Coluna de 15/07
(próxima coluna: 15/08)
1. P. H. Xavier dizendo que gostaria de guardar um rebanho de palavras. Queria ser um guardador de rebanhos, ter todas as palavras à mão, sob sua guarda. Era só mover o cajado e as palavras escolhidas e indicadas se reuniriam no curral das frases. "Sou um guardador de rebanhos. / O rebanho é os meus pensamentos / E os meus pensamentos são todos sensações." – disse Fernando Pessoa.
2. Fim de semana, com familiares na Fazenda Mascatinho, no município de Varginha. O barulho do riacho e passarinhos revoando e cantando. Levei comigo para a Fazenda "Fragmentos de um discurso amoroso", de Roland Barthes. Consegui ler umas 90 páginas. Geralmente, na Fazenda, a preguiça pega a gente. Segundo Barthes, "O discurso amoroso, ordinariamente, é um invólucro liso que adere à Imagem, uma luva suave envolvendo o ser amado. É um discurso devoto, bem-pensante. Quando a imagem se altera, o invólucro da devoção se rasga; um tremor revira minha própria linguagem."
3. "Tereza apareceu à porta.
Havia em seu rosto, já um tanto gasto, considerado
da última vez que o vi, um sinal de ansiedade e alegria. Parecia
pregada ali há dias, aguardava-nos, sabia da nossa demora no Recife.
E nós lhe trazíamos um mundo de sobrevivências afetivas,
algo de novo que amenizava o enorme vazio do seu coração
desiludido." (Ascendino Leite, página 84 de "Sol a Sol Nordestino"
(Jornal Literário).
4. É um texto bem escrito e bem pensado. Eu o li na página OPINIÃO, de "O Globo" – o título: "A verdade de cada um", de Míriam Leitão, jornalista. Diz ela: "Adoraria concordar com meu amigo e chefe Ali Kamel e afirmar que no Brasil não há racismo. Amo tanto o Brasil que me é penoso admitir seus defeitos, mas acho que falar sobre eles pode acabar aumentando as muitas virtudes que nos ufanam. Entre as virtudes, infelizmente, não está a igualdade entre as raças. Mas não perco a esperança de que possamos construí-la, a partir do riquíssimo debate que atualmente o país está tendo sobre este delicado e constrangedor tema".
7. HOUVE UM CÉU DE ANTIGOS MASTROS5. "o grito de pássaro na árvore é pica-
pau: habitante do ar, inventa cores
e arco-íris com feitiço
de avoante. solto na cabeça:
incito a passarada no campo
sorvendo o diafragma do brilho
e o esboço mirim de uma sombra.
hoje vivo enlaçado em quem fui.
(Wilmar Silva (BH), de "MOINHO DE FLECHAS", página 30. Editora Blocos (RJ).
8. Meu caro P. H. Xavier: você saberia analisar com clareza e profundidade as tendências culturais no nosso tempo? O fato é que não há possibilidade de o raciocínio, em tal contingência, de indicá-las. A proximidade é, sem dúvida, massacrante. Creio que não é difícil, por exemplo, descobri-las no período concretista ou tropicalista já distante. P. H. Xavier acha que no período concretista, por exemplo, havia certa coerência entre poesia, música, obras literárias, escultóricas e tipográficas. De qualquer forma, uma avaliação equilibrada das tendências não é fácil.
10. Por quê o fracasso do homem total? Seriam, por exemplo, sólidas, corretas, as relações entre a filosofia e a política? Taí um tema bom para debate. Enfim, o quê responder?9. EMBLEMA
o que possuímos
nos possui
o que nos seduz
seduzimos
o que repetimos
nos repetiu
(até o que excluirmos
nos excluiu)
em tudo o que morreu
e
em tudo o que vive
(Aricy Curvello (Serra/ES) - MAIS QUE OS NOMES DO NADA - página 42).
11. As coisas, agora depois do almoço (frango com batata salsa, berinjela e espinafre empanado), estão tocadas de silêncio. A memória se enriquece de ternura, desvendando momentos do passado, vividos perto do Cine Teatro Capitólio, local que era, antigamente, o centro de Varginha.
12. Pois é, meu caro Caio Fernando, eu também sei que existe uma região longínqua, em pra lá do Monte Pascal, em cujos quadrantes vegetais cheios de sangue em pastores não pastoreiam ovelhas e vaga-lumes nunca chegam à noite e onde eu jamais poderia cantar o meu sonho.
14. Se a minha boca, num momento de fome, morde os seus dedos, tenho a impressão de que meu corpo irá tremer por horas. Depois imprimirei no caminho o aroma de uma esquisitice inominável.13. O POETA
Ser de gestos noturnos, impreciso,
vai mergulhado, ao sol, em sua treva.
Sobre a cabeça um halo de umbra. Mas é na alma
que brilham-lhe as estrelas.
O poeta
sonha de noite própria
(Anderson Braga Horta, in "Fragmentos da Paixão").