Crônica da 1ª quinzena de agosto
Necessito urgente de um saquinho.
Pode ser de paciência, de estímulo, de coragem ou de qualquer
outra coisa que me dê um novo alento, que me faça continuar
suportando as chatices do dia-a-dia.
O dia inteiro ouço reclamações.
A cadeira quebrou. Não tínhamos grana para enviá-la
ao conserto - cadeira para computador é cara: até um
parafusinho é cobrado proporcionalmente à medida inversa
da nossa falta de grana!
E aí estou ouvindo essa apurrinhação há
alguns dias: - "se tivesse enviado para arrumar no dia, não tinha
estragado completamente! Acho que agora está perdida".
Pô!!!! Não dá mais!!!
Eu só quero um canto onde eu possa escrever sossegadinha! E
essa reclamação dia e noite, noite e dia!
Ou é a história da cadeira, ou das multas que angariamos
em nossas férias sacrificadas, ou pq o celular (enfim ressucitado)
não consegue manter-se funcionando mais do que umas míseras
duas ligações!
Cara, que saco!
Trabalhei fora desde os 17 anos de idade. Um pouco de tudo em meu currículum,
nada acadêmico, exceto em questões de vida e variedades. E
tudo isso tendo cursado apenas até o segundo científico.
Mas me sinto eclética, cultura mediana. Não li todos os livros
que gostaria de ter lido, não viajei quase. A vida sempre foi muito
dura para mim. Fiquei viúva aos 41 anos de idade com um filho de
9 anos, minha mãe de 61 à época; sem casa própria,
tive que aturar os desaforos de uma sogra neurótica - a própria
cobra (Deus a tenha). E novamente me pus a trabalhar - minha modesta pensão
(à época) mal dava pra escola particular do menino, a perua,
os remédios de minha mãe e a comida. Um ano de luta e chega
meu pai, doente. De mala, cuia e doença. Foi a perda que mais me
abalou. Marido e pai, no espaço de um ano e meio. Aos 44 eu me sentia
velha, pobre, sozinha. Vontade de sei lá! Mas tinha meu filho e
minha mãe. Arrumei forças - nem sei onde - deviam estar escondidas
em algum canto de mim mesma.
Bom, encurtando, cheguei aqui. Segundo marido. Pobre, mas, quem se
importa? Tenho minha pensão, que dá para o sustento básico
da casa, sem luxos. Ele tem lá a pensão dele também.
Minha mãe mora junto, pra que consigamos pagar os empréstimos
atolantes que fiz para pagar a casa - única herança que faço
questão de deixar ao meu filho.
Mas ninguém é de ferro! Viajamos por 15 dias - fomos
ao Rio, visitar a sogra (a segunda - essa é um doce).
Voltamos duros, contas atrasadas, filho quer celular, marido quer religar
o celular antigo e recomeça a loucura!
Além do celular que tem que trocar, vem essa história
de cadeira!
E eu devendo até ao imposto de renda!
Alguém quer uma cadeira velha? Acompanha uma velha na cadeira
- nem dá vontade de levantar!
Solidois
Sentado ao piano, tocando Gerschwin. Olhar absorto na foto dela, ao
lado da partitura. A luz indireta. As cortinas azuis semi-abertas.
O olhar triste. Notas tristes.
Ela na poltrona vermelha, o livro esquecido aberto sobre as pernas.
Olhar absorto em direção ao nada estático lá
fora.
Ouvia sem ouvir. Olhava e não via.
Estavam na sala.
Um em cada mundo.
O silêncio de ambos era o muro.
A distância eram seus sonhos.
Só se uniam nas lembranças do passado.
Depois de muitos anos, eram dois solitários.
Um só se lembrava de solitárias tardes ao piano. Mal
se recordava do nome da moça da foto.
Ela só se recordava das tardes solitárias de leitura.
Mal se lembrava da janela.