabá significa “filha da mistura”,mestiça. Nas histórias de cidade grande, tenho igual afeição por “Lóri”; uma personagem de Clarice Lispector, em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres.14 - Você já cometeu alguma gafe ou indiscrição literária?
Faz muito tempo. Foi no início do meu magistério com uma turma do segundo grau. Pedi que os alunos estudassem a Carta de Caminha, como se esta fosse a certidão de batismo do Brasil. No debate, os alunos mais questionadores contestaram a minha colocação. Depois me dei conta do absurdo que eu fizera, ao cair nas armadilhas do famigerado livro do professor. Em tempo, alertei para o fato de que os professores eram obrigados a trabalhar com o livro adotado pelo colégio; pois em vez do livro do educador, exigiam que trabalhássemos o livro do educastrador. Desse dia em diante nos tornamos mais unidos e mais inquietos, para sempre.15 - Qual seria (ou será) a maravilha do século 21?
Quando reconhecerem o que é de direito dos povos indígenas.16 - Você comemora o Dia Nacional da Poesia ou do Livro? De que forma?
Comemoro a paixão pela escrita, escrevivendo o desejo.17 - Que autora ou autor você escolheria para ficar a sós numa ilha deserta e por quê?
“... há nos homens e mulheres marginalizados, um universo de imagens, desejos e impulsos sepultados”. Por essa consciência do marginalizado (In: Labirintos da solidão), escolho Octavio Paz.Perguntas de: Fernando Tanajura Menezes
1) O que você gostaria de perguntar a um escritor? (consagrado ou não)
Para Aníbal Beça, por exemplo, eu perguntaria sobre a difícil arte de fazer Hai kais.2) Como escritor/poeta o que gostaria que lhe fosse perguntado em uma entrevista?
Sobre os problemas que eu enfrento quando estou escrevendo.3) O que mais detestaria que lhe perguntasse se a entrevista fosse ao vivo?
Nas entrevistas ao vivo, ou não, o que eu detesto é a falta de liberdade de expressão; e entraria no silêncio prosador se alguma pergunta descambasse pra intimidade.Perguntas de: Ricardo Alfaya
1) Por que você escreve?
Por necessidade, extrema necessidade, como orienta Rilke em Cartas a um jovem poeta.2) O que você considera mais importante para que uma poesia seja classificada como de boa qualidade?
Penso que o importante é não faltar com a verdade. Quando verdadeira, a poesia contribui para o enriquecimento do patrimônio literário.3) Que autores influenciaram sua forma de escrever?
Nos tempos de ginásio eu lia, declamava, imitava, copiava Jorge de Lima, Drummond, Cecília, Bandeira. Nos anos 70, li o Proibido para menores de 18 amores, de Leila Miccolis e Franklin Jorge. Esse livro deixou em mim, como leitora, a inquietude no sentido de dialogar com o texto e, ao mesmo tempo, fazendo-me compreender que as minhas encucações literárias só teriam significação a partir da troca de idéias. Entrei em contato com Leila Miccolis que eu conheço há uns duzentos anos só através de carta, telefone e e-mails. Outra influência marcante: as lições de vida de Cora Coralina. Na flor da idade Coralina exilou os escritos que o público só veio conhecer em 1965, em Os becos de Goiás. Quando li a grandeza de Coralina, tive a sensação de que precisaria e preciso ainda me esforçar bastante no exercício de escrita, a fim de percorrer os caminhos onde é prazeroso jogar com o imaginário e a utopia.4) Sente o escrever como missão, lazer, prazer ou como conditio para a sobrevivência? Você acha que poderia parar de escrever?
Nunca é demais lembrar os ensinamentos de Rilke em Cartas ao um jovem poeta. Missão, prazer, necessidade sim. Parar de escrever implica, para mim, anunciar a própria morte. Se eu parasse de escrever, quem me ouviria?5) No seu entender, o compromisso social é uma condição essencial para um bom escritor?
Literatura e sociedade não se separam. Nessa relação, a liberdade é e será sempre a condição necessária para o escritor testemunhar o seu tempo; não quer dizer com isso que ele seja bom. Seja lírico ou engajado, o bom escritor é aquele que está atento também ao trabalho com a linguagem; indispensável quando se trata, por exemplo, do poder comunicativo da poesia.6) Que influência a Internet exerceu em sua escrita?
No comecinho mesmo, confesso que eu tive preconceito com essa realidade chamada virtual. Meu computador, coitado, só esperando que eu deixasse a matutice e navegasse de Recife para o mundo. Resolvi estudar o assunto, até Page Maker aprendi pra diagramar meus livros, etc e tal. Quando o tempo permite, me dou ao luxo de participar do ciberespaço e me emociono quando (re)encontro vozes exiladas em Blocos, Ausências, REBRA (Rede de Escritoras Brasileiras), Nave da Palavra e Jornal de Poesia. Há dois anos (em 99) burilei um pequeno texto poético sobre o “8 de março”, recentemente veiculado na Rebra e na página temática de março de 2001 de Blocos online.7) Você acha que sua escrita poderá vir a afetar de alguma forma a realidade?
Recentemente tive notícias de que meu Canto Mestizo foi trabalhado em uma escola do 2º grau (Colégio Agnes) em Recife e apresentado também no circuito universitário (UPE, Campus Nazaré da Mata) no interior do Estado. Pelo meu estilo e minha expressão dizem que incomodo. Sendo assim, creio que a minha escrita afeta a realidade (local) sim.8) Que qualidade considera fundamental num escritor?
Penso nas boas palavras de Alaíde Lisboa de Oliveira, escritora, Cidadã Belorizontina, (In: Impressões de Leitura). No dizer de Alaíde, o fundamental é alma. No poeta, a alma é um espelho; reflete tudo, a variadas distâncias.9) A crítica literária ajuda ou atrapalha?
Como poeta e ensaísta a crítica literária em geral me ajudou muito a encontrar o caminho. À Leila Miccolis, por exemplo, não sei como agradecer tanto carinho ao prefaciar o meu livro.10) É notório que existe uma quantidade enorme de escritores, sobretudo no campo da poesia, em detrimento do número de leitores. A grande quantidade é para você um incentivo ou um desalento?
No jogo do imaginário com a utopia, sempre cabe mais um, desde que tenha veia poética pra expressar a vivência e manejo com as palavras. Enquanto mais e mais poetas, melhor. Não há razão para desalento.11) O que acha que poderia ser feito, se é que poderia, para que mais pessoas se interessassem pela literatura?
Já fiz tanto essa pergunta a mim mesma e em sala de aula, que eu perdi a conta. Vamos ver... estimular o hábito de leitura que começaria em casa e continuaria na escola? Não, isso não dá. É utópico. Não precisa de sala de aula pra cultivar o interesse pela literatura. Nem giz, nem quadro negro. Um graveto pra desenhar o chão seria uma boa pedida; Paulo Freire deu lições disso. Depois, com a coragem de arregaçar as mangas juntaria tijolo por tijolo de palavra pra (re)começar a história com solidariedade. Quem quiser, pode até começar do jeito falado: era uma vez uma personagem chamada literatura que, por muitos e muitos anos, andou maltratada. Então,...12) Que ambiente você prefere para escrever?
No meu quartinho de estudo, mesmo bagunçado.13) Manhã, tarde, noite - Existe um horário que lhe seja mais propício ao escrever ou isso lhe é indiferente?
Trabalhando os dois expedientes, o mais propício para mim tem sido à noite.14) Você utiliza algum artifício que o induza a um estado de espírito favorável à escrita?
Normalmente, visto uma roupa leve; fico à vontade, piso no chão frio pra espantar o sono e me entrego à escrita. Só acho complicado quando durmo muito tarde. Haja disposição pra dar aulas pela manhã.15) O que é melhor: escrever ou ver publicado?
Às vezes me sinto fora do parágrafo quando escrevo, mas quando vejo o que foi publicado dá um certo alívio. Mas sempre paira um desassossego.16) Escrever em computador, à mão ou em máquina de escrever. Faz diferença para você?
Em primeiro lugar, o papel e a tinta. Apesar de barulhenta, tenho saudades da minha maquininha de escrever. No computador ganho mais tempo.17) Qual a pergunta que você gostaria que eu lhe tivesse feito e que não fiz?
Como se diz por aqui, foi ARRETADO; uma entrevista e tanto. Agradeço a atenção e o carinho de todos vocês.