ENTREVISTA DE JIDDU SALDANHA
ao jornalista João de Abreu Borges
Esta entrevista foi concluída no dia 25 de outubro de 2001
JAB - Jiddu, um site na internet... Com que perspectiva você vê essa nova mídia que é a internet?
JS - A internet é um fato, está aí e, pelo menos por enquanto, é o meio mais democrático de comunicação. Para mim, que sou um artista experimental e conceitual, a internet é uma aliada inseparável, que me permite, inclusive uma comunicação direta com o meu público.

JAB -  “O meu público”, você disse.
JS - Sim, uma vez, na cidade de Serafina Correia, região da serra gaúcha, acho que foi em 1994, o poeta Carlos Nejar me disse que eu era “um grande artista à procura de seu público”. Hoje eu me apropriei dessa expressão, gosto de falar meu público ainda que, a priori, o público não seja de ninguém... [risos].

JAB - Isto significa que a tua arte tem de ter um contato frontal com as pessoas?
JS - Certamente.... tenho de encarar o público nos olhos.

JAB - E esse contato morre ali mesmo, ou também dá para elas levarem pra casa alguma bagagem de reflexões?
JS - Eu diria que morre ali e num outro sentido levam para casa.
Veja, João de Abreu, o teatro é algo que nunca se repete, para nós, que experimentamos o palco e/ou a rua, vivemos da experiência da troca com o público. Mas o que se leva para casa é um fragmento, a memória daquilo que não vai se repetir jamais. Eu diria, filosoficamente, entretanto, que esta memória é o ponto de partida para o nosso crescimento, por isso o tênue jogo do teatro só tem sentido se sua “morte” for celebrada pelo público, após o espetáculo.

JAB - De toda a tua múltipla performance artística, qual é mais imediata na aceitação e qual exige mais reflexão do receptor?
JS - A mais imediata é a mímica de improviso, que tem que acontecer num jogo de muita velocidade, captar o olhar rápido do público, fazer com que ele perceba quase que instantaneamente todo um contexto.
A que exige mais reflexão é, sem dúvida, a Mala da Fama, que acontece num tempo muito veloz mas que pode despertar um processo de longa duração no imaginário do público. Ao ponto de – e aí eu me refiro mesmo ao meu público – ele ficar cativo através, principalmente, dos insigth’s que têm após o relacionamento de trabalho.

JAB - O site Mala da Fama complementa de que forma os teus outros trabalhos?
JS - Através deste site assumo uma posição mais abrangente como artista formador de opinião, podendo, inclusive, mostrar o meu interesse em diversos campos da cultura. É que, durante os últimos 13 anos, eu fiquei conhecido como mímico e isto mostrou apenas um lado da minha atividade artística. Com o tempo, percebi que fui ficando um pouco sufocado por apenas uma forma de expressar minhas paixões estéticas.
A Mala da Fama abre um leque para mostrar o Jiddu que sempre fui, pois tenho um gosto eclético pela arte tanto na apreciação como na execução; e, aqui, estou demonstrando claramente tudo isso, todos os meus lados artísticos, inclusive o de publicitário, que é a única profissão da qual realmente tenho um diploma!

JAB - Publicitário? Eu acho que você une bem a tua veia artística com o teu senso de mercado. Acho, inclusive, a Mala da Fama um excelente impulso de marketing. Foi esse diploma que te ensinou a equilibrar a realidade e a fantasia?
JS - Com certeza! A publicidade é um conhecimento estratégico para um cara como eu, que necessita se expressar artisticamente através de diversas linguagens a fim de estabelecer um entendimento de mercado sobre o que faço e como faço. Procuro usar técnicas de abordagem que vão se sofisticando cada vez mais, conforme ganho experiência.
A Mala da Fama é uma questão de arte que se presta perfeitamente ao marketing e à propaganda. Inclusive há uma confusão por parte do público que acha, muitas vezes, ser a Mala da Fama mais marketing do que arte. Eu discordo, porque não vejo razão para dissociar uma coisa da outra. Acho que tem Marketing na arte e arte no Marketing. O que me parece é que a Mala da Fama alia perfeitamente essas duas questões.

JAB - "O que os olhos não vêem, o coração não sente!". Qual a relação desta frase clássica com o fato das pessoas na internet não se verem enquanto se relacionam?
JS - Existe a imaginação. A internet desperta a curiosidade sobre quem está do outro lado, facilita uma comunicação passiva e direta, porque você pode perguntar o que quiser e a resposta vem sem a pressão imediata do diálogo efusivo.
Você pode elaborar uma resposta de forma poética se quiser; pode pensar num estilo; pode jogar com uma certa elegância verbal que é próprio do ser humano. Neste caso, “o coração sente o que os olhos não vêm”.
 
JAB - A Mala da Fama é muito mais que um objeto físico... Tem mais possibilidades de viajar do que qualquer outra mala no mundo... Concorda?!
JS - Minha idéia central foi produzir uma Mala que fosse carregada com prazer, com alegria, porque na vida carregamos muitas “malas”. Só que a vida passa rápida demais e a gente tem de selecionar bem o que carrega; logo, a Mala da Fama é uma mala metafórica, uma mala de arte, cujo destino é passar de mão em mão.

JAB - Desde seu projeto original, ao passar de mão em mão, a Mala já passou por muitas fases?
JS - Sim, houve modificações importantes. Por exemplo: atualmente criei um personagem, um palhaço, cujo nome é Paparazho (com zh). Quando saio para fazer fotos, utilizo este personagem que tem, inclusive, uma caracterização e que se comunica de forma muito direta e divertida com o público.
Recebo muitos convites para fazer a Mala da Fama em diversos lugares do Brasil e sempre pinta uma idéia nova, as pessoas sugerem coisas que podem ser viáveis para este projeto, mas também dizem coisas absurdas, como por exemplo, cadastrar cada pessoa que é fotografada... isto é impossível, porque o projeto tem, na sua concepção, a idéia de se trabalhar, também, com o anonimato e, principalmente, o acaso.

JAB - Você é um artista que viaja muito, que trabalha em diversos estados do Brasil... O que você diria para aqueles (como eu, admito!) que só vivem na frente de um computador?
JS - O computador é muito útil para pessoas como você e eu. Quando viajo, tenho dois compromissos imediatos. Um, é ligar para casa e avisar minha mulher e minha filha do lugar onde estou, o telefone do hotel... enfim, o básico. Em seguida, procuro saber onde fica o serviço de internet mais próximo para que eu possa abrir meus e-mail’s e ler mensagens.
Quando não estou viajando, trabalho muitas horas em frente ao computador. Tenho meus sites para administrar e recebo uma carga muito grande de mensagens/dia. O computador é uma ótima ferramenta de trabalho. Para mim ele se tornou  imprescindível.

JAB - Você falou em família... Nós também podemos enquadrá-la dentro daquele jogo de cintura entre a realidade e a fantasia... Ou seja, como você equilibra o artista Jiddu, que tem no planeta o palco universal para sua imaginação, e o homem Jiddu, envolvido pelas pessoas de seu cotidiano doméstico?
JS - Tenho viajado bastante e também ficado um tempo equivalente em casa. Com poucas horas de atividade diretamente profissionais, no Rio de Janeiro, sobra tempo para a família. Aqui é o meu laboratório, é o lugar onde exercito minha linguagem artística. A maior parte desses exercícios estéticos faço em casa, em contato com a minha mulher e minha filha.

JAB - Qual o teu segredo para não ficar cego com a luz direta dos holofotes, ao mesmo tempo não ficando perdido no escuro enquanto os holofotes só brilham na platéia? Em outras palavras, equilibrar a luz exterior dos espetáculos com a luz interior do teu ser humano?
JS - O segredo é a reflexão sempre. Estamos nesta terra para servir, para amar, se não for assim, a vida não tem sentido. Costumo dizer que na galeria da fama, com a Mala da Fama, o anônimo se torna conhecido e o famoso fica igual ao anônimo. É uma equação meio Junguiana, porque aproxima pessoas que, a priori, não se encontrariam de outra forma, a não ser pelo fato de segurar um objeto cuja metáfora é quebrar preconceitos e estabelecer pontes afetivas...

JAB - "Enquanto o espectador me assiste, eu o observo; a mímica permite esse jogo secreto com o público". Estas palavras são tuas, lembra? Até onde você pode explorar este recurso, do ponto-de-vista de uma página eletrônica?
JS - O contato que estabeleço via internet é no sentido de explicar melhor para as pessoas o significado do meu trabalho, com isto posso gerar opiniões precisas sobre o que estou fazendo e esclarecer, de forma direta, os objetivos a que minha linguagem se propõe.
Neste caso, não há nenhum segredo e a realidade experimentada no mundo real não é a mesma do mundo virtual. Convém afirmar que o mundo virtual é muito mais uma ferramenta para potencializar um trabalho que só vai acontecer no mundo real.

JAB - Na relação entre o mundo virtual e o real, o que mais te estimula à criação?
JS - Sou estimulado pelo mundo virtual. Estou fascinado com as possibilidades de se elaborar um trabalho no computador. Para mim, o mundo real é o campo onde colho os resultados das minhas experiências virtuais.

JAB - Eu nunca te perguntei porque o teu nome é JIDDU K. SALDANHA... Esse K. é de Krishnamurti?
JS - Sim, Krishnamurti, o pensador indiano que meu pai lia muito e que foi o grande pensador da contracultura, na década de 70, e que, ao contrário do que muitos pensam, destoava da corrente tradicional de pensadores da Índia.
Krishnamurti é um pensador meio cético, meio materialista e crítico das denominações político-religiosas. Ele é um cara meio anarquista, meio rebelde. Já li alguns livros dele, são maravilhosos, profundos e muito diretos, com forte carga de agressividade. Li e gostei.

JAB - Eu conheci bem a tua obra como artista plástico, que usa muito da montagem, da colagem, da multiplicidade de imagens e até objetos do cotidiano sobrepostos... Você não acha que isso deve se refletir na apresentação visual do site Mala da Fama?
JS - No site anterior não havia esta preocupação, mas no atual tivemos o cuidado de ser fiéis à minha estética. A própria Mala da Fama (que é uma mala-colagem) reflete minha preocupação: a estética do Kaos (o Kaos com K., do Jorge Mautner), a busca do homem dentro de um universo ruidoso e kaótico. Sendo ela uma colagem que vai se repetindo conforme as pessoas a seguram. Sim, o novo site será fiel à minha estética.

JAB - Se você visse uma pedra e fosse um índio, o que faria? E se fosse um operário? E se fosse um sábio? E o Jiddu, o que faria?
JS - O Drummond soube o que fazer com a pedra no meio do caminho. Acho que a atitude drummondiana de não ignorar as coisas é o que me faz sonhar cada vez mais nesta vida tão breve. A mente humana pode encontrar respostas em quaisquer circunstâncias. Temos o poder de criar dentro da adversidade. Muitas pessoas estão hipnotizadas diante da realidade, outras estranguladas pela situação, pela crise que abala o mundo, mas qualquer um pode encontrar respostas se fizer as perguntas certas ou desafiantes, como esta que você me fez agora.
 
JAB - Você teria coragem de dizer o óbvio, tão óbvio que ninguém jamais pensou, ou seja: o que há dentro da Mala da Fama?
JS - A metáfora, a mala da fama carrega a Metáfora do Nosso Tempo. Esta é a minha pretensão maior. Costumo sugerir às pessoas, antes de fotografá-las, que reflitam bem sobre as “malas” que estão carregando na vida. A Mala da Fama tem esse poder de causar a reflexão através do humor. Dentro dela, temos a esperança, a poesia... e as pessoas sabem disso; por isso acreditam no meu projeto.

JAB - E se tivesse um espelho dentro dela, para quando olhássemos, víssemos nossa própria imagem guardada ali dentro?
JS - Gosto desta idéia... vou adotá-la, com certeza! Muito obrigado pela idéia. O espelho se compõe totalmente com este projeto. É realmente uma grande idéia.