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ME ESCREVO

                  Não sei há quanto tempo estou neste Boing. Perdi-me no tempo. Não sei, também, onde estou, neste momento. Me espanta como os passageiros, ao redor, me parecem crentes. Acreditam na vida, naquilo a que estão vivendo, presos. (Eu não acredito nisto: na vida, uma ilusão, um sonho, uma fantasia). Não conheço ninguém, aqui. Talvez nunca mais os veja. (Ao contrário do que esperava, na volta reencontrei um americano no Shopping Rio-Sul: no Galeão descobrimos que a companhia americana havia perdido nossas malas, a minha e a dele; a minha foi achada num canto, a dele ficou em Chicago. Nos falamos alegremente. “Voltou hoje à noite”, me disse. Tinha comprado novas roupas. E teve de esperar dois dias pela mala, dos três ou quatro que por aqui passou. Mais tarde o revi, saindo do McDonald, onde deve ter-se encontrado em casa). Volto a olhar ao redor, nesta aeronave. Os americanos representam a si próprios. Reconheço brasileiros. Eles têm um certo modo de ser. Tentam imitar os americanos. Viajo na noite, no tempo. Todos os modos de viajar são como este. Vejo-me cansado de viajar, de ser viajante. Sinto-me estrangeiro em meu próprio país. Quando era jovem tive um apelido: “judeu errante”. (Não sou judeu, meu avô sim). Considero-me “errante”, nessa estrada sem retorno. O aeroporto de Miami tinha um exército de policiais. Eles estão mais gentis, já dizem “por favor”, “muito obrigado”. “ Qual foi a última vez que você entrou nos Estados Unidos”. Eu digo em 2000. Está errado, esqueço 2001. A policial sabe, tem meu passaporte nas mãos. “Quanto tempo ficou”, não me lembro, estou sonolento. “O que você vem fazer nos Estados Unidos?” Seria difícil explicar que eu ia para um retiro de budismo tibetano. Não acreditaria? A melhor resposta ainda é “turismo”. E não minto, turismo espiritual. Há cada vez mais brasileiros por lá. Ouve-se muita gente falando português. Esta não é para mim a melhor área americana. Eu gosto de Portland, no Oregon. Gosto de Los Angeles. Estou tonto e apático. A viagem  longa, Rio, Miami, Chicago, Newburg. Um casal indiano ao meu lado. Ela, de sári. Ele, elegantíssimo no terno inglês. Indianos têm muito ar de nobreza. Eu não consigo ler, dormir, pensar. Mas escrevo. Gosto de escrever a bordo. Gosto mais de escrever do que de ler. Escrevo na noite. Escrevo perdido no espaço. Me escrevo.