por Antonio Júnior
de Málaga (Espanha)
Enviado por Antonio Júnior, em 2/6/04AJ - Desde 1999, quando lançou "Los Años con Laura Díaz", já publicou mais duas novelas, um livro de ensaios e agora edita este de contos. É assombrosa a sua criação ininterrupta.A 34ª Feira do Livro de Málaga, inaugurada oficialmente dia 28 de maio e que finaliza a 06 de junho, é uma das mais antigas de Espanha e está dedicada este ano a incentivar a leitura entre crianças. Para aproximar-se delas, a Universidade de Málaga editou uma seleção de textos de Miguel de Cervantes com o subtítulo de "Al Alcance de la Inteligencia de los Niños". No entanto, mais comentada é a presença do autor de "La Muerte de Artemio Cruz", Carlos Fuentes, entre muitos convidados.Nascido no México em 1928, ele está lançando "Inquieta Compañia", da editorial Alfaguara. São seis contos sobre o divino e o humano, numa narrativa que tem como personagens anjos, demônios e vampiros. Elegante, aspecto jovial, o autor de "Aura" é conhecido não só pelo talento como também pelas palavras explosivas e sinceras.
CF - Sou muito disciplinado. Em Londres, onde vivo, saio muito pouco e quase não tenho amigos, portanto escrevo muito. É uma cidade de clima ruim, gente fria e comida medíocre, portanto perfeita para escrever. É quando sou feliz, tanto que nem considero um trabalho e sim lazer. Estou em paz ao escrever. Quando estou viajando ou fazendo certas obrigações necessárias, fico insuportável, louco para voltar a escrever.
AJ - O seu livro anterior, "Viendo Visiones", é um ensaio artístico...
CF - Sim. Falo de pintores que admiro. Velàzquez, Antonio Saura, Botero e outros. São artistas que provam o valor da arte latino-americana.
AJ - A narrativa "Contra Bush" também foi muito falada, provocando adesões e discórdias.
CF - Desde que Bush anunciou a sua candidatura que fiquei preocupado. Não somente por ele, também pelo seu círculo, que representa o poder do petróleo. Bush é um perigo mundial que devemos combater. Ele é ignorante e medíocre e se movimenta exclusivamente para defender os interesses das empresas de petróleo.
AJ - Chegou a compará-lo a Hitler.
CF - A linha que separa o bem do mal é muito frágil. O ditador nazista acreditava que para o bem da Alemanha necessitava conquistar a Europa e exterminar os judeus. O mesmo acontece com Bush e sua obsessão sanguinária. Ele lançou o mundo numa aventura terrível e imprevisível. Felizmente existe a literatura que surge nesses momentos em que o bem e o mal se confundem.
AJ - O seu novo livro aborda o gênero fantástico. Por quê tal interesse?
CF - O fantástico é uma invenção divina. Deus criou anjos e demônios e ao expulsar a Luzbel deu-lhe uma opaco. Assim o mal é uma opção de nossa liberdade. O meu interesse em escrever este livro surgiu ao ler as crônicas dos primeiros exploradores do continente americano. Entre outras coisas, eles afirmaram ter visto baleias com dois seios e tubarões com membros viris. Cristóvão Colombo jurou que viu sereias no trajeto. O certo é que há vampiros e demônios por todas as partes.
AJ - Inclusive no México.
CF - Óbvio. Vivemos uma situação muito delicada. O governo, o Congresso e os partidos políticos estão em crise. Estamos numa campanha presidencial antecipada, fora de hora, e já deixamos de lado problemas fundamentais como saúde, educação e desenvolvimento. No México, as pessoas vivem com dois dólares ao dia e estão desesperadas, enato começam a acreditar que a ditadura é a solução. São os tentáculos do mal. É um momento perigoso que me preocupa muito. A maior parte da América Latina vive uma democracia insegura e sem desenvolvimento. É complicado porque gera um saudosismo autoritário. Por isso é preciso dar a democracia um desenvolvimento organizado desde os mais pobres. A pobreza é o maior fantasma da América Latina e resolver esta situação deve ser o problema prioritário dos nossos governantes.
AJ - Uma das suas maiores paixões é o cinema. Sabe-se que é cinéfilo e foi amigo de longas datas de Luis Buñuel. Por que nunca escreveu um roteiro para ele?
CF - Iniciamos um ou outro roteiro. Certa vez trabalhamos na adaptação de À Sombra do Vulcão, de Malcolm Lowry. Ele pensava em Peter O'Toole e Jeanne Moreau como protagonistas. Depois de algumas semanas, Buñuel me chamou e disse: "Carlos, não podemos continuar o trabalho porque é uma novela infilmável, tudo se passa na cabeça do personagem central e está cheia de referências literárias". Também escrevi alguns diálogos não creditados para "O Anjo Exterminador".
AJ - Como surgiu a amizade de vocês?
CF - Durante as filmagens de "Nazarín", no México. Ele gostava de beber e ficou admirado porque eu, embora jovem, bebia muito e sem dar vexame. Possivelmente foi a figura humana mais extraordinária que conheci. Ele era afetuoso, amigo, tinha uma memória fantástica e havia participado dos principais acontecimentos do século XX.
AJ - Ganhou o Príncipe de Astúrias de Letras, o Cervantes e até um prêmio da Academia Brasileira de Letras. Falta o Nobel?
CF - Não espero prêmios, apenas faço o que sinto que devo fazer, ou seja, escrever sinceramente.
AJ - Como escritor politizado, acredita que a literatura deve ter uma função social?
CF - Segundo Edgar Allan Poe, a função da literatura é mostrar o que está presente e não somos capazes de enxergar. Creio que a obrigação social de um escritor é com a imaginação e a linguagem. O escritor mais apolítico está cumprindo a sua função ao escrever bem. Além disso, podemos ter, como é o meu caso e de muitos outros, uma inclinação para a ação política. Mas isso é outra coisa. Gosto de estar perto da política cotidiana mundial. Creio que estamos numa época de transição, com interrogações preocupantes a respeito do futuro. Temos que pensar seriamente no que está acontecendo e no que pode acontecer.
AJ - O Brasil, como tantos países, vive permanentemente bombardeado pelo lixo cultural norte-americano, gerando uma certa alienação e colonização. Crê que a globalização devorará a identidade cultural?
CF - Não é um problema que me preocupa. Sempre houve uma cultura popular de origem estrangeira bombardeando distintas áreas do mundo: Roma, Constantinopla, Paris e Nova York. Não causa grandes danos porque somos capazes de assimilá-la e seguimos sendo os mesmos. Como mexicano, sei que a minha cultura é muito mais forte que a norte-americana e mesmo com a invasão cultural dos EUA, resistimos, e somos ainda mais fortes. A cultura vive de contágios e não de isolamento.
AJ - Já esteve lado a lado com muitos dos líderes mais poderosos do mundo. O que tirou de proveitoso?
CF - Aprendi que o poder e a cultura são coisas muito diferentes. É sempre interessante conhecer chefes de Estado inteligentes. O Fernando Henrique Cardoso foi um dos presidentes mais inteligentes que conheci. É um homem culto. Assim como François Mietterrand e Bill Clinton. O que não significa que estava de acordo com a política deles. Agora existem alguns líderes que prefiro nem falar.
AJ - Depois do "boom" literário que revelou nomes como Grcia Márquez e Ernesto Sábato, como vai a literatura latino-americana?
CF - Vai bem. Há uma grande diversificação de escrita, de preocupações temáticas e pessoais. Há uma extraordinária diversidade de pontos de vista. É um momento interessante, excitante e variado.
AJ - Lançado "Inquieta Compañia", o que vem por aí?
CF - No momento estou nas mãos dos meus editores. Faço divulgação, dou conferências, concedo entrevistas. Ainda estou pensando no que vou escrever. Tenho algumas novelas iniciadas, em estado de notas, de esboços. E francamente, estou no auge desse conflito existencial que começa no momento em que se termina um livro.