Por Alexandro Gurgel
José de Anchieta Fernandes Pimenta nasceu em Caraúbas, no dia 09 de junho de 1939, sendo alfabetizado por sua mãe, que era professora. Terminou seus estudos no Grupo Escolar Antônio Carlos, naquele município.
Chegou em Natal no início dos anos 60 e, em 1967 participou ativamente do movimento literário do Poema Processo, deflagrado simultaneamente no Rio de Janeiro e Natal.
Anchieta participou de exposições de poemas visuais, nacionais e internacionais, destacando-se uma “Multimídia Internacional”, ocorrida em Natal em 1983.
“Com todo esse périplo de exposições, mostras, participação em antologias e citações em outras tantas, Anchieta Fernandes não chegou a um livro de poesia individual, aquele tradicional, que naturalmente não é tão importante assim para um poeta multimídia”, escreveu Assis Brasil, em seu livro “A poesia Norte-Rio-Grandense no Século XX”.
AG - Anchieta você Chegou em Natal na década
de 60, aqui você estudou e foi adolescente, como foi esse período?
AF - Em Caraúbas, eu apenas conhecia a literatura tradicional,
embora eu sendo tradicional, me entusiasmava muito com a literatura de
Castro Alves, no sentido de revolta contra as injustiças praticadas
contra os escravos. O livro de poemas de Castro Alves, “Navio Negreiro”,
eu tinha visto em propaganda num jornal e pedi para meu pai mandar buscar,
pois em Caraúbas não tinha nem livraria nem distribuidora
de livros. Minha adolescência foi em Caraúbas. Eu cheguei
à Natal em 1960 e vivenciei primeiro a amizade com pessoas que eram
jovens também, iniciando um conhecimento da literatura moderna com
Dailor Varela, Moacy Cirne e Ribamar Gurgel. Esse pessoal eram estudantes
do Marista ou do Atheneu e fui descobrindo a poesia de Manuel Bandeira,
Carlos Drumonnd de Andrade e também comecei a fazer poemas modernos.
Em 60, Natal era uma cidade provinciana e não tinha televisão.
Havia os encontros na Praça das Cocadas. Era encontro normal da
juventude aos domingos, bater papo no Grande Ponto. Em Natal também
tinha a Livraria Universitária e tínhamos encontros, aos
sábados, com intelectuais e com os movimentos literários
que havia na cidade.
AG - Como aconteceu o Movimento da Poesia Concreta e quem participava?
AF - Moacy Cirne foi ao Rio de Janeiro e trouxe muito material
de Poesia Concreta e, através de uma convocação dos
intelectuais novos, fui convidado para fazermos uma revolução
literária na cidade. Foi feita a proposta da Exposição
de Poesia Concreta ao prefeito Agnelo Alves, em 1966. Fizemos a exposição
no Museu Café Filho, na época chamava-se Museu do Sobradinho.
Na assinatura do Manifesto por uma Poesia Revolucionária Formal,
estávamos eu, Ribamar Gurgel, Moacy Cirne, Dailor Varela, Sanderson
Negreiros, Juliano Siqueira, Jarbas Martins e meus irmãos João
Charlier Fernandes e Fernando Pimenta. Depois dessa exposição,
houve muitas palestras nossas em escolas, na Casa do Estudante e dentro
da Universidade. Fomos discutindo a necessidade da renovação
poética. É claro que inicialmente houve muita reação.
Um jovem universitário, que cursava a Faculdade de Sociologia, chegou
a dizer que o Poema Concreto era “duro como uma pedrada”. Era isso mesmo!
Tinha que cerrar o peito com as estruturas tradicionais.
AG - Em 1967, esse grupo rejeitou Poesia Concreta, como isso
aconteceu?
AF - A Poesia Concreta pára na palavra e os teólogos,
fundadores dessa poesia, que foram Haroldo de Campos, Augusto de Campos
e Décio Pignatari, propuseram que os leitores pudessem fazer versões,
se houvesse versões era só cada poema pensando no seu próprio
autor. O Poema Processo já foi uma coisa multidimensional, multilingüística.
A proposta era fazer poema com objetos/poemas, cinema/poema, escultura/poema,
etc... Houve um trabalho de Moacy Cirne, lançado na nossa revista,
chamado Envelope/Projeto, que eram três folhas em branco dobradas
por três vezes. Ele chamava de Escultura/Poema. Foi um escândalo
para as pessoas! O Poema Processo também proporcionou a possibilidade
das pessoas criarem sem terem que seguir uma escola teoricamente pré-definida.
AG - E como se definiria o Poema Processo e, qual a principal
proposta literária dessa forma de poesia?
AF - Um processo novo a cada novo poema. Só é
Poema Processo se for um processo novo, mesmo se a pessoa fizer uma versão,
se ela criar um processo novo, a partir da versão de uma matriz
de um poema. Se for um processo novo é um Poema Processo. Esse processo
novo pode ser uma linguagem nova, pode ser um novo material, pode ser uma
operação dentro do material básico. Havia um poema
de Moacy Cirne que era a bandeira dos Estados Unidos e embaixo a frase
“poema para ser queimado”. O processo desse poema é queimar o poema,
queimar a bandeira que estava ali no papel. Se a pessoa não queimasse
o poema não se tornaria Poema Processo.
AG - Na década de setenta, você descobriu o quadrinho,
assunto pelo qual você escreveu seu primeiro livro, “Desenhistas
Potiguares, Caricaturas e Quadrinhos”, publicado em 1973. Como aconteceu
essa descoberta?
AF - Eu já era um leitor de quadrinhos, não tão
entusiasmado porque eu conhecia pouco. Eu conhecia os quadrinhos tradicionais
dos super-heróis. Quando eu li o livro de Moacy Cirne, “A Explosão
Criativa dos Quadrinhos”, que foi o primeiro livro brasileiro a divulgar,
como forma de teoria os quadrinhos, eu vi que os quadrinhos tinham algo
a mais e passei a ficar atento as histórias em quadrinhos. E fui
me entusiasmando por alguns autores, eu gostava da Mônica do Mauricio
de Souza, o Perêre do Ziraldo, que são quadrinhos dentro da
linguagem brasileira. Eu acho importantíssimo o quadrinho de Henfil,
através dos Fradinhos e do cangaceiro Zé Ferino, porque ele
contesta a ditadura militar nos anos 60, contesta a sem-vergonhice dos
políticos, contesta muita coisa, é um quadrinho muito brasileiro,
pela psicologia do brasileiro de dizer coisas diretamente, de maneira até
grosseira. Havia o quadrinho de Emanuel Amaral, que era um quadrinho meta-linguistico,
apesar de hoje não fazer mais, porque não tem mais onde divulgar,
mas durante muito tempo ele publicou no suplemento “Quadrinhos” no jornal
O Poti/Diário de Natal. Eu não posso deixar de falar em Falves
Silva, porque Falves é um cara muito criativo, como artista plástico,
como criador de poemas visuais, mas teve também muita atuação
no quadrinho de vanguarda em Natal, ele tem uma história “O Princípio
do Fim”, muito boa graficamente e muito boa tematicamente, Falves é
importantíssimo.
AG - Em 1976, você escreveu o livro “Por Uma Vanguarda
Nordestina”, qual a proposta desse livro? Havia realmente uma vanguarda
literária no Nordeste?
AF - A proposta seria pegar essa idéia de que poderíamos
batalhar por uma vanguarda nordestina. É como se eu quisesse propor
que partíssemos para fazer vanguarda nordestina, mesmo que até
então não houvesse. Eu queria até frisar, que nós
estávamos trabalhando em Natal, nós estávamos fazendo
Poesia Concreta e depois Poema Processo em Natal, nós não
tínhamos uma coisa fora de ambiente, porque Natal sempre foi considerada
uma cidade de vanguarda. Nos anos 20 existiu um Jorge Fernandes, o produtor
da poesia moderna aqui no RN e um exemplo de poesia moderna para o Nordeste.
Mário de Andrade visitou o Rio Grande do Norte, em 1928, quando
ele voltou para São Paulo, um repórter o entrevistou e ele
disse: “Nós, aqui do Sul, temos mais progresso material, mas o Nordeste
é que é civilizado”, e ele definia a civilização
como a “civilização criatividade”. Ele dizia que nós
nordestinos éramos mais criativos de que os sulistas.
AG - Em 1987, você escreveu “Feminina Infantis”, o qual
trata da sexualidade infantil, fale um pouco sobre esse universo.
AF - A sexualidade infantil é uma coisa que existe mesmo.
O próprio Freud, desde os anos 30, já tinha descoberto isso.
Acontece que as crianças vivenciam sua sexualidade de maneira natural
se não fosse a interferência do adulto. Quando o adulto interfere,
prejudica a criança quando leva para o universo infantil suas próprias
vivências sexuais de adulto. A criança tem sexo, a criança
é bonita e acho que apesar das repressões, apesar das incompreensões,
o mundo e a vida humana é belo porque existe o florescer das crianças,
principalmente, as crianças do sexo feminino. Temos o privilégio
de contemplarmos a beleza delas, de ouvirmos a música que sai das
suas bocas, quando falam, riem e até mesmo quando choram. As meninas
são mesmo princesas quando vêem ao mundo. Em nome do combate
a pedofilia, não se crie o preconceito contra as próprias
meninas, evitando a divulgação das imagens delas, de sutilezas,
de seus gestos e de sua presença junto às flores, as mães,
pais, aos animais de estimação, aos brinquedos, aos parques
de diversões, as carteiras escolares, as cerimônias de casamentos
como daminhas. As crianças são bonitas e não precisa
que exista toda uma repressão se elas pensam sexualmente, e podem
pensar porque é ser humano. O ser humano não nasce assexuado,
ninguém nasce sem sexo. Desde a infância já existem
toques e, eu vi na revista Pais & Filhos que um médico pediatra
chegou a dizer certa vez que uma criança ainda bebê pode sentir
orgasmo. Então, não há como o adulto proibir a criança
ter o interesse sexual ou o adulto querer que a criança seja praticante
sexual como o adulto é.
AG - No início dos anos 90, você lançou o
livro “Écran Natalense”, o qual conta a história do cinema.
Como aconteceu essa paixão pelo cinema e hoje, você ainda
assiste filme em DVD, vídeo ou vai ao cinema?
AF - Eu fui freqüentador das sessões do Cine-Clube
Tirol nos anos 70 e ali eu vi muitos filmes. O bom cinema sempre me entusiasmou
e eu senti a falta de um livro que fizesse o levantamento da história
do cinema em Natal. Tinha apenas pequenas referências num livrinho,
que o Jorge Palito, bilheteiro do Royal Cinema, um livrinho de umas 10
páginas, muito rudimentar. Eu tive a preocupação de
fazer um levantamento, lendo páginas e mais páginas do jornal
“A República”, no órgão que eu trabalho até
hoje que é o Departamento Estadual de Imprensa, da história
do cinema, quando foram inaugurados, os primeiros filmes, e contar essa
história para que o Estado não ficasse com essa lacuna de
ter um livro que contasse a história do cinema em Natal. Durante
mais de dez anos eu fiz essa pesquisa e depois de preparado o livro, levei
a Abimael que estava começando a Editora do Sebo Vermelho e ele
lançou essa edição.
AG - Alguns intelectuais potiguares defendem a tese que não
há literatura no Rio Grande do Norte, sendo isso uma literatura
universal. Existe realmente literatura potiguar?
AF - A literatura realmente é universal, existem autores
no Rio Grande do Norte que focalizam o tema local, especificamente norte-riograndense,
por exemplo, a poesia de Jorge Fernandes tem muita coisa que ele fala de
Natal, a chegada do avião Jaú em Natal. A literatura romântica
de José Bezerra Gomes foi interpretada por alguns críticos
como o viez do algodão da literatura Brasileira. O romance de José
Bezerra Gomes é literatura potiguar. Eu acho que cada região
pode ter sua literatura própria como um elemento a mais de criatividade
da literatura brasileira e universal como um todo. A literatura de Guimarães
Rosa fala muita coisa de Minas Gerais, mas não deixa de ser uma
literatura universal, a literatura de Jorge Luis Borges fala muita coisa
da Argentina, mas não deixa de ser uma literatura universal. Então
eu não concordo em dizer que não há literatura potiguar.
Há literatura potiguar dento do contexto da literatura universal.
Um autor como Manoel Onofre Júnior, tanto na crítica como
nos contos dele, ele é muito localizado no tema norte-riograndense.
Alex Nascimento, que ele coloca na literatura dele o humor típico
natalense. A poesia de Jarbas Martins, que fala na ponte de Igapó.
A poesia processo de Moacy Cirne que tem livros como “Cinema Pax”, desde
o título já era uma poesia norte-riograndense com conotações
universais. Como contista, Francisco Sobreira, tendo nos seus contos muita
coisa focalizada na cidade de Natal, muitos personagens inspirados em personagens
natalenses. Romancistas como François Silvestre e Nei Leandro de
Castro em “As Pelejas de Ojuara”. Nei Leandro é um autor que além
de ser importante poeta norte-riograndense, é importante ficcionista.
AG - Quais os planos pro futuro?
AF - Eu tenho um livro que é uma pesquisa muito extensa
sobre a imprensa norte-riograndense. Dentro da cultura norte-riograndense
foram publicados dois livros sobre a história da imprensa do Rio
Grande do Norte; um de Luis Fernandes, que é “Imprensa Periódica”
e o outro de Manoel Rodrigues de Melo, “Dicionário de Imprensa no
Rio Grande do Norte”. Eu fiz uma pesquisa com jornais e revistas posteriores
a esses dois livros, esse livro resultou em originais de 800 páginas.
Esse livro está há mais de três anos com Abimael Silva
para editar pelo Sebo Vermelho, como é um livro de muitas páginas,
é um livro que além de exigir muito dinheiro é um
livro que também exige tempo e até agora não foi publicado,
mas está para ser publicado. Eu também pretendo reunir ensaios
publicados em jornais, como a poesia feminina no Rio Grande do Norte, sobre
Lampião nas artes e na literatura, sobre os signos do comércio
como imaginário – um hábito cultural ligado a simbologia
universal, ao semântico e semiótico. Tenho ensaios sobre livros
selecionados da literatura do Rio Grande do Norte e tenho desencadeamento
também da história do cinema em Natal e no cinema do interior.
Eu pretendo juntamente com Abimael publicar uma segunda edição
do “Écran Natalense” com esses acréscimos que levam a uma
projeção do título para “Écran Norte-riograndense”,
com a projeção do cinema no Estado.
AG - Você sente um certo preconceito por parte de algumas
pessoas por defender suas idéias?
AF - Eu sou uma pessoa que às vezes me visto de comprovação
viva do velho ditado que diz que “Ninguém é profeta em sua
própria terra”. Sinto-me rejeitado em certas citações
e, como não sou agitado, alguns procuram fazer piadinhas sem graça
com meu nome ou então agir com baixarias, já que não
podem evitar minha presença na cultura do meu Estado. A estes que
me discriminam, que procuram ser grossos e mal educados comigo, aconselharia
que quando se sentissem incomodados por eu estar na antologia de Assis
Brasil, por eu estar na Internet com meu poema “Olho” ou por esse meu poema
constar em livros didáticos, por eu ter coragem de assumir algumas
posições e eles não, por eu ter escrito a primeira
historia do cinema em Natal e continuar pesquisando fatos da história
do cinema em Natal e no Rio Grande do Norte. Que eles também tenham
a dedicação de trabalhar e pesquisar como eu tenho feito
e também tenham a coragem de assumir suas preferências pessoais,
porque não adianta me ignorar agora para depois, covarde e cinicamente,
me procurarem porque precisam dos meus favores intelectuais.
Enviado por Alexandro Gurgel